O que se sabe sobre a megaoperação ordenada por Alexandre de Moraes contra atos antidemocráticos

Brasil

A operação ocorre um dia após Moraes afirmar que “ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar” durante um evento em Brasília, quando falava sobre a repressão a movimentos antidemocráticos.

Confira a seguir o que se sabe até o momento e o contexto por trás da operação.

1. O que Moraes determinou?

A operação foi deflagrada por duas decisões de Moraes que estão em sigilo, mas algumas informações foram liberadas pelo STF.

O ministro determinou 103 medidas de busca e apreensão e quatro ordens de prisão, além de quebras de sigilo bancário e apreensão de passaportes.

Houve também medidas contra pessoas com porte de armas, com a suspensão de certificados de registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CACs).

Segundo o STF, também foi determinado o bloqueio de contas bancárias e de 168 perfis em redes sociais de dezenas de indivíduos suspeitos de organizar e financiar atos pela abolição do Estado Democrático de Direito e outros crimes.

“Os grupos propagaram o descumprimento e o desrespeito ao resultado do pleito eleitoral para Presidente e Vice-Presidente da República, proclamado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 30 de outubro último, além de atuar pelo rompimento do Estado Democrático de Direito e instalação de regime de exceção, com a implantação de uma ditadura”, informou ainda a Corte por meio de nota.

De acordo com a Polícia Federal, os mandados estão sendo cumpridos no Distrito Federal e em oito Estados: Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo.

A operação é tida como a maior já realizada contra financiadores de atos antidemocráticos.

2. Quem foi alvo da operação?

Moraes é o ministro relator de inquéritos que investigam atos antidemocráticos e a atuação de milícias digitais na propagação de notícias mentirosas que atentem contra o Estado Democrático de Direito. As duas decisões ocorreram no âmbito dessas investigações.

No caso da investigação sobre atos antidemocráticos, foram expedidos nesta quinta-feira 80 mandados de busca e apreensão contra grupos que atuaram no financiamento de bloqueios de rodovias e em manifestações em frente a quartéis das Forças Armadas.

Esses dois tipos de manifestação, que vêm ocorrendo em diversas cidades após a eleição de Lula, questionam o resultado do pleito e pedem algum tipo de intervenção que impeça a posse do petista.

Segundo o STF, a operação autorizada por Moraes se baseou em uma rede de investigação formada por relatórios de inteligência enviados pelo Ministério Público, pela Polícia Civil, pela Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal dos Estados.

“Os documentos identificaram patrocinadores de manifestações, de financiadores de estruturas para acampamentos, arrecadadores de recursos, lideranças de protestos, mobilizadores de ações antidemocráticas em redes sociais, além de donos de caminhões e veículos que participaram de bloqueios”, detalhou a Corte.

Essa investigação apura a atuação de três grupos suspeitos de envolvimento no crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 359 do Código Penal.

Um dos grupos é composto por supostos líderes, organizadores, financiadores, fornecedores de apoio logístico e estrutural para os bloqueios de rodovias.

O segundo grupo envolve proprietários e condutores de caminhões suspeitos de participar dos atos antidemocráticos e que foram autuados pela prática de infrações de trânsito de natureza grave ou gravíssima.

O terceiro grupo inclui proprietários e condutores de veículos que apoiaram os atos, com o transporte de pneus a serem queimados, estrutura para barracas, transporte de banheiros químicos, dentre outras ações.

No caso da investigação que apura a atuação de milícias digitais, as ações se concentraram no Espírito Santo. Lá, foram cumpridas 23 medidas de busca e apreensão envolvendo 12 pessoas, a partir de informações do Ministério Público do Espírito Santo, além de quatro prisões preventivas para manutenção da ordem pública, apreensão de passaportes e decretação de afastamento do sigilo bancário e sigilo telemático.

“As suspeitas são de crimes contra a honra (artigos 138, 139 e 140), além do crime de incitação ao crime (art. 286) e da tentativa de golpe de Estado (artigo 359-M), todos previstos no Código Penal”, detalhou o STF.

3. Quais autoridades foram atingidas?

Não foram divulgados nomes pelo STF ou a PF, mas já se sabe que, entre os alvos das medidas no Espírito Santo, estão os deputados estaduais Carlos Von Schilgen (Democracia Cristã) e Capitão Assumção (PL).

