O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve iniciar na quinta-feira (22/06) o julgamento de uma ação que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu candidato a vice, Walter Braga Netto (PL), inelegíveis por até oito anos.
O julgamento vem sendo bastante aguardado por parte da cena política uma vez que Bolsonaro é visto como o principal líder da direita no Brasil e maior adversário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) hoje.
Se a decisão acarretar na inelegibilidade, Bolsonaro ficaria impedido de concorrer às eleições presidenciais de 2026, entretanto, o ex-presidente ainda poderia apelar contestando a sentença.
Diante da expectativa em torno do julgamento, a BBC News Brasil consultou especialistas em Direito Eleitoral sobre os três principais cenários que podem ocorrer ao longo do julgamento que pode definir o futuro do ex-presidente.
Segundo eles, o julgamento deverá ser demorado, diferentemente do que ocorreu com o ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que foi jullgado em uma única sessão e terminou com seu mandado cassado.
Eles afirmam que um cenário com pedido de vistas não está descartado, o que paralisaria o julgamento.
Entretanto, eles também afirmam que, caso isso ocorra, é possível que outros ministros da Corte adiantem seus votos, o que indicaria qual é a tendência no tribunal em relação ao caso.
Alvo de 16 ações
Bolsonaro enfrenta 16 ações na Corte. O caso mais avançado é um processo movido pelo PDT ainda no ano passado e que será julgado agora.
Nele, a chapa da qual Bolsonaro faz parte é acusada de ter cometido abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social quando reuniu em julho de 2022 dezenas de diplomatas no Palácio da Alvorada para apresentar falsas teorias sobre a insegurança das urnas e atacar ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O encontro ocorreu antes do início da campanha eleitoral, em que Bolsonaro foi derrotado por Lula em votação no segundo turno. A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) se manifestou a favor da condenação de Bolsonaro.
A defesa do ex-presidente, por sua vez, argumenta que o evento não tinha caráter eleitoral e que o então presidente usou sua liberdade de expressão para manifestar preocupações legítimas sobre a integridade das eleições brasileiras.
Caso seja condenado, Bolsonaro pode ficar inelegível e impossibilitado de disputar cargos públicos. A pena pode ser ampliada a Braga Netto, que hoje é apontado como pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições de 2024.
Como a BBC News Brasil mostrou nesta semana, apesar da importância do julgamento, a mobilização da militância bolsonarista nas redes sociais ainda é dispersa.
Julgamento sumário? Improvável
Especialistas afirmam que o julgamento de Bolsonaro dificilmente acontecerá na mesma velocidade do que cassou o mandato do agora ex-deputado Deltan Dallagnol.
Dallagnol foi cassado por unanimidade pelo TSE em uma sessão realizada no dia 16 de maio.
Ele era acusado de ter burlado a Lei da Ficha Limpa ao pedir exoneração do seu cargo de procurador da República para fugir de eventuais punições em processos administrativos.
Dallagnol e sua defesa rebateram as acusações e alegam que ele era inocente.
O julgamento foi marcado pela rapidez com que o caso foi finalizado. Em pouco mais de uma hora, todos os ministros votaram pela condenação do ex-deputado.
O advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, e a advogada Juliana Bertholdi, que também tem especialização na área, avaliam que a tendência é que o caso de Bolsonaro não seja resolvido da mesma forma e que uma sentença, no cenário mais rápido, só saia nos próximos dias.
“Esses julgamentos são imprevisíveis, mas há uma indicação de que o julgamento pode demorar mais porque houve uma reserva das três próximas sessões do TSE para esse caso. Não é um procedimento comum e isso pode indicar que a expectativa dentro do tribunal é de que as discussões sejam longas”, afirma Bertholdi.
“A gente espera que o relator (ministro Benedito Gonçalves, o mesmo do caso de Deltan) faça um voto bastante longo, que pode tomar todo o espaço da sessão de quinta-feira. Isso levaria o caso para continuar a ser julgado na semana seguinte”, diz Rollo.
Bertholdi aponta que um dos motivos pelos quais o julgamento de Bolsonaro deve ser mais longo que o de Deltan é a natureza distinta dos casos.
No episódio envolvendo o ex-deputado federal, Deltan era alvo de um processo para avaliar a regularidade do registro de sua candidatura. Bolsonaro, por outro lado, é alvo de uma ação de investigação judicial eleitoral (AIJE).
