A nostalgia não tem boa reputação, particularmente devido às suas recentes influências sobre a política e a sociedade. Afirma-se que esta emoção convence, ilude e cativa as pessoas na tomada de decisões eleitorais.
Tomemos o Brexit como exemplo. A “nostalgia do passado” é apontada como culpada pela decisão tomada pelos eleitores britânicos. E o slogan de Donald Trump, “Tornar a América Grande Novamente”, talvez seja o melhor resumo do poder político da nostalgia.
A nostalgia parece particularmente poderosa na política hoje em dia. Mas a história desta emoção é longa e atribulada.
Como detalhei no meu novo livro, Nostalgia: A History of a Dangerous Emotion (“Nostalgia: história de uma emoção perigosa”, em tradução livre), existem poucos sentimentos tão onipresentes e, ao mesmo tempo, dificilmente identificados quanto a nostalgia.
Uma das razões talvez seja porque, mais do que as outras emoções, a nostalgia passou por uma transformação particularmente radical ao longo dos últimos três séculos. E, há apenas cerca de 100 anos, ela não era uma simples emoção – era uma doença.
O termo “nostalgia” foi cunhado e usado como diagnóstico em 1688, pelo médico suíço Johannes Hofer (1669-1752).
Derivado do grego nóstos (“regresso ao lar”) e álgos (“dor”), o termo designava uma doença misteriosa – uma espécie de saudade patológica de casa.
Nos pacientes, ela causava distúrbios psicológicos como letargia, depressão e confusão. Mas também havia sintomas físicos, como palpitações cardíacas, feridas abertas e distúrbios do sono.
Acreditava-se que a nostalgia fosse uma doença séria e de difícil tratamento, quase impossível de ser curada. Ela poderia ser fatal para as infelizes vítimas, que morriam lentamente de fome.
Como foi identificada pela primeira vez na Suíça, acreditava-se que ela fosse uma condição específica daquele país. Afinal, a Suíça é tão bonita, seu ar é tão refinado, que qualquer pessoa que saísse do país correria o risco de sofrer sérias consequências físicas.
Estudantes, mercenários e empregados domésticos eram supostamente mais vulneráveis – jovens que haviam sido levados a sair de casa e talvez tivessem dificuldade para retornar.
A nostalgia se espalhava pelos Alpes, mas logo atingiu o restante da Europa – uma verdadeira pandemia emocional, com picos proeminentes no outono, quando a queda das folhas levava os melancólicos a pensar sobre o passar do tempo e sua própria mortalidade.
Em 1781, o médico Robert Hamilton (1749-1830), da cidade inglesa de Ipswich, trabalhava em um quartel no norte da Inglaterra quando encontrou um caso preocupante de nostalgia.
Um soldado que havia entrado recentemente no regimento foi se consultar com Hamilton por ordem do seu capitão. No exército há poucos meses, ele era jovem, bonito e “preparado para o serviço”.
Mas a “melancolia pairava sobre o seu semblante e a palidez dominava suas bochechas”.
O soldado se queixava de “uma fraqueza universal” – um ruído nos ouvidos e tontura na cabeça. Ele dormia mal e se recusava a comer e beber.
O jovem suspirava profundamente e com frequência. Aparentemente, algo perturbava muito a sua mente.
Nenhum tratamento teve resultado e ele foi internado no hospital. O soldado permaneceu acamado por cerca de três meses e foi definhando cada vez mais.
O paciente foi atingido por uma febre e passava as noites banhado de suor. Hamilton esperava pelo pior e o considerou uma causa perdida.
Certa manhã, uma das enfermeiras mencionou para Hamilton que o soldado falava obsessivamente de sua casa e dos seus amigos. O jovem comentava de forma recorrente sobre o seu desejo de voltar para casa desde que chegou ao hospital.
Quando Hamilton foi ver o paciente, perguntou a ele sobre o seu local de origem, o País de Gales. O soldado reagiu com verdadeiro entusiasmo, ficou obsessivo e não parava de falar sobre as glórias dos vales galeses.
O jovem perguntou a Hamilton se ele o deixaria voltar para casa. O médico prometeu que, assim que a condição física do soldado melhorasse, ele poderia retornar para uma licença de seis semanas.
O paciente reviveu imediatamente. E o jovem soldado, francamente recuperado, partiu para o País de Gales a todo vapor.
Da Europa, a nostalgia se espalhou pelos navios que carregavam pessoas africanas escravizadas para a América do Norte.
Naquele momento, ela ainda não havia sido associada positivamente à corriqueira autotolerância, que é comum hoje em dia. A nostalgia tinha o poder de matar e incapacitar as pessoas. Era levada muito a sério.
De fato, ela foi uma das principais causas de morte fora de combate durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). E a última vítima de nostalgia registrada foi um soldado raso em combate no front ocidental em 1917.
No século 20, a nostalgia sofreu modificações. Ela se diferenciou da saudade de casa e se transformou – primeiro, em um distúrbio psicológico e, depois, na emoção que conhecemos hoje em dia.
Mas os primeiros psicanalistas assumiram uma posição distorcida sobre a nostalgia e as pessoas sujeitas a serem acometidas por ela. Elas eram consideradas neuróticas, retrógadas, excessivamente sentimentais e incapazes de enfrentar a realidade.
Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, eles suspeitavam do patriotismo: “por que um velho país, muitas vezes com uma existência triste e miserável, torna-se uma terra fantástica para as vítimas de nostalgia?”
Mas os mesmos psicanalistas também eram esnobes. Eles acreditavam que a nostalgia era mais comum entre as “classes inferiores” do que na elite cosmopolita.
Estas visões, embora não sejam mais defendidas pelos terapeutas ou psicólogos, ainda prevalecem nas discussões políticas sobre a nostalgia. De fato, a reputação atual da nostalgia, particularmente em relação à sua influência sobre a política, cultura e sociedade, não é algo tão romantizado.
Em 2016, por exemplo, a nostalgia foi apresentada como uma explicação para dois eventos eleitorais importantes: a vitória presidencial de Donald Trump, nos EUA, e o voto a favor do Brexit, no Reino Unido.
Mas, quando os jornalistas e críticos usaram a nostalgia para explicar esses momentos geopolíticos cataclísmicos, eles frequentemente a consideravam uma espécie de diagnóstico – uma resposta para explicar decisões políticas aparentemente irracionais ou fora do padrão.
Nas palavras do historiador Robert Saunders, em relação ao Brexit, o debate definiu o voto para sair da União Europeia como “um distúrbio psicológico: uma patologia a ser diagnosticada e não um argumento a ser debatido”.
A nostalgia pode não ser mais uma doença, mas ela ainda não perdeu todas as suas antigas associações. Para muitos, ela permanece sendo uma explicação para decisões políticas consideradas menos progressivas e mais irracionais, tomadas por algumas pessoas.
Embora não seja mais mortal, ela permanece uma emoção perigosa.
* Agnes Arnold-Forster é pesquisadora de História da Medicina, Emoções e História Britânica Moderna da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.
Fonte: BBC Brasil / GETTY IMAGES