Como os bilhões de micróbios em nossa pele mantêm nossa saúde

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  • Jasmin Fox-Skelly
  • Role,BBC Innovation
  • Há 8 horas

Nossa pele abriga uma superpopulação. Se observarmos de perto qualquer centímetro quadrado de pele do nosso corpo, iremos encontrar entre 10 mil e 1 milhão de bactérias vivas.

Nosso corpo é coberto por um vibrante ecossistema microbiano. Parece ser nojento. Mas será mesmo?

Existem cada vez mais evidências de que a microbiota da nossa pele, na verdade, desempenha papel fundamental para nos manter saudáveis, além de oferecer outros benefícios surpreendentes.

Por isso, é melhor procurar saber mais antes de procurar aquele sabão bactericida.

Você talvez já tenha ouvido falar da microbiota intestinal — o complexo ecossistema de micróbios que habita os nossos intestinos.

Já se comprovou que a diversidade deste conjunto de bactérias, fungos, vírus e outros organismos unicelulares desempenha papel importante em uma série de doenças, como diabetes, asma e até a depressão.

Mas os micróbios que pegam carona na nossa pele também podem nos trazer benefícios. Eles oferecem a primeira linha de defesa contra os patógenos que tenham a infelicidade de pousar sobre a superfície do nosso corpo.

Os micróbios da pele também ajudam a decompor parte das substâncias químicas que encontramos no nosso dia a dia e participam do desenvolvimento do nosso sistema imunológico.

Em termos de diversidade bacteriana, o microbioma da pele só perde para os nossos intestinos.

Quando paramos para analisar, é algo bastante surpreendente. Afinal, em comparação com os habitats seguros, quentes e úmidos da nossa boca e intestino, a pele é um lugar bastante inóspito.

“A pele é um ambiente muito hostil, em comparação com outras partes do corpo”, explica a professora de cura de feridas Holly Wilkinson, da Universidade de Hull, no Reino Unido.

“Ela é seca, árida e muito exposta aos elementos. As bactérias que vivem ali evoluíram por milhões de anos para enfrentar essas pressões”, acrescenta.

Essa evolução conjunta nos trouxe muitos benefícios.

Nem todas as partes da pele são colonizadas igualmente. Na verdade, as bactérias podem ser surpreendentemente criteriosas em relação aos lugares onde elas preferem viver.

Se você passar um cotonete pela sua testa, pelo nariz ou pelas costas, você irá descobrir que estas áreas estão repletas de Cutibacterium, um gênero de bactérias que evoluiu para se alimentar do sebo oleoso produzido pelas células da nossa pele. Elas ajudam a umedecer e proteger a camada externa do nosso corpo.

Mas pegue uma amostra das suas axilas, quentes e úmidas, e provavelmente você irá encontrar grandes quantidades de Staphylococcus e Corynebacterium. Examine entre os dedos dos pés e lá haverá muitas espécies de Propionibacterium. Algumas delas são utilizadas na produção de queijo, ao lado de uma ampla variedade de fungos.

Regiões secas da pele, como os braços e as pernas, são particularmente inóspitas para as bactérias. Por isso, as espécies que moram ali não costumam ficar por muito tempo.

Estas regiões também tendem a abrigar uma maior proporção de vírus do que outras áreas externas do corpo. E, naturalmente, a nossa pele também abriga outras criaturas, como os minúsculos ácaros.

Benefícios

Todos esses micróbios formaram, ao longo de milênios, uma espécie de relação simbiótica com os seres humanos.

As bactérias, fungos e ácaros que vivem na nossa pele se beneficiam do fornecimento constante de ricos nutrientes. Mas nós também dependemos do nosso microbioma da pele, pois as espécies benéficas nos ajudam a repelir as bactérias patogênicas prejudiciais que competem com elas.

“A simples existência de todas essas bactérias faz com que seja muito difícil que um patógeno se estabeleça”, explica Wilkinson.

“Qualquer bactéria que chegue precisa ser capaz de subjugar o sistema, mas, para isso, ela precisa concorrer com as bactérias altamente evoluídas que já estão naquele ambiente.”

As bactérias da pele também podem combater possíveis invasores, produzindo substâncias que inibem seu crescimento ou matando a todos diretamente.

As espécies Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus hominis, por exemplo, são bactérias comensais e dependem de nós e de outros animais para abrigá-las. Elas produzem moléculas antimicrobianas que inibem o Staphylococcus aureus, uma espécie de bactéria prejudicial para os seres humanos. Ela é uma fonte comum de infecções da pele e é associada a infecções resistentes à meticilina (SARM).

Alguns cientistas também acreditam que, como a microbiota intestinal, o microbioma da pele ajuda a “treinar” nosso sistema imunológico durante a infância. As bactérias ensinam quais alvos ele deve atacar e quais ignorar.

Acredita-se que exista, por exemplo, uma relação entre a diversidade de certas bactérias da pele e o menor risco de sofrermos alergias.

