Fernanda Marques (Fiocruz Brasília) – Terça, 17 de dezembro de 2024
Se o Brasil envia seus pesquisadores, já formados ou em formação, para uma temporada em instituições científicas no exterior, ou se o país recebe pesquisadores estrangeiros, nos dois casos, a ciência nacional pode sair fortalecida. As oportunidades incluem aquisição e troca de conhecimentos técnico-científicos, formação de redes de pesquisa e cooperação, intercâmbio cultural e mesmo aumento da fluência em outros idiomas. Com vistas ao aperfeiçoamento das políticas de mobilidade internacional no ambiente acadêmico do país, o tema foi alvo de um estudo recentemente publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, com participação do pesquisador Rafael Schleicher, do Núcleo de Educação e Humanidades em Saúde (Jacarandá) da Fiocruz Brasília, e liderado por Concepta McManus, atual colaboradora do mesmo núcleo de pesquisa.
No Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Schleicher coordenou o mais recente ciclo da pesquisa Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (Cobradi), que resultou em uma publicação contendo a estatística oficial do Brasil para este tema. A pesquisa no Ipea abriu várias hipóteses de trabalho que, posteriormente, foram exploradas e analisadas, resultando em novas publicações, como esse artigo recém-lançado. “Os diferentes produtos da pesquisa têm como foco a disseminação de evidências científicas para informar a tomada de decisão sobre a política de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior e a própria política de ciência e tecnologia do Brasil”, afirma o pesquisador.
O artigo traz dados de 1992 a 2021 de três agências brasileiras de fomento à pesquisa: Capes, CNPq e Fapesp – as duas primeiras federais e a última estadual (SP). Apesar dos resultados robustos do estudo, os autores lembram que é preciso cautela na sua interpretação, dada a dominância do sistema paulista de ensino superior e fomento à pesquisa. No período estudado, as três agências ofertaram mais de 180 mil bolsas para que pesquisadores, professores e estudantes de ensino superior realizassem pesquisas ou estudos fora do Brasil, sobretudo a partir de 2010. No caso dos estudantes, as bolsas, em sua grande maioria, se destinavam à realização de uma parte da graduação ou do doutorado no exterior. Já no caso dos pesquisadores e professores, destacaram-se as bolsas de pós-doutorado.
O estudo obteve informação de gênero e raça/cor dos beneficiários das bolsas do CNPq. Os dados apontaram que eles eram, majoritariamente, homens e brancos. Quanto à origem, a maioria era de São Paulo ou de outros estados das regiões Sul e Sudeste, e foram estudar, principalmente, nos Estados Unidos, França e Reino Unido. A principal instituição foi a Universidade da Califórnia. E as áreas de ciências exatas e tecnologias concentravam a maioria das bolsas.
Muitas vezes, as bolsas de estudo no exterior – principalmente entre estudantes de graduação – não resultaram na formação de redes internacionais de colaboração nem na publicação de artigos em revistas científicas. As redes e publicações foram mais comuns quando o bolsista era um professor ou pesquisador, quando ele foi para uma instituição de pesquisa localizada no Hemisfério Norte e quando a permanência no país estrangeiro durou mais tempo. “Os professores são a chave para qualquer estratégia de internacionalização”, destaca o artigo. “Qualquer política deve beneficiar de alguma forma os professores (para visitas curtas, para conferências e como pesquisadores visitantes no exterior)”, recomenda.
O estudo também identificou 3.219 professores ou pesquisadores estrangeiros atuando no Brasil, vindos, principalmente, da Argentina, de Portugal, da Itália e do Peru. Eles estavam distribuídos por 264 instituições brasileiras, a maioria em São Paulo, trabalhando, sobretudo, com ciências exatas, ciências da Terra e humanidades.
Por um lado, o artigo ressalta a importância de incentivos para atrair estrangeiros, na medida em que a vinda desses profissionais possibilita interações internacionais sem que os brasileiros precisem sair do país. Por outro, sublinha a necessidade de mudanças políticas e administrativas nas instituições de ensino superior do país para incentivar a mobilidade internacional dos brasileiros, com diversidade e equidade, assegurando as vantagens desse processo para o desenvolvimento da ciência e da economia nacional.
O estudo defende, por exemplo, mecanismos de controle para que, no seu retorno ao Brasil, os profissionais apliquem as competências adquiridas no exterior e mantenham em funcionamento suas redes de colaboração internacional. Sem uma adequada política de regresso e fixação de pesquisadores, corre-se o risco de que os profissionais não retornem ao país e, assim, o desenvolvimento da ciência nacional – principal objetivo da política de mobilidade internacional – pode não ser plenamente alcançado. “É essencial que as políticas de mobilidade estejam integradas às prioridades nacionais de ciência, tecnologia e inovação, valorizando a permanência de cérebros em território nacional (e não somente a circulação)”, diz Schleicher. “Para isso, é ainda mais importante expandir o espaço para os jovens pesquisadores que regressam do exterior com formação de alto nível e reduzir as barreiras corporativas que impedem o melhor desenvolvimento de seus potenciais”, pontua.
O artigo recomenda também ações voltadas aos discentes, como programas “que ajudem a maximizar a experiência dos estudantes, integrem os conhecimentos adquiridos no exterior à realidade do país e ofereçam orientação cultural e acadêmica aos que ainda irão se beneficiar da mobilidade fora do país”. Já no caso de estudantes internacionais alocados em universidades brasileiras, “destaca-se a necessidade de apoio contínuo, criando estruturas e programas sociais e acadêmicos para facilitar sua integração”. O artigo em inglês Brazilian Student and Professor Mobility, liderado pela professora Concepta McManus e demais colegas, pode ser acessado aqui.
Como desdobramentos da pesquisa no Ipea, a mesma equipe assinou outros dois artigos recentes nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. Em The South-South Dimension in International Research Collaboration (2024), os autores abordam publicações colaborativas entre grupos de países do Sul Global, e trazem dados que podem orientar parcerias científicas Sul-Sul, considerando sinergias já existentes e a maximização dos resultados. Já em Brazilian South-South Scientific Collaboration and The Sustainable Development Goals (2023), o foco é a colaboração internacional brasileira em artigos científicos sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), evidenciando a predominância do ODS 3, que trata de saúde e bem-estar, nessa parceria do Brasil com grupos de países do Sul Global. Os ODS 2, 5, 13, 14 e 15 também se destacam.
Fonte e foto: Fiocruz /