“Uma ação para registro de candidatura é um processo mais simples. Você avalia se os requisitos foram preenchidos e decide. Uma AIJE, por outro lado, é mais complexa, envolve uma série de procedimentos como a coleta de provas, testemunhas e isso pode fazer com que o processo de análise dos julgadores seja mais demorado”, afirma.
Rollo afirma que um dos motivos para que o julgamento de Bolsonaro possa ter um andamento diferente do de Deltan é o “tamanho político” do ex-presidente.
“Bolsonaro é maior que Deltan, e há uma expectativa sobre as mensagens que os ministros irão passar à sociedade durante o julgamento. Acredito que parte dos ministros vai aproveitar o julgamento para enviar mensagens jurídico-políticas sobre o caso”, diz.
Pedido de vista: possibilidade concreta
Um dos cenários possíveis durante o julgamento de Bolsonaro é que algum dos ministros ou ministras do TSE peçam vistas do processo, o que pode atrasar a conclusão do caso.
O pedido de vistas é um procedimento previsto por lei e tem o objetivo de dar mais tempo a um determinado magistrado para analisar melhor as provas ou teses apresentadas tanto pela defesa quanto pela acusação.
O uso da medida em algumas cortes como o STF é criticado porque não há punições para os magistrados que demoram a devolver o processo para que ele possa ser finalizado.
Operadores do Direito afirmam que a ferramenta também pode ser usada para, politicamente, atrasar o julgamento de um determinado caso.
No TSE, no entanto, uma resolução aprovada em fevereiro deste ano estabeleceu um prazo máximo a ser cumprido pelos magistrados em caso de pedido de vistas.
Pela nova regra, os ministros podem pedir vista por 30 dias renováveis por apenas mais 30 dias.
“Qualquer magistrado ou magistrada pode pedir vistas. Caso isso ocorra, o julgamento só deve ser finalizado no segundo semestre”, diz Rollo.
O plenário do TSE é composto por sete ministros. Três são oriundos do STF: Alexandre de Moraes (atual presidente), Cármen Lúcia e Kássio Nunes Marques. Outros dois são do Superior Tribunal de Justiça (STJ): Benedito Gonçalves (corregedor) e Raul Araújo Filho. Os outros dois são membros da advocacia: Floriano de Azevedo Marques Neto e André Ramos Tavares.
Nas últimas semanas, a expectativa em torno de um eventual pedido de vistas ficou sob Kássio Nunes Marques, que foi indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2020.
A possibilidade de que ele pudesse pedir vistas do processo, atrasando o julgamento, vem sendo levantada por analistas políticos por conta da suposta proximidade entre Kássio Nunes Marques e Bolsonaro.
Apesar disso, segundo o portal UOL, o ministro classificou essa possibilidade como “pura especulação”.
“Nunca tratei desse assunto com ninguém; pura especulação”, disse o ministro ao portal.
Votos podem ser antecipados?
Um terceiro cenário avaliado por Alberto Rollo é a possibilidade de que os ministros e ministras do TSE adiantem seus votos mesmo diante de um pedido de vistas.
Por tradição, sempre que isso ocorre, o processo é suspenso, e os ministros que ainda faltarem votar aguardam o reinício do julgamento para proferirem seus votos.
Rollo, no entanto, avalia que diante da importância do caso, é possível que os demais ministros possam adiantar seus votos.
“Ainda que haja um pedido de vistas, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, pode perguntar aos demais ministros se eles querem divulgar seus votos. Isso já deixaria uma indicação clara sobre qual o desfecho mais provável do julgamento”, afirma.
Como a corte é composta de sete magistrados, são necessários quatro votos para condenar ou absolver um réu.
Juliana Bertholdi diz que a possibilidade de antecipação de votos existe, embora não seja usual.
Ela diz, porém, que apesar de os votos poderem ser antecipados e uma maioria formada, isso não significa que o julgamento estará virtualmente encerrado.
“O regimento permite que haja mudanças nos votos dos ministros mesmo depois que eles proferem suas posições. Ou seja: vamos ter, realmente, que esperar o fim do julgamento para saber o que vai acontecer”, afirma a advogada.
Fonte: BBC