Obras de infraestrutura viária matam os últimos espaços públicos que restam na região central de Salvador

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A Praça Newton Rique, inaugurada com esse nome em homenagem ao fundador do Shopping Iguatemi na segunda gestão de Mário Kertész à frente da prefeitura de Salvador, era um espaço público por excelência e hoje foi tomada por um canteiro de obras

Nada mais brega do que inaugurar viaduto em pleno 2025. Primeiro porque é consenso científico – para quem acredita na ciência, claro – que é um investimento feito em vão: construir mais vias não resolve o engarrafamento. Pode até aliviar por um tempo, mas basta ver a famosa Rótula do Abacaxi, que continua com esse nome, para entender rapidamente que a emenda pode sair pior que o soneto. E depois porque, além de todo custo financeiro e do transtorno das obras, a cidade paga o preço de perder áreas para pedestres. É o caso da Praça Newton Rique, o único espaço público da região do Shopping da Bahia, que foi desativada ainda em 2019 por conta das obras do BRT e agora está sepultada de vez com o novo complexo de viadutos da ACM, cuja data de conclusão das obras já mudou algumas vezes e agora está para janeiro de 2026.

A Praça Newton Rique, inaugurada com esse nome em homenagem ao fundador do Shopping Iguatemi na segunda gestão de Mário Kertész à frente da prefeitura de Salvador, era um espaço público por excelência. Tinha uma sombra para descansar na hora do almoço, um comércio pujante onde se encontrava de tudo, de café da manhã a capinha de celular, e na época dos protestos de 2013 era ali que a concentração acontecia.

Para quem ainda não está lembrado, é aquela que, a essa altura do ano, estaria na boca do povo com a árvore de natal gigante que o shopping costumava colocar lá. Ali era lugar de encontro, de viver a cidade. Hoje é um espaço para vê-la do alto. Qualquer percurso por ali só é possível sobre a robustez do concreto e aço das passarelas que substituíram a delicadeza da argamassa armada de Lelé. Para o professor Pablo Florentino, doutor em Urbanismo, esse é um movimento de gestões que escolheram abrir mão de espaços públicos, onde as pessoas se encontravam, namoravam, compravam, se manifestavam. “Tudo isso deixou de existir para garantir a velocidade e fluidez dos automóveis”, comentou.

Planejamento fora de época

A praça deu lugar a três andares de pista e o conjunto da paisagem não tem mais horizonte: um viaduto sobre o outro, metrô de superfície (chame de trem, se quiser), via elevada para o BRT e, é claro, muito mais automóveis.

Mas investir em mobilidade urbana envolve muito mais do que asfaltar, alargar e construir novas vias. É preciso também pensar em educação para o trânsito, interligação de modais e incentivo ao uso dos transportes públicos de massa. Um bom planejamento em mobilidade pode, e deve, ser um vetor de sustentabilidade. Por isso, o professor Juan Moreno Delgado, doutor em Engenharia de Transportes, é crítico a esse rodoviarismo em Salvador: “necessitamos de espaço para arborizar, no entanto, estamos fazendo o contrário. Estamos perdendo parques e praças. Não adianta colocar três arvorezinhas simbólicas no corredor central quando a cidade está fortemente impermeabilizada”.

Não faltam bons exemplos, e nem é preciso ir muito longe. Em 2019, Fortaleza, com a maior população do Nordeste, foi eleita a melhor cidade em mobilidade urbana da América Latina, com iniciativas de incentivo à mobilidade ativa, que integra o sistema de transporte público com a malha cicloviária e a valorização dos passeios para os pedestres. O Rio de Janeiro, em 2013, inaugurou um novo paradigma urbano quando derrubou a via elevada Perimetral e começou a requalificação da zona portuária. 

Fonte: Metro 1 / Foto: Reprodução/Google Street

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