Na zona do euro, a taxa de inflação anual –que compara o resultado de um mês com o do mesmo período do ano anterior– atingiu o recorde de 5,1% em janeiro
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Eletricidade, comida, roupas, combustíveis e serviços: nos últimos 12 meses, os preços subiram em quase tudo na União Europeia.
Na zona do euro, a taxa de inflação anual –que compara o resultado de um mês com o do mesmo período do ano anterior– atingiu o recorde de 5,1% em janeiro, de acordo com o Eurostat (escritório de estatísticas da UE).
É o maior valor desde o início da série histórica, em 1997.
Embora todos os Estados-membros tenham sido afetados, há diferenças regionais significativas, com Lituânia (12,2%), Estônia (11,4%), Bélgica (8,5%) e Eslováquia (8,5%) registrando as taxas mais altas no período.
Paschal Donohoe, presidente do Ecofin (conselho que reúne os ministros da Economia e das Finanças da zona do euro), reconheceu que “a alta da inflação está afetando o crescimento e o poder de compra dos rendimentos dos cidadãos”.
Donohoe, que é ministro das Finanças da Irlanda, ponderou que, por outro lado, o aumento de preços ainda não provocou danos estruturais profundos.
“Não há até agora sinais de efeitos de segunda ordem significativos decorrentes de aumentos salariais, e a inflação deverá começar a diminuir neste ano e, posteriormente, cair abaixo da meta de 2% em 2023”, disse, em declaração no Parlamento Europeu.
O aumento de preços na Europa foi impulsionado sobretudo pelo encarecimento dos custos de energia –eletricidade, gás e petróleo–, que também impactam os custos em outros setores, como alimentos e transportes.
Professor da Nova SBE (faculdade de economia e negócios da Universidade Nova de Lisboa), Pedro Brinca diz que a transição energética em curso no continente europeu, aliada a questões geopolíticas, tem grande peso sobre o encarecimento da energia.
“Na Europa, nós estamos acabando progressivamente com as centrais a carvão e com as centrais nucleares. Isso aumenta a nossa dependência da produção de energias renováveis e do gás natural vindo da Rússia”, afirma.
O economista salienta que as condições climáticas dos últimos dois anos –invernos relativamente rigorosos que levaram a um maior consumo de energia, além da produção de energias de fontes renováveis em nível abaixo do esperado– também colaboraram para a escalada de preços.
“Usamos muito mais gás natural do que aquilo que seria normal, e o preço começou a subir. A Europa está muito dependente do fornecimento da Rússia. E a Rússia, por questões geopolíticas, decidiu não aumentar a oferta, apesar do aumento forte da procura. Perante uma demanda tão grande, obviamente os preços dispararam”, diz Brinca.
Pelos dados oficiais europeus, Portugal aparece com taxa de inflação anual abaixo da média da zona euro. Os 3,4% registrados em janeiro representam a segunda taxa mais baixa entre os países da moeda única, atrás apenas da França, com 3,3%.
Ainda assim, houve um aumento transversal dos preços em quase todos os setores no país. Os efeitos atingiram particularmente a crescente fatia da população que recebe o salário mínimo.
Recentemente reajustada para EUR 705 (cerca de R$ 4.300), a remuneração base portuguesa permanece como uma das mais baixas da Europa Ocidental.
Funcionária de um hospital na região metropolitana de Lisboa, Malvina Matos, 41, faz parte do contingente dos cerca de 25% dos trabalhadores portugueses que recebem o salário mínimo.
“Aumentou a luz, aumentou o gás e aumentou a alimentação. Agora, nós vamos ao supermercado com EUR 20 [R$ 120] e não trazemos nada praticamente”, diz ela, que vive sozinha com as duas filhas pequenas.
A alta dos preços fez a família cortar produtos não essenciais no supermercado. “Roupas, com exceção das íntimas, eu também já não compro há mais de um ano”, diz.
Entre as principais dificuldades relatadas está a incapacidade de lidar com um eventual imprevisto. “Há meses que são muito complicados, porque, se houver um percalço, é um dinheiro extra que tem de sair de algum lugar”, completa.
Os impactos da inflação também já afetam a classe média.
Em Portugal há pouco mais de três anos, o publicitário luso-brasileiro Henrique Lira, 32, desistiu da ideia de comprar um carro novo em meados de 2021. Agora, diz que já não sabe nem se irá partir para um usado.
“Os preços subiram muito de 2020 para cá. Acho que o mercado português de usados está fora da realidade. É inacreditável cobrarem EUR 10.000 [R$ 60 mil] por um carro com 12 anos e mais de 120 mil quilômetros rodados.”
Além do efeito dominó dos custos associados à produção, a indústria automotiva também é particularmente atingida pela escassez global de semicondutores, em razão da quebra da cadeia de produção com a pandemia. Com preços mais altos e longas esperas para conseguir veículos zero-quilômetro, o valor de comercialização dos seminovos disparou.
A Associação Nacional do Ramo Automóvel estima que o preço dos carros usados em Portugal tenha aumentado cerca de 10% no último ano.
Assim como no resto da Europa, os combustíveis também apresentaram forte valorização em Portugal. Impulsionado pela disparada de preços do barril de petróleo no mercado internacional, o preço da gasolina aumentou 19%, enquanto o do diesel subiu 21% em 2021.
A pressão fez com que o governo aplicasse, desde novembro, um desconto extraordinário de EUR 0,10 (R$ 0,61) por litro de combustível abastecido.
A medida é limitada a 50 litros mensais, o que equivale a um desconto máximo de EUR 5 (R$ 30,5) por mês.
Na França, o governo também adotou uma política de reembolso à população em razão da alta dos combustíveis. Quem recebe menos de EUR 2.000 líquidos (cerca R$ 12,2 mil) teve direito a um cheque de EUR 100 (R$ 610) para ajudar com o aumento da despesa na hora de abastecer.
Diante do aumento de preços em todo o continente, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, mudou o tom do discurso em relação a um eventual aumento de juros na UE e não descartou esta possibilidade.
Lagarde, no entanto, afirmou que uma decisão mais aprofundada sobre o surto inflacionário na Europa só será analisada em março.
Nas últimas semanas, bancos centrais de todo o mundo vêm apertando a política monetária. Em janeiro, o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) indicou que em março começará a elevar os juros para debelar a inflação, que bateu 7% no ano passado, maior taxa desde 1982. Na quinta-feira (3), foi a vez de o Reino Unido anunciar um aumento na taxa.
Até agora, o BCE optou por uma posição de cautela, reiterando que a pressão inflacionária na União Europeia tem características diferentes das demais.
Fonte: Notícias ao Minuto