A estátua de Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e principal autor da Declaração de Independência do país, assinada em 1776, deixou de dominar a sala de assembleias da Câmara Municipal de Nova York, por seu histórico escravagista.
Junto com George Washington, John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, Jefferson uniu as Treze Colônias e liderou a guerra da independência do Reino Unido que originou o surgimento dos EUA nas últimas décadas do século XVIII.
Jefferson foi o segundo vice-presidente americano, no governo John Adams, o terceiro presidente, entre 1801 e 1809, e um escravagista: ele possuiu mais de 600 escravos e teve seis filhos com a escrava Sally Hemings.
A estátua é de gesso e foi feita seguindo o modelo em bronze de Jefferson exposto no Capitólio (a sede do Congresso americano, que fica em Washington DC). A original foi criada pelo célebre artista francês Pierre-Jean David d’Angers e dedicada ao povo americano.
Sua cópia foi encomendada em 1833 por Uriah P.Levy, o primeiro judeu comodoro na Marinha americana, para comemorar o apoio de um dos pais fundadores à liberdade religiosa nas Forças Armadas. Ela chegou à Câmara de Nova York por volta de 1834.
Debate sobre retirada
A decisão foi tomada após um debate intenso que surgiu após a morte de George Floyd, um homem negro que foi morto asfixiado pelo policial branco Derek Chauvin e deu origem ao movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam).
O movimento cresceu devido às desigualdades raciais evidenciadas pela pandemia e à discussão sobre monumentos dos confederados — se as homenagens aos que defenderam a escravidão durante a guerra civil americana deveriam ser retirados de espaços públicos.
Vereadores latinos e negros da Câmara Municipal de Nova York reivindicavam há anos a retirada da estátua de pouco mais de dois metros de altura de Jefferson, que durante mais de meio século presidiu as reuniões na sala de assembleias da Casa.
“Saber que nos sentávamos na presença de uma estátua em homenagem a um proprietário de escravos, que acreditava fundamentalmente que pessoas como eu não mereciam ter os mesmos direitos e liberdades que ele apontava na Declaração de Independência, me deixa em uma situação profundamente desagradável”, disse a vereadora afro-americana Adrienne Adams.
Após acaloradas discussões sobre o destino da estátua, os vereadores decidiram também seu destino: ela será transferida para a Sociedade Histórica de Nova York, que aceitou o empréstimo com a finalidade de “proteger o trabalho artístico e proporcionar as oportunidades de exibi-la em um contexto educativo e histórico”.
Annette Gordon-Reed, professora da Faculdade de Direito de Harvard e especialista em Thomas Jefferson, que é negra, não concordou com a decisão da Câmara:
“Entendo por que as pessoas querem retirá-la, embora não esteja de acordo. Seria bom que fosse exibida acompanhada de uma explicação”, escreveu Gordon-Reed em uma rede social. “Seria bom para todos. Poderia-se pensar em todo tipo de informação para acompanhá-la. Serviria para o objetivo histórico”.
Rejeição a estátuas e homenagens
Jefferson nasceu em Charlottesville, no estado da Virgínia, e em 2019 a cidade decidiu deixar de celebrar o feriado comemorativo do aniversário do seu filho ilustre.
Assim como tem ocorrido em muitas cidades do mundo, a população de Nova York tem refletido sobre o papel de muitas figuras históricas (como se viu recentemente com Cristóvão Colombo, o “Descobridor das Américas”, cujo papel tem sido questionado não só nos EUA como em diversos países da América Latina).
O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, anunciou que revisaria os “símbolos do ódio” da cidade após os distúrbios protagonizados por supremacistas brancos em 2017 em Charlottesville (a cidade de Jefferson), que começaram como um protesto contra a retirada da estátua de Robert E. Lee.
Nesta quarta-feira (24), os organizadores do ato extremista em Charlottesville foram condenados a pagar indenização de quase R$ 145 milhões para compensar os danos causados pelos manifestantes.
Após a decisão do prefeito, foi retirada a estátua do pai da ginecologia moderna, Marion Sims, que aperfeiçoou suas técnicas usando escravas, e foi aprovada a retirada da de Theodoro Roosevelt, que fica na entrada do Museu de História Natural — o que ainda não se concretizou.
Fonte: g1