Se comer é um direito a fome por consequência é uma escolha política
Sexta, 12 de novembro de 2021
Enfrentar a fome deve ser parte de uma agenda política governamental. Ao longo de séculos, o fim da escravidão ainda deixa rastros sociais e econômicos no Brasil, que foi configurado a partir da realidade de pobreza e fome vivenciada por milhões de pessoas. Não por acaso, o país que mais produz alimentos no mundo tem governos que não tratam a fome como agenda pública. Se comer é um direito, a fome por consequência é uma escolha política.
Por Leonardo Koury Martins¹
Enfrentar a fome deve ser parte de uma agenda política governamental. Ao longo de séculos, o fim da escravidão ainda deixa rastros sociais e econômicos no Brasil, que foi configurado a partir da realidade de pobreza e fome vivenciada por milhões de pessoas. Não por acaso, o país que mais produz alimentos no mundo tem governos que não tratam a fome como agenda pública. Se comer é um direito, a fome por consequência é uma escolha política.
Na semana da alimentação saudável – que a partir do dia mundial da alimentação (16 de outubro) integra diversas lutas em um amplo calendário político apresentado pelos movimentos populares – se busca a atenção sobre o direito humano à alimentação adequada. No Brasil, este direito está previsto no artigo 6º da Constituição e em diversos instrumentos jurídicos, como a Lei Federal 11.346/06 que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, articulando um amplo cronograma de políticas estaduais e municipais.
Porém, na atual conjuntura, de um total de 211,7 milhões de brasileiros, 116,8 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar, de acordo com a pesquisa apresentada em 2021 pela Rede de Pesquisadores em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), cujo tema é insegurança alimentar em meio à pandemia de covid-19. A fome atravessa a vida da população que sofre com o desemprego, a ausência de políticas eficazes de acesso à renda e de fortalecimento do trabalho cooperativo.
Como resultado da ausência de políticas públicas no enfrentamento à pobreza e à fome, assistimos todos os dias a rotina de pessoas que fazem filas para a doação de ossos, famílias que complementam a sua alimentação com ração animal, ou mesmo o agrupamento ao redor de caminhões de lixo. Esse cenário coloca para a sociedade que não vivemos um problema individual, apenas dos que têm fome, como nos ensina Carolina Maria de Jesus.
Em todo o território brasileiro a produção de alimentos é possível. E também, em todo o país, há a necessidade de políticas públicas que atendam a demanda trazida no último período pelas lutas e pelos atos de rua: vacina no braço e comida no prato.
imagem reprodução
O projeto de ampliação do direito à alimentação e à nutrição, no primeiro quarto do século 21, apresentava por meio do governo Lula uma série de políticas articuladas entre o campo e a cidade. Desde programas de aquisição de alimentos, compra da alimentação escolar, fomento à agroecologia, mas também relacionada à política de assistência social e à transferência de renda como direito social.
Aliada ao fomento da geração de emprego e renda, e de uma ampla capacidade de seguranças garantidas pelo Estado, a economia nacional possibilitou a retirada de 40 milhões de pessoas da linha da pobreza extrema. Porém, é um trabalho que descontinuado traz à realidade as recorrentes cenas de desespero e de indignidade vividas por tantas famílias no país.
Não há dúvidas que a fome deve ser enfrentada e deve ser parte de uma agenda política governamental. As experiências que vivemos nos governos Lula e Dilma, interrompidas no golpe de 2016, nos dão fôlego para resistir e lutar. Romper com a escravidão da fome só será possível se neste momento conseguirmos dizer não ao genocídio que nos ceifa vidas todos os dias. Um projeto popular é necessário.
¹Leonardo Koury Martins é assistente social, professor, conselheiro do CRESS-MG e militante da Frente Brasil Popular
Fonte: jornalistas livres/Foto: