Importunação sexual: consequências jurídicas no âmbito cível e penal

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Por Andrinny Bastos de Almeida e Bianca da Silva Fernandes – Segunda, 5 de junho de 2023

A importunação sexual é um crime que vem ganhando destaque na sociedade brasileira em razão do crescente número de ocorrências, cujas vítimas são em grande maioria mulheres. É fato que tais violações sempre ocorreram, mas foi apenas em 2018, com a implementação da Lei nº 13.718/2018, que a importunação sexual passou a ser tipificada como crime no Código Penal brasileiro.

Com o crescente número de ações invasivas praticadas e a falta de medidas efetivas para coibir tais práticas (haja vista que tais agressões não se enquadravam em nenhum dos tipos penais existentes), foi necessária a criação deste tipo penal, com a finalidade de penalizar tais condutas.

Nesse sentido, analisar as diversas formas de violência praticadas, principalmente em face das mulheres e buscar coibir tais práticas, são ações extremamente necessárias. Além disso, compreender os desdobramentos advindos da prática desse crime na esfera cível se mostra necessário a medida que as vítimas podem também buscar a efetivação de seus direitos através dessa via.

Importunação sexual e suas consequências jurídico penais
Uma série de denúncias de assédio sexual em espaços públicos, como ônibus, metrô e festas, sofridas e denunciadas por mulheres, deu ensejo a inclusão desse tipo penal em nossa legislação. Apesar de ser um tipo penal bicomum (quando homem e mulher podem tanto ser vítima ou figurar como ofensor), o crime de importunação sexual ocorre na maioria dos casos contra mulheres.

O crime de importunação sexual consiste, portanto, na prática de atos libidinosos que visem a satisfação sexual do ofensor. Atos esses que não se amoldam em outros tipos penais já existentes.

Conforme consta no artigo 215-A, do Código Penal:

“215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”

Temos como exemplos clássicos, que foram em mais de uma oportunidade, pautas de programas televisivos: homens que se masturbam em transporte público em frente a alguma mulher; os que ejaculam em determinada passageira que está presente no mesmo meio de transporte; atos de frotteurismo, que consiste na excitação sexual do ofensor em tocar (órgãos genitais e/ou seios) e/ou se esfregar (genitais contra o corpo) em pessoa que não permitiu.

Todos esses atos, infelizmente, são comuns em meios de transporte público, mas o lugar não é uma regra, podendo ocorrer em vários outros lugares e situações diversas, levando às vítimas a terem sérios danos psicológicos em razão de terem passado por esse trauma.

Importante salientar que para o crime de importunação sexual ser configurado é necessário o dolo com finalidade específica, ou seja, o agente deve ter o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de outrem, mediante aquele ato sexual praticado.

Em razão disso, deve, portanto, ter uma vítima determinada, a quem deseja constranger sexualmente. Logo, o fato, por exemplo, de um indivíduo se masturbar ou se despir em local público, não visando constranger uma vítima determinada, não configura importunação sexual, mas sim outro crime: ato obsceno. Isso porque, atingem uma de coletividade de pessoas e não apenas uma pessoa determinada.

Importante ressaltar que os atos libidinosos aqui discutidos não serão considerados como crime de importunação sexual quando praticados contra menores de quatorze anos. Nesse caso, os atos lascivos praticados serão caracterizados como estupro de vulnerável, conduta descrita no artigo 217-A, do Código Penal.

No que se refere ao tipo de ação penal, trata-se de ação penal incondicionada, ou seja, a ação penal tramitará perante o judiciário, podendo o agente ser condenado por esse crime, mesmo que a vítima não manifeste interesse nisso ou que sequer tenha levado o fato ao conhecimento das autoridades competentes.

Importa mencionar que, a edição da Lei nº 13.718/2018 foi de extrema importância por criminalizar tal conduta, transformando esses atos em crimes de médio potencial ofensivo. Afinal, antes da edição da referida lei, os atos libidinosos aqui tratados, eram considerados uma contravenção penal, ou seja, crime de menor potencial ofensivo, além disso eram punidos apenas com a pena de multa. Atualmente, a pena decorrente da sua prática é de reclusão de um a cinco anos, se não constituir crime mais grave.

Ainda, devemos atentar para o fato de que para que se configure a importunação sexual, não poderá haver o emprego de força ou grave ameaça. Havendo algum desses elementos, o ato será configurado como estupro, constante no artigo 213 do Código Penal, que é um crime hediondo, assim como o estupro de vulnerável.

Por se tratar de um crime de médio potencial ofensivo, pois sua pena máxima é superior a quatro anos, o delegado de polícia, frente a um caso de prisão em flagrante, por crime de importunação sexual, não pode arbitrar fiança. O benefício da fiança poderá ser ofertado ao ofensor apenas pelo Juiz, em audiência de custódia ou a requerimento da parte.

