Esse porcentual refere-se a apenas um dia de atendimento e o levantamento é parte de uma iniciativa encabeçada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Domingo, 05/03/23
O Dia Mundial das Doenças Raras, celebrado no último dia do mês de fevereiro, trouxe à luz um assunto muito importante e pouco falado. Nessa esteira, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) está promovendo, a partir do Programa Metrô Social, uma ação chamada Somos Raros, Mas Somos Muitos, frase estampada na estação Clínicas do Metrô (Linha Verde).
Um levantamento feito pelo Instituto da Criança e do Adolescente do HCFMUSP mostrou que, em apenas um dia de atendimento – dia 15 de fevereiro, o dia do levantamento –, 70% das crianças internadas tinham alguma doença rara. Destas, 60% eram do sexo masculino e 40% do feminino, além de 70% dos casos serem congênitos, enquanto 45% relacionavam-se a doenças raras cirúrgicas do trato gastrointestinal e parede abdominal. Havia uma variedade quase sem repetição.
Uma doença é classificada como rara quando afeta até 65 pessoas em 100 mil habitantes. “Calcula-se que de 5% a 6% da população tenha alguma doença rara. Isso é um número muito grande que, no Brasil, deve chegar a 12 milhões, 13 milhões [de pessoas]. Cada doença isoladamente é rara, mas elas são muitas, então, o conjunto das pessoas com doenças raras é grande”, diz Magda Carneiro Sampaio, médica imunologista e titular da Pediatria da Faculdade de Medicina da USP. Estima-se que 75% das doenças raras afetam crianças, enquanto 80% dos casos têm origem genética.
O hospital atende cerca de 18 mil crianças e adolescentes com casos de alta complexidade, como doenças crônicas graves. Uma parte significativa delas é rara, sendo que, na genética, praticamente todas são, explica a médica. O hospital planeja fazer esse levantamento do perfil das pessoas internadas pelo menos uma vez por mês. Neste, foram analisadas crianças da enfermaria e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para crianças e recém-nascidos; “70% das crianças naquele dia tinham alguma doença classificada como rara”, diz Magda.
Ela diz que o que chama a atenção é a quantidade de malformações, dentre elas a gastrosquise (fechamento da parede abdominal), atresia esofágica (formação incompleta do esôfago), hérnia diafragmática (malformação do diafragma), problemas hepáticos e das vias biliares – que pode levar à cirrose e é a principal causa de transplante hepático na população. “Essas são as mais frequentes, mais prevalentes dentro desse conjunto das malformações congênitas. É importante a gente ressaltar que as malformações congênitas cirúrgicas são doenças raras, mas cujo diagnóstico, às vezes, é feito já no pré-natal”, explica Ana Tannuri, chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica e Transplante Hepático do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas.
Ela diz que as crianças operadas ainda no período neonatal têm uma qualidade de vida praticamente normal, principalmente nos casos em que as crianças têm acompanhamento durante todo o período. No caso do transplante hepático, a taxa de sobrevida é acima dos 90%. Por isso, a triagem neonatal é extremamente importante.
“Existem muitos grupos de doenças raras, mas normalmente o grupo das doenças cirúrgicas, como a Ana disse, do trato gastrointestinal, da parede abdominal, do diafragma, não é um grupo que tem grande visibilidade”, diz Magda. Em geral, são malformações isoladas e são crianças de bom prognóstico se forem tratadas e operadas cedo. “Aliás, são poucos os grupos e serviços de cirurgia pediátrica em nosso país”, diz.
Atendimento pós-cirúrgico
“As crianças transplantadas vão tomar imunossupressores para o resto da vida. Elas, de fato, necessitam de um seguimento para sempre”, diz Ana. Depois da cirurgia, os transplantados podem ser encaminhados para o serviço adulto das respectivas áreas. Em certos casos, o uso de medicamento contínuo é necessário, porém, com o diagnóstico precoce, a qualidade de vida é praticamente normal, explicam ambas as médicas.
Crianças de todo o País, até os 18 anos de idade, são referenciadas. “A gente vê a criança crescendo, se desenvolvendo. Você ter a condição de dar uma qualidade de vida a algumas crianças com malformações é uma coisa bastante recompensadora”, relata Ana.
“Por conta das condições cirúrgicas, as condições da UTI, da assistência anestésica, com evolução de todos esses fatores, inclusive da técnica cirúrgica, a gente tem praticamente 100% de sobrevida com uma qualidade excelente para as crianças”, complementa. Ela ainda lembra do caso da atresia do esôfago (formação incompleta do esôfago), que, no início do século, tinha uma mortalidade de praticamente 100%.
Genomas Raros
Atualmente, o Instituto da Criança e do Adolescente é um dos centros do Projeto Genomas Raros, um projeto em parceria com o Proadi, SUS, Hospital Israelita Albert Einstein e com o Ministério da Saúde, sob a coordenação do médico João Bosco Oliveira. Os centros estão espalhados pelo País inteiro e contam com 1.132 pacientes com suspeita de doenças genéticas que, por definição, são todas raras.
Nesse projeto, é colhido o trio, ou seja, o sangue do paciente, do pai e da mãe. “Está se formando um grande banco de dados genéticos da população brasileira de várias partes do País”, explica Magda. Esses dados poderão ser usados para conhecer melhor as doenças e mutações, mesmo em pessoas saudáveis que carregam as mutações, as chamadas doenças autossômicas recessivas. Quando o pai e a mãe têm a mutação no mesmo gene, a criança apresenta a doença, diz Magda.
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Fonte: Jornal USP