O microbioma da pele também desempenha outras funções importantes. Acredita-se, por exemplo, que certas bactérias podem nos ajudar a manter a aparência jovem, retendo a umidade. Isso mantém a nossa pele maleável, suave e carnuda.

Para impedir a entrada de toxinas e patógenos nocivos e a saída da água, nossa pele contém diversas camadas.

A mais impenetrável de todas é a camada superior. Chamada de stratum corneum, ela é formada por células mortas chamadas corneócitos, intercaladas com moléculas de gordura conhecidas como lipídios.

“Ela é muito firme e impermeável e é por isso que nós não nos dissolvemos quando saímos na chuva”, explica a professora de dermatologia translacional Catherine O’Neill, da Universidade de Manchester, no Reino Unido.

Abaixo do stratum corneum, temos diversas camadas de células vivas da pele chamadas queratinócitos. E existem espaços minúsculos entre essas células da pele, através das quais poderia vazar água. Para evitar que isso aconteça, os queratinócitos produzem lipídios, que ajudam a repelir a umidade.

“É meio que uma estrutura de tijolos e cimento”, segundo Wilkinson. “Você tem as células e, entre elas, todos esses lipídios que também agem como parte da barreira. Eles atuam como uma cola que mantém tudo unido.”

Mas onde entram as bactérias em tudo isso? Bem, acontece que algumas das bactérias mais úteis que vivem na nossa pele não só produzem lipídios, mas enviam sinais que instruem as nossas células da pele a também produzirem mais lipídios.

Estudos demonstraram, por exemplo, que as bactérias Cutibacterium estimulam a pele a produzir maior quantidade de sebo, que é rico em lipídios e reduz a perda de água, aumentando a nossa hidratação.

Já a espécie Staphylococcus epidermidis também aumenta os níveis de ceramidas da pele, que são lipídios que agem como uma cola que mantém juntas as células da nossa pele juntas. Com isso, nossa barreira dérmica permanece saudável e intacta.

Riscos

Até aqui, tudo bem. Mas o que acontece quando o delicado equilíbrio do microbioma da pele é rompido?

A “disbiose” da pele foi relacionada a condições como dermatite atópica (uma espécie de eczema), rosácea, acne e psoríase.

A própria presença de caspa no couro cabeludo é associada a um gênero específico de fungo. Os fungos Malassezia furfur e Malassezia globosa produzem ácido oleico, que danifica as células do stratum corneum no couro cabeludo, produzindo uma reação inflamatória e coceira.

Nestes casos, é difícil definir se o estado da doença é causado pelo microbioma da pele ou se o próprio microbioma da pele foi alterado em função da doença. Mas existe um fenômeno pelo qual podemos culpar as bactérias ruins, ao menos parcialmente: o envelhecimento da pele.

À medida que envelhecemos, os tipos de bactérias da nossa pele se alteram. A tendência é de termos menos espécies “boas”, que nos protegem contra as infecções e ajudam a manter a pele úmida e hidratada.

Por outro lado, nós ficamos com níveis mais altos das bactérias patogênicas prejudiciais — e isso tem implicações para a saúde da pele.

“As pessoas mais idosas tendem a ter pele mais seca, que é associada a menores quantidades dos tipos de bactérias que ajudam na produção de lipídios”, explica Wilkinson.

“Isso gera maior risco de infecções dérmicas, por reduzir a integridade da pele. As pessoas mais idosas são mais propensas ao surgimento de feridas espontâneas porque elas perdem aquela integridade da pele.”

Infelizmente, as bactérias “ruins” da pele podem também interferir na cura de feridas.

Pesquisas da professora de dermatologia e microbiologia Elizabeth Grice, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, demonstraram que ratos feridos sem microbioma da pele levam muito mais tempo para se curar.

Paralelamente, o trabalho da Escola de Medicina Hull York, desenvolvido pelos colegas de Wilkinson, demonstrou que as bactérias da pele de uma pessoa podem prever se ela irá ou não se curar de uma ferida crônica.

As feridas crônicas que não se curam são uma condição da pele que pode levar à morte. Elas afetam uma a cada quatro pessoas com diabetes e uma a cada 20 pessoas com mais de 65 anos.

“Esperamos, em algum momento no futuro muito próximo, poder usar este tipo de estratégia para identificar quais pacientes terão maior risco de desenvolver uma ferida que não se cura e oferecer intervenção precoce, antes que ela chegue ao estágio em que as pessoas podem precisar amputar uma perna ou em que elas desenvolvem uma infecção realmente desagradável”, afirma Wilkinson.

De fato, certas linhagens de Staphylococcus aureus são associadas a certos atrasos de cura. Mas os mecanismos exatos por que essa bactéria patogênica interfere com a cura não são totalmente conhecidos.

“[As bactérias] Staphylococcus aureus produzem enzimas que podem ajudá-las a invadir e digerir o tecido em volta delas”, segundo Wilkinson. “Mas elas também podem interferir na nossa função imunológica, fazendo com que o nosso próprio sistema se volte contra nós.”