Contudo, durante a persecução penal, poderá ser ofertado ao agente a Suspensão Condicional do Processo, se este vier a cumprir os requisitos necessários constantes no artigo 77 do Código Penal. Além disso, não sendo caso de aplicação do benefício de suspensão condicional do processo, o Ministério Público poderá ofertar ao infrator o Acordo de Não Persecução Penal, benefício constante no artigo 28-A, do Código de Processo Penal.

Em ambos os casos tratados acima, sendo aceita a Suspensão Condicional do Processo ou o Acordo de Não Persecução Penal, a pena será extinta e o processo arquivado. A vítima não pode intervir nessa negociação, pois ela é realizada entre o Ministério Público e o ofensor, somente. Em ambos os casos, o infrator cumpre uma medida penalizadora (de forma antecipada), imposta pelo Ministério Público, como prestação de serviços a comunidade, por exemplo, por determinado período de tempo, e, após o seu devido cumprimento, o expediente/processo é arquivado, e esse fato sequer constará em sua ficha criminal.

Os mecanismos e benefícios disponíveis ao ofensor, por muitas vezes, fazem com que as vítimas se sintam impotentes, pois, ficam com a sensação incapacidade e impotência frente a essas situações, em razão dos benefícios disponíveis na lei ao ofensor.

Contudo, é importante mencionar que as vítimas que passam por situações descritas nesse crime, além da esfera penal, podem buscar a esfera cível para ver reparados os danos sofridos pelas práticas desse crime.

Da independência entre as esferas penal e cível
Tendo em vista que uma mesma conduta pode caracterizar ilícito penal e ilícito cível, admite-se a independência entre essas esferas, havendo a possibilidade de ações simultâneas com finalidades distintas.

Nesse sentido, o fato delitivo objeto de análise desse estudo, qual seja importunação sexual, enseja além da instauração de inquérito para possível distribuição de ação penal, também a ação de natureza civilista que visa garantir a reparação dos danos materiais e morais amargados pela vítima.

Cumpre salientar que a condenação do indivíduo em uma instância, não implica em condenação automática na outra, pois, via de regra, as instâncias irão apurar a responsabilidade de maneira totalmente independente, sob o fundamento do Princípio da Independência das Instâncias, já consagrado no artigo 935 do Código Civil e no artigo 66 do Código Penal, bem como em diversas legislações especiais que tutelam especificamente a independência das instâncias administrativa, criminal e cível dentro do contexto da legislação específica proposta.

Frisa-se que a independência entre as instâncias encontra alguns limites, por exemplo, uma vez que a existência do fato delituoso e as questões de autoria do fato foram decididas pelo juízo criminal não há possibilidade de se perquirir sobre esses aspectos nas demais instâncias.

Ademais, é crucial destacar que sentença absolutória em instância criminal não é impeditivo para ajuizamento de ação de reparação na instância cível, isso porque o fato pode não constituir um ilícito penal, mas assim mesmo pode gerar danos passíveis de reparação, conforme autoriza o artigo 67, III do Código Penal.

Da ação indenizatória civil para reparação dos danos nos casos de importunação sexual
Conforme preceitua o binômio composto pelos artigos 186 e 927 do Código Civil, aquele que causar dano a outrem, ainda que exclusivamente de ordem moral, está obrigado à reparação.

Dessa maneira, o delito de importunação sexual não visa proteger tão somente o aspecto sexual e a privacidade das vítimas, mas também a dignidade do ser humano, a sua liberdade, a integridade física e moral, sua vida e sua honra.

Nesse diapasão, são esses bens jurídicos tutelados nos crimes contra a dignidade sexual e além do caráter privado das sanções, busca-se também a proteção da moralidade pública sexual, cujos padrões devem pautar a conduta das pessoas, preservando-se outros valores igualmente importantes para a sociedade, o que se encaixa na função de prevenção geral da pena privativa de liberdade.

Portanto, nos crimes de importunação sexual, o bem jurídico essencialmente protegido é a dignidade sexual, de onde se ramifica a necessidade de proteção à honra — objetiva e subjetiva —, visando resguardar não só a reputação do indivíduo no meio social, mas também o seu sentimento de dignidade e respeito próprio, a sua autoimagem, a valoração de si mesmo.

Assim, insta referir que estabelece o artigo 5º, inciso X, da Constituição, in verbis: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Portanto, uma vez ocorrida a violação dos bens jurídicos tutelados no artigo 5º, X da CF acima colacionado, os quais são garantidos pelo Princípio da Dignidade Humana, é cristalino que este fato delituoso deve ser objeto de reparação, com a imposição da sanção correspondente, inclusive pecuniária, mediante solicitação expressa do ofendido.

