Anticorpos que atacam células de defesa e mutação genética rara contribuem para o agravamento da doença até em jovens. Cientistas buscam tratamentos específicos para esses alvos
Da Redação – Sábado, 11 de setembro de 2021
O consórcio internacional COVID Human Genetic Effort, composto de mais de 150 cientistas, com a participação de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, identificou duas causas genéticas para o agravamento de casos da covid-19. Publicados na revista científica Science Immunology no mês de agosto, os estudos mostram que autoanticorpos (anticorpos dirigidos para células e tecidos do próprio corpo) comprometem a atuação do sistema imunológico e são responsáveis por cerca de 14% dos casos críticos de covid-19 e quase 20% do total de casos fatais. Além disso, uma mutação genética encontrada em 1,8% dos homens explica a presença de infecção grave em alguns jovens.
O primeiro estudo destaca um erro no sistema imune que leva à produção de autoanticorpos que neutralizam e destroem os interferons tipo 1 – glicoproteínas com alta atividade antiviral importantes para o combate a infecções. “O organismo começa a combater o vírus e aparece um anticorpo que ‘puxa o freio de mão’ da sua resposta imunológica. É como nadar contra a correnteza”, explica o médico e pesquisador Antonio Condino-Neto, membro do consórcio e coordenador do Laboratório de Imunologia Humana do ICB.
“Os dados apontam que alguns indivíduos, não apenas idosos, podem ter suscetibilidade genética à doença. E mostram por que algumas pessoas são mais resistentes e outras não, independentemente da idade – embora seja comum que o sistema imune fique enfraquecido com o envelhecimento. A descoberta fortalece nossa tese de que o problema dos casos graves não é apenas o vírus, mas o sistema imune do indivíduo”, destaca o pesquisador.
Esse fenômeno foi observado em 13,6% dos pacientes com covid-19 grave e em 21% dos pacientes com mais de 80 anos. Esses autoanticorpos também foram detectados em 18% dos 1.124 pacientes que morreram. Para chegar a esses resultados, foram coletadas amostras de aproximadamente 3.600 pacientes de hospitais ao redor do mundo para sequenciamento genético.
“Os dados apontam que alguns indivíduos, não apenas idosos, podem ter suscetibilidade genética à doença. E mostram por que algumas pessoas são mais resistentes e outras não, independentemente da idade – embora seja comum que o sistema imune fique enfraquecido com o envelhecimento. A descoberta fortalece nossa tese de que o problema dos casos graves não é apenas o vírus, mas o sistema imune do indivíduo”, destaca o pesquisador.
Mutação genética – Já o segundo estudo detalha o papel de uma mutação no gene TLR7 recessivo, ligado ao cromossomo X, que contribui para o desenvolvimento da covid-19 grave. Esse gene regula o toll-like 7, um receptor intracelular que lida com as respostas virais, reconhecendo padrões e ativando mecanismos para atacar o vírus. Com a mutação no gene, o receptor não atua conforme o esperado contra o coronavírus, que acaba causando uma infecção gravíssima.
Extremamente rara, a deficiência foi identificada em 1,8% dos homens com menos de 60 anos que tiveram pneumonia crítica inexplicável por conta da covid-19 – incluindo dois meninos com idades entre 7 e 12 anos. Para isso, foram analisados 1.102 pacientes do sexo masculino entre seis meses e 99 anos de idade.
Possíveis terapias
Os cientistas já têm uma hipótese de tratamento para contornar essas suscetibilidades. No próximo ano, será feito um ensaio clínico internacional com o interferon beta, composto utilizado para o tratamento de doenças autoimunes, como a esclerose múltipla. Trata-se de um medicamento com longa experiência de uso na clínica, o que ajudaria a acelerar os testes até a sua aprovação. Já se sabe, por exemplo, o regime de doses para aplicá-lo de maneira segura, assim como os seus possíveis efeitos adversos.
“Realizamos testes in vitro e o medicamento funcionou para corrigir o problema apontado no primeiro estudo, dos autoanticorpos. Ele atua ativando os mecanismos da imunidade inata, para barrar o vírus logo no começo, repondo os interferons que o sistema imune da pessoa está tentando destruir”, afirma Condino-Neto. “Imagine que o sistema imune desses pacientes é uma rua cheia de buracos e lombadas: o medicamento iria recapear seu asfalto”, complementa.
No caso das mutações no gene TLR7, ainda são necessárias mais pesquisas para traçar uma estratégia terapêutica. “Uma de nossas melhores hipóteses é o próprio interferon beta, porque quando o receptor toll-like 7 não funciona, ele não consegue deflagrar os mecanismos de sínteses de citocinas. Então, deve faltar interferon beta nesse indivíduo. Mas ainda precisamos comprovar isso”, detalha o professor.
Próximos passos
O grupo também seguirá buscando novos genes que impactem no agravamento da covid-19. No ICB, o pesquisador Condino-Neto e sua equipe, composta pela doutoranda Lucila Barreto e pela pós-doutora Letícia Gomes de Pontes, coletam amostras de pacientes e geram dados de sequenciamento genético, detalhando não só a atuação dos autoanticorpos mas também os perfis das proteínas. “Teremos dados de cerca de 120 pacientes brasileiros. Ao terminarmos de gerar e analisar essas informações, poderemos fazer estudos de meta-análise, cruzando-os com outras bases de dados”, afirma.
Além da equipe do ICB, outros pesquisadores brasileiros também participam do consórcio, como Carolina Prando, do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba, a professora Mayana Zatz, do Instituto de Biociências (IB) da USP, além de colaboradores da Faculdade de Medicina (FM) da USP.
Da Acadêmica Agência de Comunicação
Fonte: Jornal USP