Rússia seria para Brasil sócia ‘que não procura instrumentalizar essa parceria de forma política’

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Sábado, 3 de Julho de 2021

Evento com autoridades e pesquisadores brasileiros e russos discutiu oportunidades de investimento e colaboração em diversos setores entre os dois países.

Energia, agropecuária, digitalização de serviços, fintechs e muitas outras áreas foram citadas como setores em que a colaboração entre Brasília e Moscou possui muito espaço para crescer durante o Seminário Internacional sobre as Relações Econômicas Brasil–Rússia, que ocorreu nesta sexta-feira (02).

Estreitar laços

Organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o evento aconteceu virtualmente e reuniu pesquisadores e autoridades dos dois países, que elogiaram a iniciativa. O embaixador da Rússia no Brasil, Alexei Labtskiy, afirmou que conferências como essa são importantes por permitir descobrir nova oportunidades de negócios e parcerias entre os países, fortalecendo as relações entre Brasília e Moscou e “contribuindo para a modernização das nossas economias e melhoria do padrão de vida” nos dos países.

Principal negociador do Brasil no Mercosul, Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas, relembrou que semana que vem o Brasil assume a presidência do Mercosul até o fim do ano. “Esse evento ocorre em um momento importante porque podemos reforçar o interesse do Brasil em negociar com a Rússia e com a União Econômica Eurasiática detalhes do acordo comercial. E seria ótimo termos algum tipo de avanço [na negociação] durante a presidência do Brasil [no Mercosul]”, afirmou.

A secretária de Negociações Bilaterais na Ásia, Pacífico e Rússia do Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil, Márcia Donner Abreu enfatizou a longa parceria entre os dois países. “Nossa relação tem quase 200 anos, desde os primeiros anos da independência do Brasil […]. Temos um forte diálogo político bilateral, [o presidente brasileiro Jair] Bolsonaro e [o presidente russo Vladimir] Putin têm uma boa relação“, destacou Márcia Abreu, acrescentando que os dois líderes conversam regularmente por telefone e sabem da importância de manter os laços entre os dois países.

O vice-ministro de Relações Exteriores da Federação da Rússia, Sergei Ryabkov, advertiu que as duas potências mundiais não deveriam subestimar as oportunidades de negócio que existem na Rússia e no Brasil. “Devemos ser ambiciosos. Não devemos abandonar objetivos, mesmo que pareçam inatingíveis […]. Brasil é parceiro muito importante [para a Rússia]. É um país que amamos. […] Estabelecemos uma grande e nova avenida de cooperação bilateral, com a vacina [Sputnik V contra a COVID-19] e temos um excelente futuro pela frente”, disse Ryabkov.

Uma funcionário trabalha no laboratório de controle de qualidade onde a vacina Sputnik V serão analisadas pela empresa farmacêutica brasileira União Química, em Guarulhos, no Brasil, em 20 de maio de 2021

© REUTERS / AMANDA PEROBELLIUma funcionário trabalha no laboratório de controle de qualidade onde a vacina Sputnik V serão analisadas pela empresa farmacêutica brasileira União Química, em Guarulhos, no Brasil, em 20 de maio de 2021

É preciso reindustrializar

Rússia e Brasil foram muito beneficiados pelo último superciclo das commodities, que ocorreu de 2002 a 2011. Esse aumento nos preços de matérias-primas gerou uma dependência em setores como metais, petróleo e gás na Rússia e metais mineração e agricultura no Brasil. Agora, ambos os países precisam se reindustrializar, defende André Pineli, técnico de Planejamento e Pesquisa de Estudos em Cooperação Internacional do Ipea.

“Após o fim desse superciclo, as duas economias sofrem bastante. O crescimento econômico na última década nos dois países foi muito baixo. Na minha opinião, é obrigatório reindustrializar nossas economias […] [Essa é uma forma de] superar essa dependência e ampliar nossa presença no mercado para mais sofisticados bens manufaturados”, explica Pineli.

