Tratamentos melhoraram o comportamento de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; medicamento reduziu sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, e treinamento diminuiu irritabilidade.
por Júlio Bernardes – Segunda, 14 de novembro de 2022 – 00:20
Arte: Guilherme Castro
Aeficácia e a segurança do uso do medicamento metilfenidato e do treinamento parental no tratamento de crianças pré-escolares (de três a cinco anos) com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) foram testadas em pesquisa realizada no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O estudo, denominado Mappa, aponta que, depois de oito semanas de tratamento, o metilfenidato (já empregado no tratamento de crianças e adolescentes com o transtorno) melhorou a funcionalidade, ou seja, o comportamento das crianças, e reduziu a frequência e intensidade de sintomas do TDAH, como desatenção e impulsividade. O treinamento parental, além de também proporcionar ganho funcional, reduziu a irritabilidade. Os resultados da pesquisa estão descritos em artigo publicado na revista científica Lancet Child Adolescent Health.
“O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por um padrão persistente de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que causam prejuízos ao desenvolvimento da criança, como problemas de relacionamentos com pares, prejuízos na aprendizagem e maior risco de acidentes”, relata ao Jornal da USP a médica e doutoranda Luísa Shiguemi Sugaya, primeira autora do artigo. “Atualmente, a prevalência do TDAH em pré-escolares é estimada em aproximadamente 2%. No Brasil, há um estudo realizado com crianças de seis anos de idade que encontrou uma prevalência de 2,6%.”
“Quando se fala em funcionalidade, isso quer dizer que a TDAH interfere no modo como a criança interage com o ambiente, aprende e se relaciona, em todos os contextos, por exemplo, brincando numa pracinha, ela não para, não presta atenção, machuca-se”, descreve o professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP Guilherme Polanczyk, autor sênior do estudo. “Na sala de aula, o transtorno afeta o aprendizado, como ela se relaciona com os pares, e também está associado a estresse familiar, que leva os pais a terem comportamentos punitivos.”
O estudo Mappa foi realizado no IPq com 153 famílias, entre agosto de 2016 e outubro de 2019, e avaliou dois tratamentos. “Um deles foi o uso de metilfenidato, um medicamento que já se mostrou eficaz e seguro para o tratamento de crianças escolares e adolescentes com TDAH”, afirma a médica. “O outro foi o treinamento parental comportamental, uma intervenção que tem como objetivo ensinar aos pais técnicas que pretendem melhorar o manejo dos comportamentos das crianças, melhorar a relação entre eles e aumentar suas competências e autoconfiança”.
Redução de Sintomas
Os tratamentos foram comparados com um placebo (substância sem efeito) e uma intervenção educacional que forneceu informações sobre o desenvolvimento infantil, não relacionadas ao TDAH, e serviu como controle para os efeitos não específicos da terapia parental. “O uso de metilfenidato foi eficaz para reduzir a frequência e intensidade dos sintomas, melhorar a funcionalidade da criança e a atenção em testes computadorizados”, aponta Luísa. “Já o treinamento parental, que também obteve melhoria funcional, reduziu sintomas de irritabilidade e melhorou as medidas tomadas pelos pais”.
“Em relação aos efeitos adversos, o uso de metilfenidato provocou mais efeitos colaterais leves, mas sem aumento do risco de efeitos colaterais graves, e sem causar alterações do funcionamento hepático ou cardíaco”, conclui a médica. Polanczyk ressalta que o treinamento ajudou os pais e mães a lidarem com as manifestações do TDAH da forma mais apropriada. “Por exemplo, quando a criança tem de esperar em uma fila, o que é difícil para quem tem TDAH, os pais vão pensar em atividades para aliviar a espera, ao invés de darem ordens que podem potencializar os comportamentos ligados ao transtorno.”
De acordo com Luísa, os resultados do estudo já podem ser aplicados clinicamente e poderão ajudar o clínico a escolher o melhor tratamento para cada paciente. “Nosso estudo mostra que metilfenidato e treinamento parental são tratamentos seguros para crianças pré-escolares com TDAH, mas que apresentam efeitos distintos sobre o comportamento”. Polanczyk enfatiza que a importância do estudo reside no fato de haver desconhecimento na literatura científica sobre qual é o melhor tratamento para o transtorno nesta faixa etária.
“As diretrizes clínicas internacionais indicam apenas o treinamento parental, porém ainda não estava claro na literatura se a sua efetividade era devido ao chamado ‘efeito placebo’, no qual os pais que receberam a terapia relatam diminuição nos sintomas, porém, o mesmo não acontece junto aos professores, o que gerava incertezas sobre o funcionamento do treino”, afirma. “Esta pesquisa é única por ter comparado a medicação e o treinamento ao mesmo tempo, sendo conduzido com vários cuidados de forma a evitar o ‘efeito placebo’. Os resultados indicam que o melhor tratamento vai depender da avaliação de cada caso, por exemplo, quando os pais já lidam com as crianças de forma mais adequada e o maior prejuízo está associado à desatenção, pode-se optar somente pela medicação.”
O estudo foi realizado por um grupo de pesquisadores do IPq, com colaborações de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do National Institute of Mental Health (Estados Unidos) e está descrito no artigo Efficacy and safety of methylphenidate and behavioural parent training for children aged 3–5 years with attentiondeficit hyperactivity disorder: a randomised, double-blind, placebo-controlled, and sham behavioural parent training-controlled trial, publicado online pela revista científica Lancet Child Adolescent Health em 25 de outubro. A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Mais informações: email [email protected], com o professor Guilherme Polanczyk
Fonte: Jornal USP