- Giulia Granchi
- Role,Da BBC News Brasil em São Paulo
- Quarta, 10 de maio de 2023
Com apenas três meses, o pequeno Calebe apresentou sintomas respiratórios que evoluíram para um quadro de gripe forte em poucos dias.
“Ele estava cansado, com congestão nasal intensa, mesmo tendo as vacinas em dia. Eu o levei para o hospital e o quadro evoluiu muito rápido”, conta sua mãe Silvina Nóbrega Menezes, 31.
O bebê apresentava um quadro de bronquiolite, uma inflamação dos bronquíolos, as menores vias respiratórias dos pulmões, geralmente causada pelo VSR (vírus sincicial respiratório).
Nos primeiros meses de vida, ainda sem a imunidade completamente formada, as crianças são ainda mais propensas a sofrerem com os efeitos do quadro.
“Ele foi direto receber oxigênio, mas depois, a saturação baixou demais e ele precisou ser intubado”, conta Silvina, que mora na cidade de Queimadas, na Paraíba, e precisou ir à cidade vizinha, Campina Grande, para ter o atendimento necessário.
A crise emergencial na Paraíba
O quadro que Calebe enfrenta não é incomum na Paraíba – o Estado tem registrado alta de casos das síndromes gripais infantis, que muitas vezes se agravam para SRAG (síndrome respiratória aguda grave), e sem tratamento adequado, pode levar à complicações severas, incluindo a morte.
Na Paraíba, observa-se entre todas as idades um aumento de casos de vírus respiratórios no ano de 2023, com variação de 234,78% quando comparado ao ano anterior. Os principais causadores são o VSR, adenovírus, rinovírus, influenza A e B.
Os casos de SRAG já causaram 12 óbitos no Estado, sendo seis em crianças.
“O cenário epidemiológico é similar aos de outros estados, mas aqui na Paraíba não temos muitos leitos de UTI e faltam pediatras – não somente pelo número baixo, mas por conta da concentração desses profissionais nas cidades maiores”, explica Maria do Socorro Martins, presidente da Sociedade Paraibana de Pediatria.
Para tentar minimizar os efeitos, 77 leitos de enfermaria e 26 leitos de UTI exclusivos para casos de SRAG foram distribuídos entre as principais cidades.
“Temos muitas crianças vindo de outras cidades, um cenário similar ao de idosos no começo da pandemia de covid-19. De março até a primeira semana de maio foram 48 mil crianças com síndrome gripal atendidas”, diz Maria do Socorro Martins
“Para muitas, principalmente no interior do Estado, não há profissionais capacitados, e o atendimento fica por conta de clínicos gerais, o que nem sempre é suficiente – vários pacientes já chegam em estado grave. Por isso estamos pedindo que colegas de outros Estados venham ajudar.”
Muitas famílias, como fez Silvina, precisam buscar atendimento médico nas cidades maiores. Campina Grande, por exemplo, tem hospitais que são referências para mais de 200 municípios próximos.
O secretário estadual de Saúde, Jhony Bezerra, confirma a falta de profissionais. Segundo ele, os leitos temporariamente disponibilizados formam uma estrutura capaz de atender aos casos.
“É preciso de profissionais como enfermeiros, fisioterapeutas por conta de ser o trato com síndromes respiratórias e de pediatras. A Sociedade Paraibana de Pediatria tem nos ajudado neste quesito, chamando profissionais para que nos ajudem a interiorizar a saúde e abrir mais leitos no sertão da Paraíba. No momento não há filas de espera por leitos pediátricos para síndromes respiratórias na Paraíba e as escalas relativas aos leitos já abertos seguem normalmente.”
O que é a SRAG
A SRAG pode ser causada por uma diferentes patógenos, incluindo vírus, bactérias e fungos, afetando os pulmões e o sistema respiratório, e podendo levar a complicações graves, como pneumonia, insuficiência respiratória e choque, especialmente para pessoas com sistemas imunológicos enfraquecidos.
Os sinais incluem tosse, falta de ar, respiração rápida e dificuldade em respirar. Além disso, os pacientes podem apresentar sintomas sistêmicos, como febre, fadiga e dores musculares.
A SRAG é mais comumente associada à infecção pelo vírus influenza, mas também pode ser causada por outros vírus respiratórios, como o coronavírus, o VSR e o adenovírus.