O especialista afirma que em 2019, o investimento direto do Brasil na Rússia foi de US$ 6 milhões (aproximadamente R$ 30 milhões), enquanto em 2010 havia sido de apenas US$ 1 milhão (R$ 5 milhões). Por outro lado, o investimento direto russo no Brasil subiu de US$ 65 milhões (R$ 329 milhões) em 2010 para US$ 180 milhões (R$ 911 milhões) em 2019. Ainda assim, Pineli ressalta que esses valores são “quase nada”, uma vez que representam menos de 0,05% do total investido em cada país.

Reforçando o comentário de Ryabkov sobre o potencial de comércio entre as duas potências, o técnico do Ipea mostra dados sobre exportação. O Brasil exporta cerca de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,57 bilhões) para a Rússia, enquanto Moscou exporta aproximadamente US$ 2,5 bilhões (R$ 12,62 bilhões) para Brasília. Mas o potencial de exportação é muito maior, segundo Pineli: US$ 26,1 bilhões (R$ 131,7 bilhões) do Brasil para a Rússia e US$ 25,5 bilhões (R$ 128,7 bilhões) no caminho inverso.

“Há muito espaço para crescer, seja em comércio, seja em investimento direto”, sintetiza Pineli.

Produtores rurais de Campo Mourão, região Centro-Oeste do Paraná, Brasil, iniciaram o plantio de soja com a expectativa de uma boa produção de grãos (foto de arquivo)

© AP PHOTO / FOTOARENAProdutores rurais de Campo Mourão, região Centro-Oeste do Paraná, Brasil, iniciaram o plantio de soja com a expectativa de uma boa produção de grãos (foto de arquivo)

Setores com oportunidades de cooperação

Big data, tecnologia de blockchain, digitalização da economia, essas são áreas que atualmente EUA e China lideram, mas outros países estão investimento pesado para não ficar para trás e resguardar a soberania digital. Um desses países é a Rússia, que poderia ajudar o Brasil a desbravar essa área, afirma Dmitry Razumovsky, diretor do Instituto Latino-Americano da Academia de Ciências da Rússia (ILA RAN).

Razumovsky explica que a Rússia já possui elementos de infraestrutura críticos para o setor e já regula a presença de plataformas e mídias estrangeira no país. O Brasil está muito atrasado nesse setor e terá muitas dificuldades em desenvolver seu próprio sistema, que demanda alta tecnologia.

Dessa forma, o especialista argumenta que “uma aliança com Rússia nessa esfera parece lógica […], “um excelente parceiro que não procura instrumentalizar essa parceria de forma política, apesar das acusações dos EUA”.

Razumovsky destaca outros setores em que a Rússia poderia oferecer seu know-how para o Brasil: comércio eletrônico (e-commerce) e fintechs.

“O Brasil teve um boom no setor de TI [Tecnologia da Informação] nos últimos anos […] há grandes oportunidades de crescimento, [e] a Rússia tem vasta experiência [nessa área] […] [nasceu na Rússia] um dos primeiros Internet banking [banco virtual] do mundo. Essa é uma tendência que já ocorre há muito tempo na Rússia, mas no Brasil ainda está emergindo essa integração entre fintech e e-commerce. Aqui a Rússia pode ajudar muito”, garante Razumovsky.

Ensino não presencial (e-learning), digitalização de serviços e segurança são outras áreas que o especialista destaca como setores em que a Rússia poderia colaborar com o Brasil. “Moscou é uma das cidades mais digitalizadas do mundo, com praticamente todos os serviços disponíveis por aplicação de celular […] A Rússia está investindo em segurança virtual. Isso é super relevante para a luta contra o terrorismo e crime organizado […] A Rússia está disponível não apenas para fornecer essas soluções como para ajudar a desenvolver no Brasil”, conclui o especialista. Informações do site Sputniknews.

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