Nas últimas semanas, dezenas de pesquisas de intenção de voto para presidente da República foram publicadas por diferentes institutos. Mesmo divulgados em datas próximas, muitos levantamentos apresentam resultados discrepantes quando se trata dos dois principais candidatos ao Planalto, com distância significativa entre os números apurados.
No Datafolha, por exemplo, a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente Jair Bolsonaro é de 21 pontos percentuais. Na BTG/FSB, a distância entre eles cai para 14 pontos. Na XP/Ipespe, são 11 pontos. Na Paraná Pesquisas, a margem é ainda menor: 4,8 pontos percentuais.
O abismo entre os números se repete à medida que novas sondagens são divulgadas. Tal situação alimenta os argumentos de grupos que questionam a eficácia de todas as pesquisas eleitorais.
Os críticos atacam tanto a credibilidade dos institutos quanto os métodos aplicados. Na visão deles, os procedimentos não são suficientes para assegurar uma amostragem que possa aferir, com precisão, o humor dos eleitores brasileiros.
O Metrópoles ouviu 15 especialistas, entre representantes dos principais institutos do país, estatísticos, cientistas políticos e sociólogos, para responder à seguinte pergunta: afinal, é possível confiar nas pesquisas eleitorais? A resposta é complexa e, dependendo da análise, transita entre o sim e o não.
A maior parte dos entrevistados ressaltou que a diferença entre os institutos – e os resultados – está no método, na amostragem, na coleta e na abordagem do pesquisador ao cidadão. Como as variáveis são muitas, as conclusões ficam suscetíveis a distorções.
Tanto os críticos quanto os defensores convergem em um ponto: a pesquisa é o retrato de um momento específico, da hora e do lugar nos quais os entrevistados são abordados. Esse “retrato” tem muitos filtros que afetam a imagem final, ainda mais no momento atual, em que há muitos pré-candidatos, a campanha não começou e faltam meses para a votação.
Gangorra
Em maio, o debate ficou inflamado nas redes sociais. No dia 4, a Paraná Pesquisas apontou que a diferença nas intenções de voto entre Lula e Bolsonaro caiu para apenas 4,8 pontos percentuais na sondagem estimulada. O petista tinha 40% das intenções de voto e Bolsonaro, 35,2%.
Em 26 de maio, o Datafolha trouxe Lula com 48% e Bolsonaro com 27% – uma distância de 21 pontos percentuais. No dia seguinte, a XP/Ipespe apontava o petista com 45%, contra 34% do atual presidente – a diferença aqui é de 11 pontos percentuais. Três dias depois, a BTG/FSB cravou, respectivamente, 46% e 32%, com 14 pontos separando os rivais.
Nessa gangorra de números, eleitores se questionam: será que alguém está certo?
Coleta e abordagem
Há detalhes determinantes nos levantamentos que podem explicar o fosso que separa os estudos de campo. O Datafolha, por exemplo, tem uma amostragem de 2,5 mil pessoas e é feita pelo método presencial em ponto de fluxo.
Isso significa que pesquisadores entrevistam eleitores pessoalmente, em locais movimentados, após realização de sorteio.
Já o Ipespe tem uma amostra de mil pessoas sorteadas a partir de cotas de sexo, idade e localidade; e controle de instrução e renda. As entrevistas são feitas por telefone.
“Pesquisas face a face tendem a captar o voto popular nos pontos de fluxo, pessoas que estão andando. As tendências de sondagens por telefone têm sido captar mais as intenções de eleitores com escolaridade mais alta. Cada aspecto metodológico tem suas vantagens e desvantagens”, ressaltou o pesquisador Jairo Pimentel, do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Outro ponto de destaque que pode provocar discrepâncias, segundo especialistas, é a soma dos entrevistados que respondem não votar em nenhum candidato ou ter intenção de votar nulo ou branco. Nos levantamentos mencionados acima, esse percentual somado é de 11% no Datafolha; 10,8% na Paraná Pesquisas; 8% na BTG/FSB e 5% na XP/Ipespe.
O dado é relevante, porque esses números superam em muito a intenção de votos da maioria dos pré-candidatos.
“Há um abismo entre as metodologias usadas nas pesquisas com maior diferença entre os dois primeiros candidatos. Além disso, o cenário ainda é de pré-candidatura. Tudo está variável”, completou Jairo Pimentel.
O fator house effects
No jargão dos institutos, há um conceito que se relaciona diretamente com o resultado das pesquisas. São os chamados “house effects”, também conhecidos como “vício estatístico”, “viés da casa” ou apenas “viés”.
Pesquisadores de opinião pública usam esse termo técnico para se referir às “orientações sistemáticas” que podem estar associadas a diferentes empresas. Em resumo, trata-se de como a metodologia aplicada por uma empresa pode afetar o resultado final, subestimando ou superestimando um candidato.
