Fluxo dos memes com Haddad indica que ‘Taxadd’ é espontâneo e não tem coordenação

economia

Os memes sobre o ministro Fernando Haddad (Fazenda) não brotaram da noite para o dia: cresceram de modo orgânico até tomar redes sociais e aplicativos de mensagem. É o que sugerem análises feitas para o jornal Folha de S.Paulo por empresas de monitoramento.

Dados da plataforma Buzzmonitor indicam que há menções à expressão “Taxadd”, como o chefe da equipe econômica vem sendo chamado, durante todo este ano.

Já no primeiro dia de 2024 um usuário do X (antigo Twitter) criticava a “sanha arrecadatória do Lula e seu vassalo Taxadd”, em resposta a um post de uma conta oficial do governo sobre o reajuste do salário mínimo. Entre os dias 1º e 7 de janeiro, usuários da rede social usaram a expressão 339 vezes.

Poucos dias antes, Haddad havia divulgado um pacote com medidas para evitar perda de arrecadação e reforçar o caixa da União neste ano —entre elas, a reoneração gradual da folha de pagamentos, tema ainda sem solução, e o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), do qual teve de recuar e negociar um meio-termo após pressões do Congresso e de empresários.

O uso do apelido do ministro se manteve em níveis baixos, com máximo de 833 menções em meados de maio, até começar a crescer na semana passada e chegar a 895. “São depoimentos de pessoas claramente alinhadas à direita, mas não de bots [robôs] ou de perfis que têm investimento de mídia”, diz Breno Soutto, head de insights do Grupo Elife, responsável pela plataforma.

O cenário era o mesmo no WhatsApp. Nos últimos meses até aparecia um “Taxadd” ou outro em 80 mil grupos públicos monitorados pela empresa Palver, mas nada muito relevante.

O cenário era esse até que veio a segunda-feira (15). Naquele dia, Haddad foi chamado de Taxadd 3.294 vezes na rede de Elon Musk (com memes como “Taxando Pobre Adoidado”, inspirado no filme clássico dos anos 80, ou “Taxamento às Cegas Brasil”, do sucesso da Netflix).

Uma das explicações para a insatisfação poderia ser, por exemplo, a aproximação da entrada em vigor da “taxa das blusinhas”, que vai recair sobre as compras de até US$ 50 em sites internacionais a partir de 1º de agosto.

Mas, para o Soutto , o gatilho para essa explosão foi a publicação, no X, de nota na coluna Painel, da Folha, em que o secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto, dizia que o apelido “não vai pegar” e o ministro ficará conhecido por reduzir impostos. Um terço das publicações (1.084) era replicação dos perfis @folha ou @folhapainel.

Na terça (16), o número de menções subiu para 15.012, um salto de 355%. No WhatsApp, o rosto do ministro apareceu 58 vezes a cada 100 mil mensagens nos grupos públicos (a taxa era de 5 na véspera).

Esse aumento tão expressivo pode gerar suspeitas de ação coordenada, mas, para Soutto, os dados sugerem o contrário. “Os perfis [que publicaram os memes] abordam temas diversos e existem há bastante tempo, coisa que não costuma acontecer com bots”, diz.

Luis Fakhouri, diretor de estratégia da Palver e colunista da Folha, vai na mesma direção: “As pessoas gostaram da piada, houve a participação de alguns perfis da direita e isso deu popularidade para o tema.”

Para ele, um indício de que a ação foi orgânica é o fato de o movimento não ter se repetido no Telegram, já que “quem liga o robô liga em diversas frentes”.

Ainda na terça, o meme deixou o mundo virtual: Haddad surgiu como “Taxa Humana”, uma referência ao personagem Tocha Humana, do Quarteto Fantástico, em um outdoor no meio da Times Square (Nova York).

Obra de Hugo Montan, 19, que afirma ter pago o equivalente a R$ 255 pelo anúncio —incluindo 4,38% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), ele ressalta. A contratação foi feita por meio de um aplicativo (o jovem enviou à reportagem emails que indicam a autoria da brincadeira).

Montan, que já foi analista de criptomoedas e hoje estuda para prestar vestibular para economia, diz que o objetivo foi demonstrar a insatisfação com a estratégia do governo de fazer o equilíbrio das contas públicas principalmente pelo lado da arrecadação.

“Minha crítica é ao governo. A gente vê o Lula mais confiante, orgulhoso, de tomar decisões no campo da economia do que nos primeiros mandatos. Haddad acaba ficando de fiador disso”, afirma ele.

Em meio à enxurrada, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSDB) saiu em defesa do ministro. “Se pegarmos a carga tributária de 2022 para 2023, ela não aumentou, até que caiu um pouquinho”, afirmou Alckmin, que comanda o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).

Nesta quarta, o volume de publicações já se reduziu para 4.908 (até as 17h) no X. Apesar de algumas exceções, com tom mais sério, a maioria das publicações era replicação de piadas já existentes. Do total, 74,7% dos posts que usaram o termo neste ano eram retuítes sem nenhum acréscimo de conteúdo.

“Esta característica de replicação rápida, interesse de curta duração e humor definitivamente consolidam ‘Taxadd’ no território dos memes. Ainda que o boca a boca morra, o apelido deve seguir associado ao ministro por um bom tempo”, diz Soutto.

No WhatsApp, ainda houve alta: o rosto de ministro da Fazenda aparecia em 80 de cada 100 mil mensagens em grupos nesta quarta.

Para João Victor Archegas, coordenador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, é difícil prever o impacto da brincadeira no futuro do ministro. Ele afirma que esses “microatos políticos” (memes, likes, posts) podem se somar de forma imprevisível.

“Quando você vê, está diante de um movimento político que tem potencial de desestabilizar o partido, desestabilizar o governo, desestabilizar a própria imagem do Haddad nesse caso”, afirma ele.

Felipe Machado Maia/Folhapress / Foto: Reprodução

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