‘Alimentar filhos ou pets’: crise econômica aumenta devolução de animais de estimação

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“É um dia bem triste quando as pessoas têm que escolher entre alimentar seus filhos ou seus pets. Para algumas pessoas, infelizmente, a situação chegou a esse ponto”, diz Suzana Talevski, que trabalha no abrigo de animais Lost Dogs’ Home em Melbourne, Austrália, e tem visto estas separações entre tutores e seus bichinhos acontecerem com mais frequência.

Um dos mais novos hóspedes do abrigo é Charcoal, um mastim napolitano de 4 anos e 63 kg. Ele foi deixado no abrigo por seus tutores, que disseram não conseguir mais sustentar o animal.

E eles não estão sozinhos nesse tipo de situação: o custo de vida disparou em todo o mundo devido aos efeitos da pandemia e da guerra da Ucrânia nos preços dos alimentos, combustíveis e outros itens essenciais.

Não é apenas a comida que comemos que está custando mais agora: os preços dos alimentos e produtos para animais de estimação também aumentaram.

Talevski estima que alimentar Charcoal custa até 1.600 dólares australianos por ano (cerca de R$ 5.200).

“Temos 500 animais em nosso abrigo. São muitas bocas para alimentar. Sentimos o aperto na compra de suprimentos, na manutenção de um estoque de alimentos para os animais e na garantia de que todos os nossos animais estejam saudáveis”, acrescenta.

Números oficiais mostram que o custo dos produtos para animais de estimação na Austrália saltou quase 12% do início do ano até o final de junho. É o dobro do aumento que os australianos estão vendo nos preços de seus próprios alimentos e bebidas.

‘Ela estava em lágrimas’

Quando a pandemia começou, a organização Canberra Pet Rescue iniciou uma ação para fornecer alimentos para animais de estimação e outros itens essenciais aos tutores em dificuldades.

Mais de dois anos depois, sua fundadora, Amanda Doelle, diz à BBC que muitas pessoas ainda estão procurando ajuda. Ela relata também que recebeu mais casos de pessoas desistindo de seus animais de estimação.

Uma chegada recente é a gato malhada Lilu, de 11 anos. A dona dela perdeu o emprego e a casa, decidindo ser inviável manter sua gata.

“Ela realmente tentou. Ela chorou, estava muito chateada”, lembra Doelle. “Ela estava sem-teto, então não tinha como manter a gata.”

Lilu em um gramado sintético, ao lado de pessoa sentada
Legenda da foto,A antiga tutora de Lilu perdeu a casa e o emprego

Sobrecarregada com pedidos e custos crescentes, Doelle solicitou ajuda governamental no financiamento do projeto. Enquanto isso, ela diz que foi forçada a recusar alguns animais.

“É absolutamente incontrolável. Os animais estão inundando os canis e os abrigos.”

“O custo de vida é um fator importante. Mas as pessoas também estão repensando sobre os animais de estimação que dotaram durante a pandemia”.

Abandonar um animal de estimação é um delito na Austrália. Mas a pressão financeira está “deixando as pessoas em situações desesperadoras”, diz Rebecca Linigen, da organização Four Paws Australia.

“Não apenas as taxas de devolução de animais aumentaram, mas alguns abrigos na Austrália também estão registrando que as taxas de adoção caíram desde 2021”, afirma.

“Esta é uma crise no bem-estar dos animais de estimação em nosso país, que traz o medo real de que os animais sejam abandonados nas ruas para se virarem, se forem considerados um fardo financeiro.”

Problema internacional

Os ingredientes básicos da alimentação animal incluem carne, grãos e micronutrientes. Todos eles se tornaram mais caros nos últimos meses.

É um problema global. O custo dos alimentos para animais de estimação aumentou 10,3% nos EUA, 8,8% na União Europeia e 8,4% no Reino Unido.

No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em abril, a inflação no segmento de alimentos para pets foi de 22,9% no acumulado de 12 meses do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Grupos de resgate de animais em outros países também estão vendo um salto no número de novas entradas nos abrigos, à medida que o orçamento doméstico é espremido.

“Muitos estão dizendo às nossas equipes que estão ficando sem a própria comida para conseguir comprar alimentos e pagar cuidados veterinários para seus animais de estimação, e até mesmo tendo que tomar a decisão dolorosa de abrir mão de seus amados companheiros”, diz Alyson Jones, da Blue Cross, que administra bancos de alimentos para animais e hospitais veterinários no Reino Unido.

Duas voluntárias com Charcoal no sofá
Legenda da foto,Suzana Talevski estima que alimentar Charcoal custa até 1.600 dólares australianos por ano (cerca de R$ 5.200)

“Estamos fazendo o que podemos para manter as pessoas e seus animais de estimação juntos, mas infelizmente estamos vendo mais animais sob nossos cuidados”, acrescenta

Jacob Thomas, da organização Rescue Paws, na Tailândia, diz que recebeu casos de pessoas que estavam planejando deixar a Tailândia porque perderam o emprego ou estavam com a renda espremida pelo aumento do custo de vida.

“Essas demandas aumentaram enormemente desde o início da pandemia”, diz ele.

O aumento dos preços dos alimentos pode ser parcialmente explicado pelo crescente custo da energia usada em sua produção, diz o professor William Chen, da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura.

“As incertezas na produção de alimentos permanecem, como resultado das mudanças climáticas, da pandemia de covid-19 e das tensões geopolíticas”, explica.

Enquanto isso, na Austrália, Charcoal foi alocado para um cuidador temporário, mas ainda está esperando por seu lar definitivo.

“Seus hobbies favoritos são seguir humanos, brincar de bola e ficar no sofá”, conta Talevski. “Ele está agora num lar temporário, esperando para fazer uma cirurgia, até que possa ir para um lar definitivo.”

– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63381555

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