Pesquisadores e estudantes de graduação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), juntos a parceiros associados, executaram um inventário dos mamíferos de médio e grande porte existentes no Parque Estadual Morro do Chapéu (PEMC) e seu entorno. A região, de 46 mil hectares, é rica em biodiversidade e considerada Unidade de Conservação de Proteção Integral de administração estadual. Morro do Chapéu é um município situado a 384 km de Salvador, na zona oriental da Chapada Diamantina.
O levantamento dos mamíferos buscou relacionar a presença das espécies aos tipos de ambiente, indicando possíveis relações entre maior ou menor ocorrência em áreas antropizadas do parque e do seu entorno, com presença de usinas eólicas. Áreas antropizadas são áreas cujas características originais foram alteradas pela ocupação humana, com o exercício de atividades sociais, econômicas e culturais sobre o ambiente.
O PEMC e seu entorno possuem remanescentes de Caatinga, Cerrado e Campo Rupestre, ambientes de diversas espécies animais e vegetais nativas e em risco de extinção, com destaque para o beija-flor-gravatinha-vermelha, pássaro só encontrado nos campos rupestres da Chapada Diamantina.
A região da Chapada sofre diversos impactos ambientais, decorrentes de ações humanas que vão desde a produção de energia eólica até o abate ilegal de animais silvestres. Essa foi a realidade encontrada pelos pesquisadores da UFRB vinculados ao Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB), ao iniciarem o processo de inventário do PEMC e seu entorno.
Para produzir o inventário, a equipe da UFRB e seus colaboradores instalaram, em árvores, câmeras trap (equipamento que captura apenas o registro dos animais em vídeo ou foto), para catalogar as espécies em diferentes tipos de vegetação. Essas informações foram complementadas pelo registro de vestígios de pegadas, carcaças e fezes, além de entrevistas com moradores sobre animais vistos na região.
As imagens capturadas pelas câmeras serviram para criar a página Bichos do Morro, destinado à divulgação científica da fauna de vertebrados do PEMC, com ênfase para os mamíferos de médio e grande porte.
A presença dos pesquisadores em campo e a repercussão das descobertas na mídia social despertaram o interesse e o apoio formal do Ministério Público da Bahia (MP-BA), por meio do Programa Biomas da Bahia e da Promotoria de Justiça Especializada em Meio Ambiente (sede em Jacobina); da Prefeitura de Morro do Chapéu; do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (INEMA); do Instituto Água Boa; e do Instituto Pró-Carnívoros, por meio do Programa Amigos da Onça. “Todas essas entidades nos ajudaram com apoio logístico ou doação e empréstimo de equipamentos”, afirma Gustavo Luis Schacht, professor e um dos coordenadores da pesquisa.
O projeto recebeu bolsas para estudantes provenientes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX), esta, responsável pelo conteúdo digital do @BichosdoMorro.
Participam da pesquisa, além do professor Gustavo, o professor Vanderlei da Conceição Veloso Júnior (também coordenador), as estudantes Pâmella dos Santos e Lorrane Vieira, do curso de graduação em Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Ambientais (BCA); as estudantes Pietra Martins e Tainara Pereira, do Bacharelado em Biologia; e os biólogos parceiros Carolina Esteves e Lucas Romano.
Espécies encontradas e ameaçadas
Após a instalação das câmeras trap em árvores, são feitas visitas regulares a esses equipamentos para coletar os dados armazenados e realizar as manutenções necessárias. Os dados coletados são trazidos para a UFRB, Campus Cruz das Almas, onde os pesquisadores e estudantes realizam o processo de triagem e identificação das espécies registradas nas imagens.
O projeto conseguiu registrar um total de 28 espécies, com uma descoberta sobre a morfologia do Veado Catingueiro. Os dados levantados estão em preparação para publicação, segundo Gustavo, pois não há ainda lista publicada das espécies do Morro do Chapéu.
Entre as 28 espécies de animais identificadas, estão Cachorro-do-mato, Jaritataca, Veado-Catingueiro, Mocó, Jaguatirica, Guaxinins da espécie Mão-pelada, Cutia, Onça-parda, Furão, Caititu, Gato-mourisco, Tatu-bola e Gato-do-mato-pequeno, o menor dos gatos malhados da América do Sul, entre outros. “Destaco Tatu-bola e Gato-do-Mato-Pequeno, pois são espécies em perigo de extinção e com baixo número de registros”, explica Gustavo. “Infelizmente também temos registrado alto índice de caçadores nas áreas estudadas, o que evidencia ainda mais a importância de conhecermos e preservarmos essa biodiversidade”, alerta o pesquisador.
Ainda segundo Gustavo, além do número de espécies, “outro fato importante foi o registro (também em vias de publicação científica) de uma alteração anatômica no Veado-Catingueiro, espécie comumente registrada no projeto”. O pesquisador detalha que “os registros mostraram que, para um ponto específico inventariado, um alto percentual dos indivíduos machos está com os chifres bifurcados, o que não é comum para a espécie. Esta é uma informação nova para a ciência, e que estamos discutindo junto com especialistas, para pensarmos no desdobramento desta frente do projeto”.
Os resultados encontrados até então são objeto de palestras, projetos de educação ambiental e divulgação científica, entrevistas, mesas redondas e programas da mídia. O projeto também foi contemplado por edital da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
RPPN e mais descobertas
Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma área protegida que é administrada não pelo poder público, mas por particulares interessados na conservação ambiental. Foi a partir de 2023 que o projeto passou a inventariar também o entorno do PEMC, especialmente dentro das suas três RPPNs.
Para Gustavo, o número de espécies a serem registradas tende a crescer ao longo das próximas coletas nas três reservas. Atualmente, os pesquisadores e estudantes da UFRB estão fazendo o levantamento dentro da RPPN Lagoa da Velha – Fazenda Martim Afonso, com apoio do produtor e biólogo Edgard Navarro, proprietário rural. O trabalho da equipe da Universidade foi tema de uma reportagem do jornal digital “O Estado de S. Paulo”. A reportagem “Programa incentiva fazendeiros a criarem reservas ambientais particulares na Bahia”, publicada em 26 de janeiro de 2024, descreve resultados preliminares de ações do projeto da UFRB dentro da referida RPPN.
O projeto está passando por mudanças, conforme destaca Gustavo. “Estamos passando de um inventário para um monitoramento, que pretendemos manter em médio e longo prazo, especialmente para entender a dinâmica da fauna local em um cenário de expansão da energia eólica na região”, afirmou.
Parque Estadual Morro do Chapéu
O Parque Estadual Morro do Chapéu, o primeiro da Bahia, integra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) na categoria de Unidade de Conservação de Proteção Integral. Devido à riqueza biológica, a região do Morro do Chapéu foi classificada pelo Ministério do Meio Ambiente como de importância extremamente alta para a conservação da biodiversidade. Foram recomendadas como ações prioritárias a manutenção das Unidades de Conservação ali existentes – como o Parque Estadual Morro do Chapéu e o Monumento Natural Cachoeira do Ferro Doido –, a recuperação das áreas degradadas e a formação de corredores ecológicos.
Além dos aspectos biológicos, o parque foi criado em função da existência dos sítios arqueológicos das Lajes e das Serras Isabel Dias, das Carnaúbas, do Estreito e do Badeco, com pinturas rupestres, alguns já são cadastrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Fonte: Agência Sertão /Foto: Vitor Mamede