Não raras vezes egípcios começam a conversar em árabe quando encontram algum brasileiro nas ruas acreditando que estão diante de um local por conta das semelhanças físicas. A civilização do Egito, país que hoje tem uma população de mais de 100 milhões de habitantes, teve a influência de diversos povos. E o mesmo fez o povo brasileiro ser o que é hoje.
A historiadora pesquisa agora as semelhanças gastronômicas entre o Brasil e o Egito. Destacando que também gosta de Biologia, ela diz que sempre se preocupa com os ingredientes e com a história de cada um deles. “Porque como um ingrediente passa de um lugar para outro, muitas vezes eles vão por mãos humanas. Então você está vendo que ele é um elemento cultural”, afirmou, citando como exemplo um fruto que muitas vezes é preparado como se fosse um vegetal no Brasil.
“O quiabo está muito presente na culinária egípcia. Eles fazem um quiabo com carne, que parece muito com frango com quiabo mineiro. Esse é um dos elementos principais do estudo da história da Gastronomia: há o processo da habilidade, quando você conhece uma comida de uma forma e quando você está em outro lugar, pega essa comida e transforma com os ingredientes que você tem para aproximar ao máximo do original. E, assim, os pratos vão se mantendo, mas com modificações”, explicou.
Outro exemplo desta ligação, digamos, “pela mesa” com uma das civilizações mais antigas do mundo vem do Maranhão.
“Especialmente na ilha, em São Luís, eles têm a comida que é o arroz de cuxá. É um arroz com a folha da hibiscus sabdariffa. É a mesma que faz o chá de hibisco que tem em Assuã (cidade egípcia). A folha dele é usada como uma comida tradicional maranhense e isso é especificamente do Sul do Egito e do Norte do Sudão”, afirma.
“O cuxá é essa folha socadinha com vários temperos”, disse, imediatamente fazendo referência a um tradicional prato egípcio chamado molorreia, feito com uma folha também conhecida como espinafre árabe ou juta. Quem prova molorreia pela primeira vez tem a impressão de que é uma sopa feita com quiabo. “O gosto é muito parecido, com a diferença que o cuxá é um pouquinho mais azedo”, reforça.
Mas a pesquisadora diz que a molorreia no Brasil é conhecida como caruru da Bahia. “É a folha de uma malvasia. Existe uma estrutura de similaridades, porque às vezes você não consegue o mesmo ingrediente, você consegue aproximar”, disse. No Egito come-se a molorreia com pão, enquanto o amido base que acompanha o prato no Maranhão é o arroz. “
Ela disse que começou a refletir sobre como a comida poderia ser um elemento aproximador dos povos e suas experiências, até mesmo nos gestos mais sutis. Um exemplo é que em países africanos se vê alguém cozinhando e colocando um pouco da comida na mão para se provar, como normalmente se faz no Brasil, enquanto na Europa é mais comum que se leve a colher diretamente à boca.
Mesmo que a maior parte dos africanos escravizados que foram traficados para o Brasil tenha vindo do oeste da África, os demais que eram de outras regiões também acabaram trazendo elementos da própria cultura, como os sudaneses que acabaram indo parar em Minas Gerais. “Eles eram escravos mineradores. E aí existe uma proximidade cultural muito grande entre o Sudão e o Sul do Egito”, destaca.
Mas tem também uma segunda hipótese apontada pela historiadora. Uma séria de coisas chega ao Brasil via Portugal, no período colonial, mas na verdade é de uma cultura mediterrânea que, na verdade, vem do norte da África. Pensando desse jeito, há uma proximidade entre Portugal e o Egito, e consequentemente entre o Egito e o Brasil.
Há também semelhanças quando falamos de sobremesas. O arroz doce brasileiro, por exemplo, é conhecido no Egito como pudim de arroz.
E por falar em viagens de Dom Pedro II, depois dele Lula foi o único chefe de estado brasileiro a visitar oficialmente o Egito. A segunda e última vez foi em fevereiro.
É difícil não descrever “a” culinária brasileira com uma palavra que não seja diversa, porque é mesmo o resultado, muitas vezes adaptado, de várias influências. “Por exemplo, o que a gente fez com o cachorro-quente? Fizemos a salsicha mais gostosa e colocamos salada. Tem também purê de batata em São Paulo.Então ele se transforma em algo mais saudável do que só um pão com salsicha”, afirmou.
Pelas ruas do Cairo, onde há muitos restaurantes de fast food hoje em dia, se percebe que o Egito também vem sendo influenciado pelo Ocidente, mas a pesquisadora mineira destaca que o jeito que cada país abraçou o que veio de fora foi diferente. Há uma resistência maior da tradicional cozinha egípcia. “O Egito ainda precisa construir gastronomicamente essa relação entre o que eles têm para oferecer enquanto comida tradicional egípcia e como isso vai ser adaptando. Eles têm um tradicionalismo muito grande na alimentação, que é uma referência. Eles comem comidas que eram comidas no Egito Antigo”, disse. E falar sobre o Egito Antigo é falar sobre milhares de anos da história humana.
Ao visitar templos egípcios, Liliane diz que também tirou fotos de imagens que fazem referência à comida. “O que estou fazendo agora é exatamente isso: tentar aproximar e identificar essas comidas antigas para poder fazer mais ainda essa ponte com o Brasil”, encerrou.
Por: RÁDIO FRANÇA INTERNACIONAL / Liliane Faria Corrêa Pinto, professora da UFMA Foto: Arquivo pessoal