O viés faz parte do sistema de estudo e pode ocorrer durante a seleção de participantes. Quando não há, por exemplo, uma população-alvo claramente definida, isso pode ser considerado um viés, com potencial de provocar alteração no resultado.
Imagine que o pesquisador foi a um terminal rodoviário às 7h de um dia útil. Pode ocorrer, por exemplo, que, a cada 10 pessoas abordadas, 8 sejam trabalhadores de baixa renda, com um perfil semelhante, e tenham um candidato em comum.
Quando a sondagem é feita por sorteio e com definição censitária, as chances de não haver heterogeneidade no resultado são reduzidas.
Ao analisar 296 levantamentos de intenção de voto, o agregador de pesquisas de opinião Polling Data considerou as presenciais (domiciliares) e telefônicas como neutras. Já a presencial por ponto de fluxo, como as feitas pelo Datafolha e as on-line, têm vieses favorável e desfavorável, respectivamente.
Pesquisas eleitorais: por que os resultados podem ser diferentes?
Shy voter
Cientista político, Paulo Kramer não acredita que as pesquisas de opinião refletem, de fato, a realidade. “Você já reparou nos eventos do Lula e do Bolsonaro? A diferença é enorme. E não vejo a realidade das ruas se refletir nos números dos institutos. Vejo o líder nas intenções de voto com medo de sair às ruas e o segundo colocado em eventos cheios de apoiadores”, afirma o especialista.
Kramer não coloca em xeque a lisura das sondagens, mas credita as grandes variações às falhas intrínsecas dos métodos. “É devido a essa percepção que as pessoas têm duvidado das pesquisas”, acrescenta o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB).
Ao comentar a vantagem de 21 pontos percentuais de Lula sobre Bolsonaro aferida pelo Datafolha, o especialista afirma que o número poderia ser explicado por outro fator além da metodologia: o que ele chama de shy voter, uma espécie de eleitor tímido.
“O entrevistado pessoalmente pode se sentir tímido, constrangido em responder à pergunta, se percebe que o entrevistador pertence a um dos lados ou devido ao grupo que pode estar ao seu lado no momento da pesquisa”, analisou.
O sociólogo e cientista político Antônio Lavareda ressaltou que os números apresentados por pesquisas são vistos como dados preditivos do que ocorreria “se a eleição fosse hoje” e, às vésperas da votação, são interpretados pelo público como prognósticos. Para ele, contudo, essa percepção é um erro, porque as sondagens são recortes de determinados momentos em espaços específicos.
“Um fator, estatístico, está relacionado a desvios e vieses amostrais. Há 12 anos não temos um censo. As mudanças de domicílio e alterações em toda a estrutura social se acentuaram na pandemia. De outro lado, muitas das pesquisas divulgadas não registram o recall da eleição passada. Como saber se, mesmo quando obedecendo às cotas demográficas, as amostras não estão política e ideologicamente enviesadas? Isso é muito mais importante que um segundo fator”, considera.
Para o sócio-diretor do Instituto FSB Pesquisa, Marcelo Tokarski, o estudo de campo é uma fotografia do momento. “Porém, mostra um movimento, aponta tendências do eleitorado. Nunca tivemos uma eleição com tantas pesquisas, com tantos institutos de credibilidade atuando. Essa variedade de números, com metodologias diversas, amplia ainda mais a base de comparação para o eleitor. E isso é bom”, defende.
Para Tokarski, existem metodologias de apuração, abordagens, perguntas e ordens diferentes dessas perguntas nos questionários, mas todos os institutos buscam medir a intenção de votos dos eleitores a partir de uma amostra representativa do eleitorado. “Os institutos têm acertado, e a intenção é sempre manter esse padrão de qualidade, com métodos que reduzam ao máximo possibilidades de falhas”, completou.
Metodologias
O levantamento do Paraná Pesquisas foi realizado de maneira presencial em todas as unidades federativas, entre os dias 28 de abril e 3 de maio, com 2.020 pessoas. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-09280/2022. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, com grau de confiança de 95%.
O Ipespe entrou em contato por telefone com mil entrevistados, em todo o país, de 16 anos ou mais, entre os dias 23 e 25 de maio. O número de registro no TSE é BR-07856/2022. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais para mais ou para menos.
A pesquisa Datafolha ouviu 2.556 pessoas, entre os dias 25 e 26 de maio. As entrevistas foram realizadas em pontos de fluxo populacional, em 181 cidades brasileiras. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, com índice de confiança de 95%. O levantamento foi registrado no TSE sob o número BR-05166/2022.
A sondagem da FSB, contratada pelo BTG, foi feita entre 27 e 29 de maio, com 2 mil entrevistados. De acordo com o instituto, a margem de erro é de 2 pontos percentuais, e o índice de confiança é de 95%. A pesquisa foi registrada no TSE sob o número BR-03196/2022.
Fonte: Metrópoles