POR THAIS REIS OLIVEIRA – 5 DE AGOSTO DE 2020
Novo coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros teme pelo futuro da empresa
Em fevereiro deste ano, funcionários da Petrobras passaram 20 dias de braços cruzados. Tentavam impedir a demissão de centenas de trabalhadores que perderiam o emprego com o fechamento de uma das refinarias da empresa no Paraná. Maior da categoria em 25 anos, a greve só acabou quando o Tribunal Superior do Trabalho interveio a favor dos grevistas. Cinco meses depois, o espaço de negociação com a empresa continua restrito.
“Apesar de a atual gestão propor reajuste zero, regras unilaterais para o trabalho a distância aos trabalhadores, deram a si próprios um aumento gigantesco, em plena pandemia. Estão ganhando dinheiro para promover o desmonte e tirar direitos”, avalia Deyvid Bacelar, novo coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros.
O aumento a que Bacelar se refere foi aprovado no fim de junho. Os acionistas concordaram com um aumento da previsão anual de remuneração dos principais executivos de 32,4 para 43,3 milhões de reais. O processo de desinvestimento, por outro lado, não perdeu fôlego.
A Petrobras tenta se desfazer de refinarias sem o aval do Congresso. Neste cenário, o líder sindical enfrenta seu primeiro grande desafio como coordenador da FUP: garantir a aprovação de um novo acordo coletivo de trabalho.
CartaCapital: A Petrobras tenta se desfazer de refinarias sem o aval do Congresso. Quais os riscos dessa operação?
Deyvid Bacelar: As grandes empresas integram cada vez mais as suas cadeias: Exxon, Total, Shell. Quanto mais integradas, mais resilientes elas ficam. A Petrobras vendeu ativos de fertilizantes, petroquímica, distribuição, e paga para usar os gasodutos que ela mesma construiu. Por não conseguir vender tudo o que tinha, a Petrobras passa bem por esta pandemia. Se não fosse o refino, estaria numa situação ainda pior. Sem o refino, ela vai sentir muito mais os impactos do vaivém do mercado de petróleo e gás.
CC: Alguns economistas dizem que, com o aumento da concorrência, o gás e a gasolina ficarão mais baratos.
DB: Não faz sentido. Recentemente, a Associação das Distribuidoras de Combustíveis, setor que possui interesses muito diferentes do nosso, encomendou um estudo à PUC do Rio sobre essa possibilidade. O estudo mostrou que, com as refinarias privatizadas, haverá monopólios regionais, principalmente em Pernambuco e na Bahia. Quem vai controlar o mercado no Norte é a empresa que comprar a Reman, no Amazonas. Essa companhia poderá colocar nos derivados o preço que quiser. O monopólio da Petrobras, aliás, foi quebrado em 1997 e até hoje nenhuma dessas petroleiras veio aqui construir grandes refinarias. Outro risco grave é o de desabastecimento.
CC: O Congresso deve votar em breve uma nova Lei do Gás. Espera-se que, com ela, a Petrobras deixe de ser a única vendedora do produto no Brasil. Isso é bom ou ruim?
DB: É ruim e contraditório que uma empresa do porte da Petrobras, que fez todos esses investimentos vultosos, pagou por todo o sistema de gasoduto, e por conta de mudanças na Agência Nacional do Petróleo, tenha sido obrigada a vender aqueles que ela mesma construiu e a pagar para transportar o gás. Por isso querem votar essa lei. É um passo para estabelecer que a Petrobras, produtora de gás, não possa transportá-lo nem comercializá-lo. Para nós, é um absurdo.
CC: O que esperar do futuro da Petrobras em meio à mudança climática e à pressão por energia limpa?
DB: Teremos o aumento na matriz energética do gás natural. Enquanto, ou até quando, não chegarmos a novas matrizes, o gás será importante. No Brasil, devido à grande produção de petróleo com gás, devemos ter um aumento da produção e precisaremos utilizar o gás natural. A Petrobras vem fazendo esses “desinvestimentos” também em setores da área de renováveis, ao contrário de todas as petroleiras do mundo. É um crime. A Petrobras vai se tornar uma empresa apequenada.
CC: Como a pandemia mudou a rotina dos petroleiros?
DB: Desde março alertamos sobre os problemas que poderiam acontecer na Petrobras. A direção não negocia conosco. Tentaram, de forma unilateral, promover mudanças. Contamos hoje 2,3 mil contaminados no sistema Petrobras, de concursados. E 14 óbitos. A empresa informou ao Ministério de Minas e Energia três mortes apenas. Ao escamotear esses dados, esconde o número de terceirizados contaminados. Além da contaminação, e por tabela as mortes, temos retirada de direitos durante a pandemia. Essa próxima negociação coletiva será bastante conturbada.
CC: A greve de fevereiro não melhorou a relação com a diretoria?
DB: O acordo coletivo só saiu depois de uma mediação e de uma greve. Só terminamos a greve por mediação do TST. O espaço de negociação com a Petrobras é muito restrito. Apesar de a atual gestão propor reajuste zero, regras unilaterais para o trabalho a distância aos trabalhadores, deram a si próprios um aumento gigantesco, em plena pandemia. Estão ganhando dinheiro para promover o desmonte e tirar direitos. Nosso custo de pessoal é um dos menores. Abarcando salários e benefícios, representam menos de 10% dos custos gerais. A remuneração do funcionário da Petrobras é menor que a de outras petroleiras. Estamos reivindicando 2,2% de ganho real. Não tem como alegarem que isso não é possível, se cresceram tanto as altas remunerações da empresa. Os caras estão ganhando mais que o presidente da República, que um ministro do STF. Isso não tem pé nem cabeça.
CC: Diante disso, há possibilidade de outra grande greve nos próximos meses?
DB: Em fevereiro, tivemos um processo de acumulação de forças interessante. E a categoria continua a se manifestar: 37% das reclamações na ouvidoria da Petrobras hoje são relacionadas ao trabalho. Essa indignação pode mais uma vez se manifestar em um movimento paredista. Esperamos que não seja preciso, mas, se for necessário, acumulamos força para ir atrás dos nossos direitos e defender esta empresa. Mais de uma vez a sociedade se manifestou contra a privatização da Petrobras. Precisamos encontrar formas de mobilizá-la novamente. Essa construção pode ser maior que a dos petroleiros.
Fonte: Carta Capital