Sexta, 25 de Junho de 2021
Investimento estrangeiro no Brasil caiu 62% em 2020. Para entender por que o Brasil teve uma queda tão acentuada e como o país pode voltar a atrair capital estrangeiro, a Sputnik Brasil conversou com um especialista da Ibre/FGV.
O Brasil teve uma redução de 62% na entrada de Investimento Estrangeiro Direito (IED) em 2020, de acordo com relatório do Monitor de Tendências de Investimentos Globais da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) divulgado na segunda-(21). Foi a maior queda registrada entre os países da América Latina e Caribe.
Para entender por que o Brasil caiu da sexta posição para a 11ª colocação nesse ranking no intervalo de apenas um ano, e como o país pode voltar a ocupar o lugar que tinha, a Sputnik conversou com Aloisio Campelo Júnior, superintendente de Estatísticas Públicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Investimento em queda na América Latina
A região da América Latina e Caribe teve uma redução de 45% nos investimentos estrangeiros, a maior queda entre as regiões emergentes do mundo, aponta o documento.
Aloisio Campelo Júnior destaca que o efeito da pandemia do novo coronavírus na saúde e na economia dos países da região foi muito grande, com muitos deles nas primeiras posições do mundo na proporção de mortes por COVID-19, além da subnotificação em muitos países.
“A pandemia afetou muito esses países e com ela veio uma incerteza grande sobre a política econômica. A incerteza leva a que investimentos sejam travados. Na dúvida, você prefere reter o seu recurso e não investir. São países que, antes da pandemia, não estavam em uma fase muito exuberante em termos de crescimento e, na sua maioria, com vários problemas internos, e alguns com problemas políticos também. O Brasil está em linha com o que aconteceu na América Latina, só que a queda foi maior ainda.”
De fato, o Brasil perdeu inclusive o posto de maior destinatário de recursos da América Latina. Se em 2019 o país recebeu US$ 65 bilhões (aproximadamente R$ 324 bilhões) em IED, ano passado o Brasil recebeu apenas US$ 25 bilhões (R$ 125 bilhões). Com investimentos US$ 29 bilhões (R$ 145 bilhões), o México é agora o país mais bem colocado da região.
O especialista explica que, para além da incerteza econômica e do grande impacto que a pandemia teve no país, o Brasil vive uma incerteza política muito grande.
“Há um ambiente muito conturbado no Brasil desde que se iniciou a Operação Lava Jato, operação contra corrupção, [que] investigou crimes de colarinho branco […]. A operação atingiu diversos níveis, diversos partidos, e […] culminou com a eleição do presidente Bolsonaro, que é um presidente que gosta de governar criando um clima não tão agregador”, comenta.
Mas Aloisio Campelo Júnior ressalta que, após o acordo com o centrão, bloco de partidos da Câmara dos Deputados que não possui uma orientação ideológica específica, Bolsonaro dispõe de um apoio no Congresso que permite que os investidores prevejam mais tranquilidade para o restante do seu governo. “Isso deu melhores perspectivas para os próximos anos.”
A importância de IED e as falhas do governo
O analista da FGV explica que, embora o IED não seja um fator crucial em uma economia grande como o Brasil, ele é muito importante, principalmente os investimentos ligados à infraestrutura. Isso porque esse capital era ligado ao crescimento do país, visando necessidades como melhores portos, melhores estradas e melhor infraestrutura aeroportuária.
“Há uma tentativa do governo, com uma nova legislação na área de saneamento, de permitir a entrada de capital privado. [Para] facilitar a entrada de capital privado na atuação, no investimento e na operação de empresas de saneamento, o que pode até, nos próximos anos, ajudar a aumentar o investimento no Brasil”, comenta Aloisio Campelo Júnior.
O especialista frisa a importância desse investimento neste momento, uma vez que o Brasil nos últimos anos teve uma piora expressiva da sua situação fiscal “e o Estado tem dificuldade em voltar em investir em grande magnitude sozinho”. Dessa forma, o Estado precisa de parcerias, seja com o setor privado, seja com o setor público estrangeiro. “Esse capital é imprescindível porque o Brasil precisa investir muito, principalmente em infraestrutura”, acrescenta.
Mas há entraves, políticos e econômicos, que deixam os investidores com um pé atrás.
“O governo tem ido de uma forma um pouco devagar na sua agenda econômica. A impressão que dá é que o governo tem uma agenda muito grande […] na parte de costumes, de outras questões não econômicas, e a equipe econômica termina ficando sem muito respaldo para tocar adiante suas propostas no Congresso”, enfatiza Aloisio Campelo Júnior.
Além disso, há muitas incertezas dentro do Ministério da Economia, de forma que, por exemplo, “hoje a gente não sabe se na Reforma Tributária nós vamos ter CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira] ou não”.
Outra fonte de incerteza é a política de privatização. O especialista ressalta que o governo avançou na Medida Provisória (MP) que define as regras para a privatização da Eletrobrás, que provavelmente será a maior privatização do governo Bolsonaro. Todavia, quando a MP chegou no Congresso foi tão alterada que, para muitos, a privatização da Eletrobrás não terá “tanta vantagem” porque “há muitas [novas] medidas que levam a certa ineficiência”.
Futuro menos turbulento?
Aloisio Campelo Júnior acredita que a queda do Brasil para a 11ª colocação é temporária e que devemos em breve voltar para a posição anterior. O especialista da FGV comenta alguns sinais de que este ano e o próximo serão melhores para o país.
“Houve uma melhora nos últimos meses, do ponto de vista meramente econômico, no ambiente político ainda há muito ruído e há muita incerteza. Primeiro, algo que os investidores não sabiam com antecedência era a magnitude do pacote emergencial do Brasil.”
O analista afirma que o pacote do Brasil foi bastante robusto, o que fez com que a economia desse uma acelerada expressiva em um primeiro momento. “O PIB caiu 4,1% ano passado, a previsão este ano são de 5% ou mais, não é um desempenho asiático, mas é uma saída de recessão melhor que a média da Europa”, frisa.
Além disso, Aloisio Campelo Júnior destaca que a relação dívida-PIB não aumentou tanto como se previa, e, por causa da inflação e do reajuste no limite imposto pelo teto de gastos, o governo poderá gastar mais este ano e em 2022. Mas o especialista deixa dois alertas.
“A situação fiscal estrutural do Brasil ainda não está resolvida. Esse fator está na mira de quem quer investir no Brasil e [é levado em consideração quando se] pensa quanto que a economia brasileira pode crescer nos próximos anos […]. Temos que olhar como o Brasil vai equilibrar a situação fiscal.”
A situação fiscal é um dos parâmetros, outro é o ambiente político, uma vez que o Brasil “tem um ambiente turbulento já há alguns anos”. Aloisio Campelo Júnior acredita que, no curto prazo, “o Brasil não terá uma rota muito ruim do ponto de vista fiscal, mas do ponto de vista político há muita incerteza, o que pode afastar investimentos”.