Artigo ressalta a atual situação epidemiológica da febre chikungunya nas Américas e discute perspectivas para futuras pesquisas e estratégias de saúde pública para combater o vírus
Segunda, 29 de janeiro de 2024
O artigo Chikungunya: a decade of burden in the Americas, recém-publicado na revistaThe Lancet Regional Health – Americas, ressalta a atual situação epidemiológica da febre chikungunya nas Américas e discute perspectivas para futuras pesquisas e estratégias de saúde pública para combater o vírus (CHIKV) causador da doença. Em um trabalho de fôlego, renomados cientistas de diversos países mapeiam a disseminação do vírus, mostrando que a doença já conta 3,7 milhões de casos confirmados em 50 países ou territórios da região, entre 2013 e 2023. A professora Maria Anice Mureb Sallum, do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, é uma das autoras do trabalho.
De acordo com o texto, os primeiros casos autóctones (de origem no local) do vírus chikungunya na região foram registrados na Ilha de São Martinho, em dezembro de 2013, e rapidamente se espalharam pelas Américas, causando epidemias até os dias atuais. No artigo, diversos gráficos ilustram o histórico de disseminação do vírus, trazendo um apanhado das epidemias e locais de ocorrência.
Desde 2016, o Brasil é considerado o epicentro das epidemias de chikungunya nas Américas, com 1,6 milhão de casos registrados, enfrentando surtos anuais da doença, segundo o artigo. Uma das razões para essa eminência do vírus no País é o grande número de pessoas suscetíveis, o clima adequado e a abundante presença do vetor do vírus – o mosquito Aedes aegypti. Contudo, a espacialidade da distribuição da doença e do vírus está condicionada à heterogeneidade do território brasileiro.
De acordo com o estudo, ao manter a circulação prolongada do CHIKV, o Brasil tem potencial de se tornar uma fonte de disseminação do vírus para novas regiões geográficas com grandes populações suscetíveis. Algumas regiões podem tornar-se mais suscetíveis a surtos devido às alterações climáticas, incluindo a América do Norte, a Europa e outros países da região do Cone Sul da América do Sul. Além disso, existe o risco de reintrodução em áreas anteriormente afetadas, onde ainda podem existir populações suscetíveis. Por exemplo, o Paraguai, um país com uma população de 6,7 milhões de habitantes, notificou 85.889 casos de chikungunya em 2023. Da mesma forma, a Argentina notificou 1.336 casos de chikungunya em 2023, após um hiato de seis anos desde sua primeira epidemia em 2016.
O texto ainda menciona algumas medidas que poderiam ser tomadas para diminuir o impacto do vírus nas Américas, como a vigilância molecular contínua, o diagnóstico imediato e o tratamento adequado da febre da chikungunya e de outras doenças intermediadas por mosquitos; um melhor monitoramento da evolução e propagação do CHIKV através de dados genômicos e sorológicos; uma melhor compreensão da dinâmica de transmissão espaço-temporal do CHIKV em múltiplas escalas geográficas; novas abordagens para o controle dos vetores e para a redução da capacidade vetora dos mosquitos para a transmissão do CHIKV e a distribuição de vacinas para as populações em risco de adquirir a infecção.
Para conferir o artigo na íntegra, acesse.
Outro estudo: zika e chikungunya no Brasil
Um outro artigo publicado no final de 2023 mostrou que os casos de chikungunya e zika apresentam tendência de queda no Brasil como um todo, mas a situação continua preocupante nas regiões de maior risco de infecção por esses dois vírus: Nordeste, Centro-Oeste e litoral de São Paulo e Rio de Janeiro. Nesses locais, ambas as doenças seguem com número de casos em alta.
O trabalho foi publicado na revista Scientific Reports por pesquisadores da FSP e do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo (CVE), que analisaram os padrões espaço-temporais de ocorrência e co-ocorrência das duas arboviroses em todos os municípios nacionais, bem como os fatores ambientais e socioeconômicos associados a elas.
No Brasil, as áreas de maior risco de infecção se localizaram inicialmente na região Nordeste. Entre 2018 e 2021, data inicial do estudo atual, o foco se deslocou para o Centro-Oeste e para os litorais de São Paulo e do Rio de Janeiro, antes de recrudescer novamente no Nordeste, de 2019 a 2021.
“Identificar essas áreas de alto risco – que são influenciadas pela alteração do ambiente causada por fatores como urbanização, desflorestação e alterações climáticas – é importante tanto para controlar os vetores quanto para direcionar corretamente as medidas de saúde pública, especialmente em um momento em que a Opas/OMS e o Ministério da Saúde (MS) vêm alertando sobre um aumento no número de casos de chikungunya e zika acima dos relatados nos últimos anos”, afirmou à Agência Fapesp Raquel Gardini Sanches Palasio, pesquisadora do Laboratório de Análise Espacial em Saúde (Laes) do Departamento de Epidemiologia da FSP e primeira autora do estudo.
“Chikungunya e zika demonstraram respectivamente tendências decrescentes de 13% e 40% no Brasil como um todo, entre 2018 e 2021; entretanto, 85% e 57% dos aglomerados [áreas de maior concentração] encontrados mostraram uma tendência crescente, com provável crescimento anual entre 0,85% e 96,56% para chikungunya e entre 2,77% e 53,03% para zika.”
“Observamos ainda que, desde 2015, as duas arboviroses ocorreram com maior frequência no verão e no outono no Brasil. No entanto, a chikungunya está associada a baixos níveis de precipitação, ambientes mais urbanizados e locais com maior desigualdade social; e zika a alto volume de chuvas e áreas com baixa cobertura de rede de esgoto.”
De acordo com a pesquisadora, ambas as doenças são mais frequentes ainda em locais com menores taxas de vegetação nas áreas urbanas e, aparentemente, o fator socioeconômico é mais evidente para chikungunya do que para zika.
O artigo Zika, chikungunya and co-occurrence in Brazil: space-time clusters and associated environmental–socioeconomic factors pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-023-42930-4.
*Da Assessoria de Comunicação da FSP, com informações de Julia Moióli, da Agência Fapesp
Fonte: Jornal USP