Uma juíza do Paraná condenou um homem negro a 14 anos de prisão por organização criminosa e furtos em Curitiba. Na decisão, ela justificou que o acusado era “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”.
A advogada Thayse Pozzobon, que defende Natan Vieira da Paz, 42 anos, considerou a decisão racista por atribuir um fato ilícito ao seu cliente por ele ser negro.
Apelidado de Negrinho, Natan foi condenado com outras oito pessoas que eram acusadas de fazer parte do grupo crimninoso que furtava objetos no centro da capital paranaense, entre janeiro de 2016 e julho de 2018. A decisão é da juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba.
“Sobre sua conduta social, nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”, diz trecho da decisão.
A advogada de Natan tornou o caso público nas redes sociais, com aval do cliente. “Associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira”, escreveu.
O trecho que menciona a raça de Natan aparece três vezes no documento quando a magistrada trata da dosimetria da pena. Só pela organização criminosa, Natan foi condenado a três anos e sete meses de prisão e, na decisão, a pena foi elevado por conta da citada “conduta social” do réu.
Desculpas
Em nota divulgada pela Associação dos Magistrados do Paraná, a juíza afirmou que a raça não foi critério para que ela tomasse a decisão, dizendo que tudo teve como base as provas do processo. Ela pediu desculpas se ofendeu alguém e diz que a frase fazia parte de um “contexto maior”.
“Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa.
Já a defensora entende que a decisão ficou “maculada” pelo racismo. “Um julgamento que parte dessa ótica está maculado. Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira”, acredita.
O caso foi discutido em reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quarta-feira (12). O Tribunal de Justila do Paraná (TJ-PR) afirmou que a Corregedoria Geral de Justiça vai apurar o caso.
Leia a nota da juíza:
A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social. A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.
Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.
A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.
Em nenhum momento a cor foi utilizada — e nem poderia — como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.
A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas. Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.
O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo. Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pág. 117), ofendi a alguém.
Fonte: Correio da Bahia