Os fatores que levaram a Paraíba à emergência
Circulação dos vírus respiratórios
A circulação sazonal dos vírus respiratórios mesmo antes do pico, que geralmente acontece nos meses de inverno, é um dos fatores que levou a Paraíba e outros estados a registrarem alta de casos.
Sem imunidade adequada e tratamento especializado em vários municípios do interior, muitas crianças já chegam para serem atendidas nas cidades maiores com evolução grave.
Baixa cobertura vacinal
Ainda de acordo com o secretário estadual de Saúde, embora os casos estejam ligados a um aumento sazonal, o agravamento dos quadros, evoluindo para situações graves e óbitos, se deve às baixas coberturas vacinais nos últimos anos.
Atualmente, a Paraíba conta com 25,71% das crianças entre 06 meses e menores de 6 anos vacinas contra influenza. O cenário de pouca adesão ao imunizante se repete em diferentes estados brasileiros.
Não há vacinas para o VSR (Vírus Sincicial Respiratório), adenovírus e rinovírus, mas os quadros causados por eles, quando tratados de forma adequada, costumam causar apenas infecções respiratórias leves.
Possível falta de imunidade adaptativa
A pediatra Socorro Martins sugere que o período que as crianças ficaram em casa durante a pandemia pode ter prejudicado que desenvolvessem imunidade adaptativa (ou específica), que é aquela que é gerada após a exposição a um patógeno específico e que confere proteção duradoura contra ele.
Na infância, a exposição a diferentes patógenos é importante para o desenvolvimento e maturação do sistema imunológico, já que as células aprendem a reconhecer e combater patógenos específicos.
“E agora os pequenos começam a ter contatos com vários de uma só vez. Já peguei painéis virais com dois, três vírus ao mesmo tempo.”
Casos de SRAG também aumentaram em outros Estados
O boletim mais recente do InfoGripe, plataforma de dados da Fiocruz, divulgado no dia 3 de maio, mostra o crescimento do VSR entre crianças nas últimas quatro semanas. O estudo é referente à Semana Epidemiológica (SE) 16, período de 16 a 22 de abril.
Os dados apontam que o VSR foi responsável por 48,6% dos casos de SRAG com resultado laboratorial positivo, enquanto o Sars-CoV-2 foi identificado em 29,5% — os casos de covid-19, de acordo com o documento, são predominantes em adultos, enquanto as crianças são, majoritariamente, acometidas por VSR.
No Espírito Santo, no Maranhão, no Pará, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, em Rondônia e em Sergipe, o InfoGripe observou sinal de aumento de SRAG concentrado fundamentalmente no público infantil, na maioria desses estados decorrente do VSR.
Na Bahia, no Ceará, no Mato Grosso do Sul, no Mato Grosso, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, foi observado o aumento de SRAG em diferentes faixas etárias.
No Acre, em Alagoas e no Tocantins, o sinal ainda é compatível com oscilação em período de baixa atividade.
“Embora para o VSR ainda não tenhamos vacina disponível, levar às crianças para tomar as vacinas contra a gripe e contra a Covid-19 reduz a chance das crianças terem problemas respiratórios por esses outros vírus que também são perigosos. Isso diminui a própria exposição das nossas crianças ao sincicial nos hospitais e postos de saúde”, ressaltou o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe.
Um apelo à vacinação e à proteção das crianças
A pediatra reforça a necessidade de vacinar as crianças contra a gripe sazonal causada pelo vírus influenza.
“Temos no nosso país dois tipos de vacina contra o Influenza, e ambas são de vírus inativado, seguras, e efetivas. Na rede pública, temos a vacina trivalente, disponível de 6 meses a 6 anos. Na rede privada, a vacina é a quadrivalente, disponível a partir de 6 meses e sem idade máxima.”
Para crianças menores de 9, a vacinação sempre será com 2 doses e intervalo de 30 dias.
A médica também destaca a importância de profissionais com experiência e conhecimento específico para atender os pequenos.
“Nos interiores do Brasil, pela falta presença do pediatra na atenção primária, muitas crianças não estão sendo acompanhadas como deveriam. Peço às mães e pais que busquem um médico especializado em infância para o acompanhamento de saúde dos filhos.”
Silvina, mãe de Calebe, também faz um apelo aos pais e responsáveis. “Usem máscara se tiverem sintomas, e não visitem recém-nascidos. É muito perigoso, e não desejo para nenhuma mãe o que vivi”, diz ela, compartilhando a boa notícia de que seu filho está respondendo ao tratamento e já não precisa mais da intubação.
Fonte: BBC Brasil