Luiza Gomes e Mariana Moebus (Cooperação Social/ Fiocruz) – Terça, 17 de dezembro de 2024
A Fiocruz, em parceria com coletivos de favelas, divulgou parte dos dados da pesquisa Geração cidadã de dados: cartografia de coletivos de comunicação comunitária para promoção da saúde. A roda de conversa Comunicação comunitária é saúde ocorreu durante o Circulando: Diálogo e Comunicação nas Favelas, evento anual organizado pelo Instituto Raízes em Movimento, desde 2017 no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O estudo contou com fomento do Programa de Pesquisa Translacional em Promoção da Saúde (Fio-Promos).
Durante o encontro, em um dia de intenso calor no terraço da Escola Quilombista Dandara de Palmares, foi pautada a importância do trabalho da comunicação comunitária para promoção da saúde nos territórios de favelas e periferias. Neste dia, foi distribuída a versão impressa do mapa com as iniciativas de comunicação comunitária da Área Programática (AP) 3.1, que reúne 28 bairros e abriga territórios como os complexos do Alemão, Manguinhos e Maré e a favela do Jacarezinho (representada na pesquisa pelo Instituto Decodifica, antigo LabJACA).
Além do mapa foram apresentados os Indicadores de Comunicação Comunitária para Promoção da Saúde, que identificam características do trabalho realizado pelos comunicadores populares no que diz respeito a: autoidentificação do coletivo; infraestrutura disponível; recursos humanos; mídias sociais; impacto na promoção da saúde; promoção do acesso e da participação comunitária; e conexões com outros coletivos. Segundo os participantes da pesquisa, a metodologia deverá ser revista e ampliada para identificar essas características em coletivos da cidade do Rio de Janeiro.
O estudo foi uma iniciativa da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Cooperação Social da Presidência da Fiocruz (CCSP/Fiocruz), Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) – por meio do Dicionário de Favelas Marielle Franco (Wikifavelas) – e de comunicadores da Frente de Mobilização da Maré, do jornal Fala Manguinhos!, do Instituto Decodifica (antigo LabJACA) e do Instituto Raízes em Movimento.
“Uma das nossas preocupações com o resultado do projeto, é estimular políticas públicas que destine recursos para essa comunicação, que é muito importante e que impacta a sociedade”, afirmou Cristiane D’Ávila, jornalista da COC e coordenadora do projeto.
Comunicação comunitária é saúde
Durante o encontro foram discutidos o papel da comunicação comunitária, os determinantes sociais de saúde, desafios que coletivos e comunicadores enfrentam e a importância de incentivo financeiro para as iniciativas funcionarem. A roda de conversa contou com a participação da equipe do projeto e de representantes de coletivos de outras favelas. Entre os presentes, estavam membros do Instituto Raízes em Movimento, dos jornais comunitários Voz das Comunidades e Fala Manguinhos!, moradores e lideranças sociais.
Felipe Eugênio, coordenador da área de cultura da Cooperação Social, representou a coordenação da Presidência da Fiocruz no evento. “A saúde não é definida somente pelo adoecimento e sim pelas condições múltiplas de como a vida é organizada. Por isso que a Cooperação Social, quando trabalha o campo da promoção de saúde, mostra que a pertinência de estar aqui não é só uma questão voluntária da Fiocruz, mas também um debate colocado na Organização Mundial da Saúde (OMS) e em outras conferências de saúde internacionais que vão compreender a saúde por um outro viés”, pontuou.
“A gente trabalha visando à construção de políticas públicas saudáveis e elas são construídas em conjunto com os sujeitos que são diretamente afetados por aquele problema social. Com a cartografia, feita de forma colaborativa, conseguimos entender melhor o quanto a comunicação comunitária é importante para promoção de saúde nesses territórios”, argumentou.