“O principal causador das dificuldades de cura de feridas crônicas é o fato de que as feridas ficam presas naquela fase inflamatória e não conseguem sair dela. Por isso, ter ali as bactérias Staphylococcus aureus simplesmente mantém esse ciclo perpétuo de inflamação.”

Outros estudos concluíram que alguns micróbios da pele, na verdade, podem ser benéficos para a cura de feridas.

Existem também evidências que indicam que o microbioma da pele pode nos proteger contra parte dos efeitos prejudiciais da radiação ultravioleta. Quando a radiação UV atinge a pele, ela pode danificar o nosso DNA, mas as células da pele possuem um mecanismo de proteção embutido.

“Essencialmente, elas deixam de se reproduzir e a pele passa por uma série de verificações para reparar aquele DNA danificado”, explica O’Neill. “Se ela não conseguir se reparar, as células basicamente serão mortas.”

Mas, em um recente estudo não publicado, O’Neill concluiu que, se você retirar o microbioma, as células da pele continuam se dividindo, mesmo com DNA danificado.

“É evidente que este é um mecanismo de proteção muito importante contra tumores”, segundo ele. “E, claramente, o microbioma parece compor grande parte deste mecanismo.”

Pesquisas com camundongos também indicaram que o microbioma pode nos ajudar a modular a reação do nosso sistema imunológico à exposição aos raios UV, participando da sua preparação para combater possíveis infecções.

Sabe-se que a radiação UV suprime a nossa reação imunológica e também pode danificar a pele, oferecendo às bactérias patogênicas a oportunidade de invadir os nossos corpos. Aparentemente, os micróbios da pele ajudam a induzir a reação inflamatória à radiação ultravioleta, preparando nossos corpos para combater a infecção.

Relação entre a pele e o intestino

Existem algumas evidências que indicam que o microbioma da pele pode influenciar o intestino.

Um estudo recente demonstra, por exemplo, que as lesões da pele podem gerar mudanças significativas da microbiota intestinal, aumentando a susceptibilidade das pessoas às inflamações dos intestinos.

Estudos também demonstram que Malassezia restricta, um membro fúngico da microbiota da pele, é associada à doença de Crohn e pode exacerbar a colite.

“Todos sabem que existe um eixo entre o intestino e a pele, em que a má alimentação pode prejudicar a pele, mas a ideia de que algo que esteja errado com o microbioma da pele talvez possa causar diarreia é completamente maluca”, afirma Bernhard Paetzold, um dos fundadores e principal cientista da S-Biomedic. Sua empresa procura tratar condições como a acne restaurando o microbioma da pele.

“Mas, muito recentemente, começamos a entender que esta diafonia é bidirecional e, na verdade, existe um eixo pele-intestino”, explica ele.

Existe até uma teoria de que o microbioma da pele pode prejudicar o cérebro, mas esta é uma questão que ainda está sendo debatida.

Um estudo recente, por exemplo, pediu a 20 voluntários saudáveis que realizassem uma série de testes cognitivos, enquanto era medida sua atividade cerebral. A conclusão foi que a remoção das bactérias da pele da testa aumentou o nível de atenção dos participantes.

À medida que aprendemos mais sobre o microbioma da pele e seu papel na saúde e no nosso bem-estar, surge cada vez mais entusiasmo entre os cientistas sobre o papel que ele pode desempenhar em outros aspectos das nossas vidas.

Tratamentos

Será que poderemos melhorar nossa saúde substituindo nossas bactérias ruins da pele pelas espécies boas — com uma espécie de transplante de micróbios da pele, por assim dizer?

É possível que sim. Mas, para isso, é preciso eliminar a comunidade microbiana já existente no nosso corpo, o que poderia causar outros problemas, como o risco de gerar resistência a antibióticos.

Os micróbios da nossa pele também são fortemente influenciados pelo nosso ambiente. Por isso, precisaríamos considerar como o mundo à nossa volta colabora com a diversidade de bactérias, fungos e vírus no nosso corpo.

Os próprios cosméticos que usamos podem alterar a composição da microbiota da pele, de formas que só agora estamos começando a compreender.

Algumas empresas acreditam que talvez seja possível estimular o crescimento dos micróbios “saudáveis”, tratando a pele com “prebióticos” e “probióticos”, para alimentar as bactérias boas, ou aplicando proteínas bacterianas ou lipídios diretamente ao rosto.

Existem poucas evidências publicadas sobre a sua eficácia, mas existem alguns sinais de que este procedimento pode ajustar o equilíbrio entre diferentes bactérias da pele.

Wilkinson também pesquisa se os vírus específicos que infectam as bactérias, conhecidos como bacteriófagos, e as moléculas que elas produzem podem ser usadas para eliminar Staphylococcus aureus de forma dirigida, sem prejudicar o restante do microbioma.

“A ideia é que, eliminando as bactérias patogênicas e permitindo a restauração da microbiota natural, é possível acelerar o reparo de feridas”, explica ela.

“Tudo é muito estimulante para nós e esperamos que isso, eventualmente, leve a mudanças substanciais da nossa forma de tratamento dessas infecções”, conclui.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

Fonte: BBC Brasil / Foto: Getty Images

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