A indenização postulada na esfera cível pretende a reparação dos danos morais experimentados. Acerca dos danos morais há consenso na doutrina e na jurisprudência que o dano moral seria a violação a um dos direitos da personalidade previstos no artigo 11 do Código Civil, justamente àqueles já citados acima, como por exemplo, a violação do direito ao nome, à imagem, a privacidade, à honra, à boa fama, à dignidade etc.

Cabe ao juízo que aprecia o caso verificar cuidadosamente se determinada conduta ilícita, dolosa ou culposa, causou prejuízo moral a alguém, provocando sofrimento psicológico, o que parece inerente aos crimes sexuais.

Já nas lições de Sílvio de Salvo Venosa, o dano moral é um prejuízo imaterial, ou seja, afeta diretamente a saúde psíquica da vítima, o que não é dificil de se observar nos casos de importunação sexual, circunstância em que a vítima se vê exposta à conduta vexatória, o que abala largamente a imagem que possui de si mesma e em muitos casos verificamos a culpabilização da vítima por ter sofrido a importunação.

Nesse aspecto, a indenização moral deve ser fixada de acordo com as circunstâncias do caso in concreto, levando em consideração a ofensividade da conduta e a extensão do dano moral causado, sendo que essa indenização pecuniária além do dever de reparar o prejuízo moral da vítima, possui uma função pedagógica característica da pena pecuniária, que é justamente educar o ofensor e reprimir futuras condutas semelhantes por parte do mesmo, uma vez que mexe no “bolso” do acusado.

Além da reparação por danos morais, ainda é possível demandar no juízo cível para que o ofensor seja condenado a arcar com os danos materiais experimentados pela vítima, comprovando-se o nexo causal entre a conduta de importunação sexual e o prejuízo financeiro sofrido. Por exemplo, nos casos em que a vítima precisará de acompanhamento psicológico com profissional da área ou ainda a utilização de medicamentos para tratamento psicológico.

Conclusão
Verifica-se a importância da alteração legislativa no que se refere aos crimes sexuais capitulados no Código Penal Brasileiro, haja vista que através dessa atualização é possível atribuir uma pena justa a cada conduta criminosa, levando em consideração o seu grau de gravidade.

Contudo, embora a tipificação das práticas de importunação sexual signifiquem um grande avanço, muitas são as críticas, no que se refere ao procedimento da persecução penal. Isso porque, questiona-se a efetividade da Justiça Criminal quando comparamos os benefícios disponíveis ao agressor e a pena prevista em casos desse tipo.

Conforme foi abordado, em razão da pena mínima desse crime ser de um ano, são cabíveis os benefícios da suspensão condicional do processo, bem como do acordo de não persecução penal ao acusado. Sendo aplicados um dos dois institutos e cumpridas as exigências, o processo será devidamente arquivado.

Nesse sentido, é comum que a vítima que busca a efetivação de seus direitos perante à esfera penal, buscando uma resposta do Estado para o constrangimento sofrido, fique com a sensação incapacidade e impotência, quando tais benefícios legais são ofertados ao agente.

Logo, embora a vítima não consiga a condenação do acusado pelo crime de importunação sexual, poderá buscar a esfera cível para ver o seu direito garantido. Isso porque, conforme demonstrado, as esferas civil e penal são independentes, ou seja, uma não depende da outra para o seu desenvolvimento.

É evidente que prática de tais atos repercutem em graves prejuízos às vítimas, que terão que seguir com suas vidas, lidando com os traumas sofridos, independente do resultado da persecução penal.

Nesse sentido, a ação indenizatória se mostra uma medida plausível à pessoa que sofreu de fato esse constrangimento. Além de uma indenização pelo abalo moral sofrido, resta possível a reparação pelos danos causados, sejam financeiros, de ordem psicológica, entre outros.

Importa admitir que a independência entre as esferas penal e cível, permite que se opere o direito integrativo e humanizado, possibilitando às vitimas uma melhor sensação de reparação integral e justiça, especialmente pela celeridade da reparação no juízo cível em detrimento do longo caminho a ser percorrido na esfera penal desde a instauração do inquérito policial em fase pré-processual.

Portanto, além da esfera penal, o processo cível é uma alternativa disponível às vítimas que visam uma resposta efetiva pelo mal advindo da prática criminal perpetrada pelo ofensor. Pois, além de ressarcir os danos causados à pessoa ofendida, em razão de sua prática criminosa, compreenderá o caráter pedagógico da reprimenda em resposta a sua conduta.

Fonte: Conjur

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