Campanha virtual mostra as transformações da capital, desde o século 19 até os dias atuais, e discute como será o futuro da cidade pós-pandemia
Por Claudia Costa – Domingo, 24 de janeiro de 2021
Écerto que a paisagem da cidade de São Paulo mudou muito nesses 467 anos. Um álbum comparativo do fotógrafo Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) mostra cenas da capital paulista em 1862 e 1887, captando os últimos resquícios de cidade colonial e seus primeiros passos em direção à metrópole. Outras imagens, de Werner Haberkorn (1907-1997), retratam o crescimento vertiginoso da São Paulo do século 20, que elegia novos espaços centrais, como a Avenida Paulista e a Avenida Nove de Julho. Há também as transformações do centro velho ao centro novo, e o crescimento das avenidas Faria Lima e Engenheiro Luís Carlos Berrini, que abrigam os grandes centros empresariais, e que hoje estão diante de um futuro incerto por conta da pandemia de covid-19.
Esses são alguns exemplos das transformações que o público poderá acompanhar na campanha virtual São Paulo – Território em Construção, criada pelo Museu Paulista (conhecido como Museu do Ipiranga) para comemorar o aniversário de São Paulo. A partir dos primeiros minutos do dia 25 de janeiro, será disponibilizado ao público um hotsite, em formato de webstories e com recursos de acessibilidade, que reunirá uma linha do tempo, fotografias, pinturas e mapas do acervo, além de áudios e vídeos que abordam as mudanças do espaço urbano de São Paulo. Há depoimentos de renomados historiadores, arquitetos e urbanistas, como a socióloga Fraya Frehse, o urbanista Milton Braga e a arquiteta Sabrina Fontenele. Será possível, por exemplo, conhecer o impacto que antigas epidemias tiveram sobre a organização da cidade ou a partir de que momento da história de São Paulo as mulheres passaram a frequentar o espaço público. Além disso, estão programadas três lives sobre o desenvolvimento da cidade (veja texto abaixo).
Segundo a professora Solange Ferraz de Lima, coordenadora da Comissão de Extensão e Cultura do Museu Paulista e curadora das imagens da campanha virtual, o museu possui um rico acervo iconográfico que vem sendo mobilizado por pesquisadores para entender a maneira como a cidade de São Paulo evoluiu. “Temos um grande acervo fotográfico e um expressivo acervo de mapas e plantas, que permitem, inclusive, entender os novos loteamentos e o direcionamento dessa expansão ao longo de todos esses anos”, afirma. O objetivo do hotsite, diz, é trazer para o público uma amostra desse acervo e contar um pouco da história sobre essa complexa cidade, que é São Paulo. “A ideia é oferecer passeios por camadas de temporalidades distintas do crescimento da cidade através de vídeos que são acompanhados por depoimentos e entrevistas de pesquisadores que de alguma maneira fizeram uso desse material”, explica.
O Museu Paulista, como relata a professora, possui um acervo de mais de 30 mil fotografias, sendo boa parte delas sobre a cidade de São Paulo. Solange destaca os 4 mil cartões-postais, um documento advindo de coleções particulares. “Há alguns anos começamos a investir na aquisição de cartões-postais, e só por esse acervo dá para entender não só como a cidade evoluiu do ponto de vista urbano, mas os modelos de cidade que foram perseguidos”, comenta. Para ela, o cartão-postal pretende ser uma espécie de metonímia da cidade, ou seja, traz uma parte da cidade retratada que tem a ambição de representar o que a cidade tem de melhor.
A professora ainda dá exemplos de como os cartões-postais operam para indicar essas transformações, como as mudanças do centro da cidade que vão acontecendo a cada período (tema de uma das lives da programação). “Da virada do século 19 para o 20, as faces da cidade que são representadas são as faces novas, da nova expansão de São Paulo, que é a região da Luz e a Avenida Tiradentes, com seu desenho que lembra muito as avenidas francesas. E a própria Avenida Paulista, que é aberta no final do século 19, e demonstra a atenção a essas avenidas que são planejadas e muito arborizadas”, conta. “É uma cidade planejada, com arquitetura eclética e de inspiração europeia, que aparece nessas imagens”, completa.
Além disso, Solange levanta outra questão interessante: “No século 19, o centro tem as igrejas como elementos principais do espaço urbano, o chamado centro histórico de São Paulo, mas ao longo do século 20 há um deslocamento para um centro de metrópole, com as avenidas Ipiranga e São João, próximo à Galeria Metrópole e à recém-inaugurada Biblioteca Mário de Andrade, que reunia a intelectualidade da época. Depois, em outro momento, a Avenida Paulista é tida como centro financeiro e cultural de São Paulo; e, mais adiante, a Ponte Estaiada, na região da Berrini, com uma outra arquitetura”, pontua. “Hoje, falamos em múltiplos centros da cidade de São Paulo.” A professora ainda lembra que essa última região, empresarial, está passando pelas maiores mudanças atualmente (assunto abordado em outra live). “A pandemia vem mostrando cada vez mais uma vocação de home office”, diz e questiona: “Será que as cidades estão preparadas para essas mudanças? Como vamos reagir? O que será desses novos espaços?”.
Qual o futuro da cidade pós-pandemia?
A campanha virtual São Paulo – Território em Construção contempla três lives, entre os dias 25 e 27 de janeiro, às 14 horas, com especialistas que vão abordar as mudanças no espaço urbano, desde o século 19 até os dias atuais, incluindo uma perspectiva sobre o futuro e o impacto da pandemia na cidade. Os encontros têm mediação de Alana Carvalho, autora do livro #MulheresDeSP: mulheres que transformaram São Paulo e fundadora e curadora do projeto Viva Cultura SP.
No primeiro dia, Qual o futuro da cidade no mundo pós-pandemia? é tema de Milton Braga, professor e diretor de arquitetura do Instituto Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole), que fala sobre o impacto da pandemia no espaço paulistano e quais são as possíveis transformações daqui para frente, discutindo o tema em relação à moradia, trabalho e mobilidade, a intolerância dos meios urbanos com a diversidade e a relação entre pandemia e desigualdade.
No dia 26 de janeiro, Como nascem (e definham) os centros urbanos será abordado pelo sociólogo, antropólogo e escritor Heitor Frúgoli (autor do livro Centralidade em São Paulo – Trajetórias, conflitos e negociações na metrópole), que identifica as regiões do centro velho, Avenida Paulista e Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini como os três polos do tripé de centralidades que se formaram ao longo do século passado. E no dia 27 de janeiro, O espaço imperial x espaço republicano, a imagem da cidade se torna laica, com o historiador e docente do Museu Paulista Paulo Garcez, aborda a mudança da cidade colonial e imperial e os primeiros momentos de expansão da cidade.
Fonte: USP