Dores quase insuportáveis acompanharam a técnica de enfermagem Sônia Rodrigues desde os primeiros anos da adolescência, motivando o isolamento social e, posteriormente, a depressão. “Uma vida acamada, sem nenhum contato social”, lembra. “A pessoa fica limitada e passa a se acostumar a viver com dor.”
Foi somente aos 45 anos, depois de muito sofrimento, que ela conseguiu ouvir de um ginecologista do Hospital da Mulher Maria Luzia Costa dos Santos (HM), unidade da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), em Salvador, o motivo de tanto sofrimento: a endometriose.
“Fui encaminhada para o Hospital da Mulher para fazer uma cirurgia de mioma e tive uma crise de endometriose ainda sem saber que tinha a doença”, conta Sônia. “Fiz a ressonância pélvica e o médico descobriu que eu tinha endometriose e a adenomiose. Estou em tratamento há um ano e digo que sou feliz no Hospital da Mulher. Fui acolhida como nunca tinha sido.”
Sônia é uma das milhares de pacientes atendidas pelo Serviço de Endometriose do Hospital da Mulher, que foi escolhido pelo Ministério da Saúde como um dos cinco principais hospitais para o tratamento da doença do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o País.
Desde 2017, o Serviço já realizou mais de 10 mil procedimentos por meio de um atendimento multidisciplinar e integrado. No local, as pacientes têm acesso ao diagnóstico preciso definido por exame clínico com o auxílio de exames como ressonância ou laparoscopia, que permitem identificar o grau de evolução e, assim, definir o tratamento adequado à paciente.
“O acesso ao Serviço de Endometriose é feito pela Central Estadual de Regulação ou por encaminhamento de pacientes que já são atendidas na unidade”, explica o coordenador do serviço, o ginecologista Heron Cangussu. “A paciente atendida pela atenção primária é encaminhada para a Central de Regulação da Sesab e, chegando no HM, ela é acolhida pela equipe de ginecologia, que aprofunda a investigação, solicitando ressonância, ultrassom ou outros exames feitos no próprio HM e que vão nortear esse diagnóstico. A partir daí, é proposto o tratamento clínico ou a cirurgia, ambos oferecidos na própria unidade.”
Uma em cada dez
Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde mostra que uma em cada dez mulheres em idade fértil têm endometriose, totalizando cerca de 7 milhões de brasileiras. Na Bahia, dados da Sesab ratificam a proporção: cerca de 10% das baianas em idade fértil convivem com a doença causada pela formação anormal do endométrio, camada que reveste o útero.
Nos casos de endometriose, as células do endométrio não são expelidas como deveriam na menstruação e caem na cavidade abdominal, podendo se instalar em diversos órgãos, como intestino, bexiga e ovários, causando dores intensas. O tratamento da condição exige abordagem multidisciplinar.
Para Sônia, poder contar com o auxílio de diversos profissionais na luta contra a endometriose tem sido fundamental. “A nutricionista, por exemplo, passou todo o plano alimentar e explicou tudo o que preciso fazer para amenizar a inflamação”, relata. “Além dos médicos, tenho acompanhamento da psicóloga. Digo que, se não fosse esse tratamento, eu já tinha morrido. Não é fácil, muita gente não conhece a doença e não entende o sofrimento pelo qual passamos.”
Segundo a nutricionista da equipe do Serviço de Endometriose do Hospital da Mulher, Laiane Moraes, o acompanhamento multidisciplinar é a chave para o sucesso do tratamento. “A endometriose é uma doença inflamatória e, para termos resultados efetivos, precisamos de um trabalho integrado de diversos profissionais”, explica. “Do ponto de vista da nutrição, o acompanhamento é de fundamental importância para auxiliar o processo de desinflamação do corpo, por exemplo. Sem essas mudanças, o tratamento medicamentoso acaba não tendo tanta eficácia na questão da dor.”
Cirurgia
Nos casos em que só o tratamento clínico multidisciplinar não é suficiente, a cirurgia é indicada. Nos últimos sete anos, 1.092 procedimentos cirúrgicos para tratamento da doença foram realizados na unidade. “Somos a única instituição da Bahia que realiza procedimento cirúrgico de alta complexidade de endometriose”, destaca Heron Cangussu. “Nesse período, já operamos mais de mil pacientes. Essa nossa atuação gerou frutos, fazendo com que fôssemos reconhecidos pelo Ministério da Saúde como um dos melhores serviços do País.”
Como resultado do reconhecimento, os profissionais da equipe do Serviço de Endometriose do Hospital da Mulher foram selecionados para participar de um treinamento em São Paulo, no projeto ‘Endometriose Brasil: Programa de aprimoramento profissional para diagnóstico e tratamento da doença’, promovido pelo Proadi-SUS em parceria com o Ministério da Saúde e a Beneficência Portuguesa de São Paulo. Três cirurgiões, duas enfermeiras e um radiologista participam da imersão.
Além do HM, o Hospital Santo Antônio, em Salvador, também presta atendimento para casos de diagnóstico e tratamento da endometriose por meio da realização de atendimentos clínicos, ginecológicos, exames laboratoriais e de imagem. O acesso às unidades é feito pela Atenção Primária, ou seja, a mulher precisa procurar atendimento nas Unidades Básicas de Saúde do município para assim ser encaminhada às unidades de referência.
Fonte: A Tarde / Foto: Reprodução