“Em relação a dois deputados estaduais investigados, o ministro determinou a imposição de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de deixar o estado, proibição de uso de redes sociais ainda que por interpostas pessoas, proibição de concessão de entrevistas de qualquer natureza e de participação em qualquer evento público em todo o território nacional. Em caso de descumprimento, há previsão de multa diária de R$ 20 mil”, informou o STF.

Após a operação, o Capitão Assumção protestou em suas redes sociais e repetiu que Lula não irá tomar posse, referindo-se ao petista como “ladrão”.

“URGENTE. PF na minha casa e no meu gabinete a mando de Alexandre de Moraes. Pratiquei o terrível crime de LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. #OLadraoNaoVaiSubirARampa”, escreveu no Twitter Assumpção, em referência ao momento em que o presidente eleito sobe a rampa do Palácio do Planalto para tomar posse do cargo.

Já Carlos Von Schilgen negou envolvimento em atos antidemocráticos, em fala ao portal G1.

“Eu nunca participei de nenhum ato, nunca fui a nenhuma manifestação justamente para não criar esse tipo de narrativa”, disse.

“Nunca me posicionei nas minhas redes sociais e nem mesmo na tribuna da Assembleia. Inclusive, nunca contestei nenhum resultado das eleições. Por isso, não entendo por que meu nome está envolvido nisso. Vão ter que provar o que estão dizendo. Essa historinha não vai prosperar”, afirmou ainda.

4. Qual o contexto por trás da operação?

Os inquéritos que investigam atos antidemocráticos e a atuação de milícias digitais têm atingido, principalmente, aliados e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que, desde antes da eleição, têm realizado atos ou propagado informações que contestam a lisura do sistema eleitoral brasileiro — sem apresentar provas que sustentem essas acusações.

Mesmo antes do pleito, Moraes determinou prisões, o bloqueio de contas bancárias e a suspensão de contas em redes sociais de apoiadores do presidente.

O presidente e seus aliados acusam Moraes de agir com autoritarismo. Já os que apoiam o ministro dizem que sua atuação é essencial para a proteção do regime democrático.

Na quarta-feira (14/12), durante o evento “STF em Ação”, Moraes afirmou que “tem muita gente para prender e muita multa para aplicar”.

Sua declaração se deu após o ministro do STF, Dias Toffoli, comentar a repressão à invasão do Capitólio (o Congresso dos Estados Unidos) em janeiro de 2021, por apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump, que não aceitavam a eleição do atual presidente, Joe Biden. Segundo Toffoli, 964 pessoas nos EUA já foram detidas e acusadas de crimes, sendo que 465 fizeram acordos e se declararam culpadas.

“Comparando os números, eu fiquei feliz com o que o ministro Dias Toffoli falou porque tem muita gente para prender e muita multa para aplicar. Quando se critica algo temos que entender quando isso começou a existir. No Brasil, diferente de outros países, a crítica é pela crítica. Todos devemos lembrar que (Adolf) Hitler tomou o país ganhando a eleição”, disse Moraes, após a fala de Toffoli, em referência ao líder alemão que instaurou o regime nazista na Alemanha na década de 30 do século passado.

5. Qual a relação dessa operação com o vandalismo em Brasília?

A três semanas da posse presidencial, a região central de Brasília foi palco de atos graves de vandalismo na noite de segunda-feira (12 /12), com ônibus e carros incendiados.

Os distúrbios foram atribuídos a bolsonaristas que estão há semanas acampados em Brasília contra a eleição de Lula.

O estopim foi a prisão temporária do indígena José Acácio Serere Xavante, por ordem de Moraes, sob a justificativa de que ele teria convocado pessoas armadas a atuarem para impedir a diplomação do petista e do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, cerimônia que ocorreu na segunda-feira de tarde e habilita os dois a tomarem posse no dia 1º de janeiro.

Pelo que se sabe até o momento, a operação desta quinta-feira não tem relação com esses atos, que ainda estão em fase de investigação.

A Polícia Militar do Distrito Federal foi alvo de críticas porque não houve qualquer prisão durante a ação de repressão para conter o vandalismo.

Na quarta-feira (14/12), Moraes fixou um prazo de 48 horas para que o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, expliquem quais foram as medidas adotadas contra os atos de vandalismo em Brasília.

Fonte: BBC