José Higídio – Sexta, 21 de junho de 2024
A propagação de posicionamento contrário a uma proposta legislativa, mesmo com intenção de privilégio de interesse próprio, não configura intuito de abolir o regime democrático ou impedir o exercício regular dos poderes constitucionais. Além disso, sem adulteração das características de bens, produtos ou serviços anunciados, não há ofensa à proteção dos direitos básicos dos consumidores.
Com esse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República e determinou, nesta quinta-feira (20/6), o arquivamento do inquérito que averiguava uma possível campanha abusiva das empresas de tecnologia Google e Telegram contra o Projeto de Lei das Fake News.
Alexandre ainda ordenou o envio dos autos à Procuradoria Regional da República de São Paulo, responsável por uma investigação cível sobre possíveis abusos das plataformas no enfrentamento à desinformação e à violência no mundo digital.
O inquérito criminal contra os diretores brasileiros de Google e Telegram foi aberto pelo ministro em maio do ano passado a pedido da PGR, provocada pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
A ideia era confirmar se as big techs vinham tentando influenciar a sociedade a rejeitar o PL das Fake News, que pretende criar regras para transparência na internet.
À época, o Google havia divulgado um texto com o título “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade e mentira no Brasil”. Já o Telegram havia disparado aos usuários uma mensagem afirmando que a proposta ameaçava a liberdade de expressão.
Ao determinar a instauração do inquérito, Alexandre entendeu que as empresas estavam manipulando resultados de busca para influenciar de forma negativa a percepção dos brasileiros sobre o PL.
Em julho do último ano, o Google pediu o arquivamento do inquérito policial. A empresa alegou que, nos últimos anos, desenvolveu uma série de medidas para combater a desinformação no ambiente de publicidade e implementou políticas contra declarações não confiáveis durante o processo eleitoral.
Já em dezembro, o relator negou o arquivamento e prorrogou a investigação por mais 60 dias.
No final de janeiro de 2024, a Polícia Federal encaminhou à Corte o relatório final, com a conclusão de que as duas empresas teriam usado suas posições privilegiadas no mercado para “incutir nos consumidores a falsa ideia de que o projeto de lei é prejudicial ao Brasil”.
A PF atribuiu às plataformas os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, propaganda enganosa, abuso do poder econômico e indução do consumidor a erro.
Em seguida, a PGR analisou o relatório da PF e defendeu o arquivamento do inquérito. Para o órgão, a divulgação das ideias contrárias ao PL não é suficiente para configurar abolição violenta do Estado democrático de Direito.
A PGR ressaltou que não houve uso de violência ou grave ameaça, nem impedimento ou restrição do exercício dos poderes constitucionais — pressupostos do delito em questão.
Conforme a manifestação do órgão, também não houve “falseamento das características de bens, produtos ou serviços” anunciados por Google e Telegram, o que afasta a possibilidade de ocorrência dos demais crimes.
Na nova decisão, Alexandre apenas seguiu os fundamentos apresentados pela PGR.
“A decisão confirma que não houve qualquer ato ilícito de parte da empresa, que se limitou a manifestar sua opinião sobre um projeto de lei, sem qualquer intenção de obstar o debate”, afirmaram os advogados Pierpaolo Cruz Bottini e Stephanie Guimarães, que defendem o Google.
O PL das Fake News regula a atividade de moderação e recomendação de conteúdo. O texto cria mais incentivos para que as plataformas combatam conteúdos que podem ser problemáticos.
Mas essa proposta deve recomeçar do zero. Neste ano, a Câmara já sinalizou que criará um grupo de trabalho para construir um novo projeto. A avaliação é que o PL das Fake News, após mais de um ano travado, não iria a lugar algum, em meio à polarização política que permeia o tema.
Clique aqui para ler a decisão
Inq 4.933
Fonte: Conjur /