Goiânia – Policiais militares acusados de arrastar e matar um homem no quintal de uma casa em Trindade (GO) recolheram celulares de testemunhas para apagar vídeos da ação policial, segundo inquérito do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) da Polícia Civil. Bombeiros que atenderam a vítima foram indiciados por omissão de socorro.
Foi justamente um vídeo de celular que acabou se espalhando e ajudando a revelar que o comerciante Wilker Darckian Camargo, de 31 anos, não estava armado e foi executado após tentar fugir dos policiais, de acordo com o Ministério Público de Goiás (MPGO).
As imagens de Wilker sendo arrastado para um quintal por policiais de preto, seguido por barulhos de disparos de arma de fogo, tiveram repercussão nacional. O pai do comerciante era cabo reformado da Polícia Militar (PM) e afirmou que o filho foi “covardemente executado”.
O crime aconteceu no final da manhã de 10 de dezembro em Trindade, região metropolitana de Goiânia. A versão inicial era que o comerciante estava traficando cocaína e teria disparado contra os militares, que revidaram. No entanto, a investigação da polícia aponta para uma execução.
Celulares recolhidos
Pelo menos três testemunhas afirmaram em depoimento que os policiais tomaram os celulares das testemunhas com objetivo de apagar imagens do crime. O vídeo que acabou repercutindo e foi usado como prova, no entanto, foi enviado para outro aparelho antes de ser excluído.
Uma testemunha disse que “viu um policial de preto tomando à força o celular do rapaz, o policial mexeu no aparelho durante algum tempo e devolveu ao dono”.
Outra testemunha disse que viu um militar do Comando de Policiamento Especializado (CPE) “tomar seus aparelhos de telefonia celular, indagando o porquê de estarem filmando a ação policial”.
Uma terceira testemunha disse que um “policial da CPE determinou que todos apagassem as filmagens”.
“Placa fria”
Segundo a investigação, antes de ser executado, Wilker Darckian foi perseguido por dois policiais militares em uma viatura descaracterizada do modelo Ford Ka com a chamada “placa fria”. Os policiais trocaram a placa original por uma que não correspondia a nenhum veículo existente.
Dentro desse carro estavam dois policiais militares sem farda, os chamados P2, que atiraram no pneu traseiro do Gol de Wilker para que ele parasse. O comerciante então bateu o carro e saiu correndo para casa, quando foi alcançado pelos dois militares sem farda.
Esses militares sem farda então teriam imobilizado Wilker e entregado ele para PMs fardados, que já estavam próximos e fariam parte da ação.
Os policiais com farda preta levaram o comerciante para o quintal de uma residência e deram um primeiro tiro na perna esquerda, mas ele fugiu. Esse foi o momento que a câmera do celular mostra Wilker sendo arrastado de volta para o interior do imóvel. Os militares deram então mais dois tiros, que acertaram o peito e o abdome, um dos disparos foi a queima-roupa, segundo perícia.
Casa invadida
As investigações também confirmaram que a casa de Wilker foi invadida por policiais no dia 7 de dezembro, pouco antes de ser morto. Os móveis da casa foram destruídos e revirados. Na época foi relatado ao Metrópoles que os policiais exigiram uma arma. A investigação concluiu que a vítima foi executada, mas a motivação não foi esclarecida.
Foram denunciados por homicídio qualificado, sem chance de defesa para a vítima, os seguintes policiais militares: 2º tenente Alexsander de Carvalho Gonçalves, de 34 anos; 1º sargento Wellington Alves de Oliveira, 45 anos; soldado José Venício Mendes da Silva,30; cabos Elias Cunha Carvalho, 36; cabo José Wilson Louça Rodrigues de Menezes, 32.
Bombeiros indiciados
De acordo com a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros foi acionado para socorrer o comerciante baleado, mas não teria realizado o procedimento necessário para tentar salvar a vida de Wilker.
A equipe do Corpo de Bombeiros era composta por dois socorristas e um motorista. Um dos socorristas, o sargento Alysson da Silva de Lima, não teria atendido Wilker, mesmo ele estando com respiração ofegante e pouco pulso. Ele optou por atender uma vizinha idosa, que teve uma síndrome do pânico por causa da cena de violência.
Para a Polícia Civil, a vítima sequer foi submetida a reanimação cardiorrespiratória ou a injeção de adrenalina no início do atendimento. Além disso, a reanimação deveria ter sido feita por duas pessoas, sendo um na massagem e outro na respiração forçada, segundo a Polícia Civil.
Ainda segundo a investigação, o bombeiro Antônio Carlos de Carvalho só realizou a reanimação cardiorrespiratória em Wilker quando já estavam a poucos metros do hospital. Wilker chegou morto no hospital. O sargento Alysson não estava presente neste momento, pois ficou atendendo a idosa. Por causa disso, a Polícia Civil indiciou os dois bombeiros.
Tráfico é questionado
Os policiais militares envolvidos no homicídio de Wilker disseram que ele estava traficando drogas e tinha sido flagrado recebendo um pacote com 300 gramas de cocaína.
Wilker tinha antecedentes criminais por participação em um roubo. Ele respondia ao crime em semiliberdade e usava tornozeleira eletrônica. Vizinhos relataram para a Polícia Civil que ele tinha mudado seu comportamento e não estava mais
O colega de Wilker que foi preso por supostamente ter dado drogas para ele no dia da morte, foi solto após três dias. Ele disse que foi pressionado pelos policiais a dizer na delegacia que a vítima estava armada e era traficante, e que só não falou essa versão, porque advogado chegou na hora.
Segundo o pai de Wilker, o cabo reformado Moacir Divino Camargo da Silva, de 58 anos, o filho tinha muita dificuldade financeira, administrava um bar ganhado do pai e tinha pedido R$ 150 emprestado pouco tempo antes de morrer.
Alta letalidade
No relatório final da investigação sobre a morte de Wilker é citado que Trindade registrou 25 homicídios em 2021, sendo que 23 mortes foram por intervenção policial em alegados confrontos. Dessas, 11 são ligadas ao mesmo batalhão que estão lotados os militares que mataram o comerciante, a CPE da 9ª CIPM.
Os cinco policiais militares denunciados pelo homicídio de Wilker estão presos no presídio militar desde segunda-feira (21/3). A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar, a Secretaria de Segurança Pública e o Corpo de Bombeiros e aguarda uma posição. A reportagem ainda tenta localizar as defesas dos militares presos e indiciados. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: Metrópoles