Por Gabriela Leite
Populações urbanas são as que mais sofrerão com os impactos do clima. Não há mais espaço para negacionismo: há experiências que mostram caminhos para que haja menos devastação, sofrimento e mortes. Parar de privilegiar os carros é primeiro passo
Por Sophia Samantaroy, no Health Policy Watch | Tradução: Gabriela Leite
As cidades que não adotarem ações significativas voltadas a enfrentar as mudanças climáticas vão encarar um futuro de grave degradação, com o colapso da infraestrutura e a deterioração ambiental. Esse foi o alerta dado por especialistas em clima e saúde na palestra anual da Academy of Medical Sciences & The Lancet International Health Lecture, em Londres.
“Em 2050, o clima de Madri se assemelhará ao de Marrakech hoje. Não é uma boa perspectiva”, disse o Professor Mark Nieuwenhuijsen, o palestrante principal do evento. Para evitar esse cenário, as cidades devem se adaptar e manter a saúde como prioridade nos projetos. “Para nossas cidades, precisamos buscar soluções que reduzam as emissões de CO2 e também melhorem o ambiente, a igualdade e, claro, a qualidade de vida e a saúde.”
Até 2050, espera-se que dois terços da população mundial vivam em cidades. Nesse contexto, as mudanças climáticas ameaçam cada vez mais a saúde humana nas áreas urbanas. As centenas de milhares de quilômetros de asfalto e concreto exacerbam o aumento das temperaturas. As mudanças climáticas são responsáveis por 37% das mortes relacionadas às altas temperaturas, o que deixa as cidades especialmente vulneráveis às ondas de calor e ao calor extremo. Mark Nieuwenhuijsen argumenta que os planejadores urbanos devem passar a considerar a saúde ao projetar o futuro das cidades.
Prevenir mortes relacionadas ao clima nas cidades requer planejamento urbano com foco intencional na saúde, comentou o pesquisador. Ele argumenta que o planejamento urbano inteligente é capaz de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover a saúde, mas isso só será possível se conseguirmos romper com o “vício” nos combustíveis fósseis.
“Sabemos que combustíveis fósseis são responsáveis por mais de 5 milhões de mortes por ano devido à poluição do ar”, alerta ele. Apesar do crescente conhecimento sobre os males causados por eles à saúde, as cidades continuam a se expandir, “e a Europa lidera esse movimento”. O uso de combustíveis fósseis levou a um “planejamento urbano centrado no carro, dominado pelo asfalto e com expansão urbana extensa, o que tem efeitos prejudiciais à saúde”, disse Nieuwenhuijsen.
A expansão das áreas urbanas aumenta a dependência de carros. Mas já se sabe que os sistemas de transporte público e o transporte ativo – como caminhar e andar de bicicleta – têm um melhor custo-benefício.
Cidades compactas vs cidades verdes – políticas que incluem o melhor de ambos os modelos (classificação das cidades europeias)
Na Europa, onde muitas cidades estão crescendo mais rápido que suas populações, a alta densidade populacional tem vantagens potenciais. Entre elas estão os tempos de deslocamento reduzidos, menor dependência de carros, maior eficiência energética e menor consumo de materiais de construção.
Quanto mais compacta a cidade, mais eficiente. No entanto, cidades compactas também têm desvantagens potenciais, como taxas de mortalidade mais altas, densidade de tráfego, poluição do ar e mais barulho – além do calor excessivo.
Nieuwenhuijsen apresentou as cidades europeias divididas em quatro grupos: as compactas de alta densidade, as abertas de baixa altura (ou seja, com edifícios mais baixos) e média densidade, as abertas de baixa altura e baixa densidade, e as verdes de baixa densidade. A análise das cidades nessas categorias mostra uma divisão: as cidades se enquadram, de um lado, em maior mortalidade e menores emissões de gases de efeito estufa; e de outro em menor mortalidade e maiores emissões.
Uma cidade como Barcelona – compacta e de alta densidade – pode esperar ter uma taxa de mortalidade 10-15% mais alta, qualidade do ar pior e efeito de ilhas de calor mais fortes – mas emite menos CO2, explicou Nieuwenhuijsen. No geral, os pesquisadores estimaram que o planejamento urbano deficiente resulta em 20% das mortes prematuras. “Barcelona é uma cidade maravilhosa, mas tem muita poluição do ar, muito barulho e poucos espaços verdes”, explicou.
“Em contraste, cidades mais verdes e menos densamente povoadas têm taxas de mortalidade mais baixas, menores níveis de poluição do ar e um efeito de ilha de calor urbano mais fraco – mas maiores pegadas de carbono por pessoa”, prosseguiu.
Essa dicotomia – altos emissores com melhor qualidade de saúde versus menores emissores com saúde pior – significa que as cidades devem implementar políticas para melhorar a qualidade de vida e reduzir as mortes, mas também para diminuir a poluição. Nieuwenhuijsen acredita que ambos são possíveis.
Políticas que reduzam os níveis de poluição do ar e a dependência de carros, e que aumentem os espaços verdes, ciclovias e a atividade física “reduziriam substancialmente a taxa de mortalidade”, ele argumentou.
Superblocos, espaços verdes e cidades de 15 minutos
Várias cidades já começaram a implementar modelos urbanos inovadores que equilibram os objetivos de menores emissões e ambientes mais saudáveis – e as principais novidades estão na maneira como se utilizam os terrenos públicos.
“Muito do nosso espaço público nas cidades está, hoje, entregue aos carros. Ou seja, na Espanha, 69% do espaço público é utilizado por carros – as estradas também são espaços públicos. As vagas para estacionar nas ruas são espaço público. Quero dizer, esse é o tipo de área que poderíamos usar de uma maneira muito melhor,” comentou Nieuwenhuijsen.
Em Paris, um projeto chamado “cidade de 15 minutos” – onde todos os principais destinos podem ser alcançados dentro de 15 minutos da casa de cada cidadão – aumentou os investimentos em ciclovias e zonas livres de carros.
Os “superblocos” de Barcelona, os bairros de baixo tráfego de Londres e Vauban, o bairro sem carros em Friburgo, na Alemanha, são todas soluções promissoras para reduzir mortes prematuras e aumentar os espaços verdes.
Nieuwenhuijsen e outros especialistas reunidos no evento apontaram esses e outros exemplos como evidências de que mudanças no planejamento urbano são possíveis.
Várias cidades chinesas também adotaram a interseção entre planejamento urbano e novas tecnologias para prevenir inundações por meio de seus projetos de Cidades-Esponja, comentou Maria Neira, diretora de Saúde Pública, Meio Ambiente e Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde.
“Cada vez mais, precisamos estar preparados para trabalhar com urbanistas e arquitetos que atuam no nível das cidades. E às vezes tenho a impressão de que eles estão mais preparados, mais avançados, mais engajados e mais apaixonados do que nossos agentes de saúde pública que atuam nas prefeituras”, disse Neira.
“Então precisamos criar soluções e argumentos muito fortes para nossos agentes de saúde pública também, para fazer uma pressão no nível das cidades, no nível urbano, para o engajamento com o planejamento urbano saudável”, concluiu a diretora.
Fonte: Outra Saúde / Créditos: Tempo.com