A coordenadora da área de Comunicação da CCSP, Luiza Gomes, defendeu que essa relação entre comunicação comunitária e saúde pode não parecer óbvia, mas vem sendo trabalhada em documentos oficiais de organismos transnacionais. “Se você fizer uma pesquisa sobre os planos estratégicos da OMS de combate a zika, por exemplo, você verifica que já existe o início de um movimento desses organismos internacionais de identificar a mobilização e a comunicação comunitária como um elemento chave para que informações produzidas pela ciência possam ser capilarizadas”, explicou.
Em uma de suas falas, Cristiane d’Avila valorizou a dedicação e a luta dos comunicadores populares para melhorar as condições de vida de seus territórios. “Esse projeto tem a felicidade de conseguir produzir resultados materiais, como o mapa com indicadores, podcast com entrevistas e os verbetes. Mas se existe possibilidade de transformação da nossa realidade, eu acredito que seja por esse tipo de comunicação”, enfatizou.
“Para o Instituto Raízes em Movimento, participar de uma pesquisa que mapeia comunicadores e veículos de comunicação comunitária nas periferias é uma conquista. A gente tem trabalhado muito para de fato efetivar o protagonismo das favelas. Também é muito importante e simbólico a gente fazer o lançamento dos resultados da pesquisa aqui na Escola Quilombista Dandara de Palmares, um espaço revolucionário que trabalha conceitos de antirracismo com crianças do Complexo do Alemão”, afirmou David Amen, jornalista e co-fundador do Instituto Raízes em Movimento.
Comunicação como diálogo
Fábio Monteiro, diretor e editor chefe do jornal Fala Manguinhos!, lembrou do valor da comunicação comunitária estar assentado no diálogo e na troca com a população. “A comunicação comunitária em saúde não pode se resumir em informação da saúde, precisa haver troca. É desafiador divulgar uma pesquisa complexa sobre saúde, mas é importante que a gente se esforce para que ela seja comunicativa, não somente informativa. É necessário o debate com a população para que a comunicação se efetive”, salientou.
A moradora Lucia Cabral – coordenadora da ONG Educap, assistente social do projeto Vidançar e Prónasci Juventude, e integrante do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) da UFRJ – destacou a importância da comunicação para a retomada do protagonismo das favelas nas políticas públicas.
“A comunicação comunitária tem muito de Paulo Freire, porque são trocas de saberes. Muitas vezes a informação em saúde não chega para quem está na comunidade, então é importante a gente mostrar que a favela é potente para que as pessoas não construam políticas sem nos escutar. Quando a Fiocruz vem e faz uma pesquisa como essa, traz também o reconhecimento do nosso trabalho, nos coloca como parte da história”, afirmou.
Resultados da pesquisa
O mapa produzido pela pesquisa-intervenção participativa – metodologia que inclui participantes “não-pesquisadores” nas decisões – já está disponível na plataforma ViconSaga. O mapa apresenta iniciativas de comunicação comunitária da Área Programática 3.1 (AP) do Rio de Janeiro e exibe os indicadores desenvolvidos pela instituição em parceria com coletivos locais. A área engloba 28 bairros, entre eles, Cidade Universitária; Penha; Brás de Pina; Olaria; Penha Circular; Cordovil; Vigário Geral; Jardim América; Parada de Lucas; Maré; Complexo do Alemão; Ramos; Manguinhos; e Bonsucesso, entre outros. A Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro possui dois de seus campi na região.
O primeiro episódio da série de podcast Comunicação comunitária é saúde já está disponível no spotify do Radar Saúde Favela. A faixa de estreia conta com a participação de Gizele Martins, comunicadora popular do Complexo da Maré. Os verbetes do Dicionário de Favelas Marielle Franco podem ser acessados aqui. A cobertura do evento, realizada pelo Canal Saúde, pode ser vista aqui.
Fonte: Fiocruz / O encontro reuniu a equipe do projeto, comunicadores comunitários, moradores e lideranças locais. (Foto: Mariana Moebus)