Não se automedicar e desenvolvimento de formas eficientes de tratamento dos resíduos ajudam a minimizar o impacto, diz o professor Eduardo Bessa Azevedo
Por Alessandra Ueno – Quinta, 22 de junho de 2023
Quando se fala em poluição, plásticos, dejetos e rejeitos industriais vêm à mente. Porém, os resíduos farmacêuticos também contaminam o meio ambiente, sobretudo os corpos d’água como rios e oceanos.
“Todos nós ingerimos uma grande quantidade de fármacos que é, em parte, absorvida pelo nosso corpo. Mas a gente os excreta pela urina, pelas fezes, e isso vai parar nos locais receptores: vai ser tratado, se a cidade tiver estação de tratamento, mas sempre vai passar um pouquinho“, diz o professor Eduardo Bessa Azevedo, do Instituto de Química de São Carlos da USP.
Comparação
Um estudo publicado na revista Environmental Toxicology and Chemistry revelou que 43,5% dos 1.056 rios analisados ao redor do mundo possuem altas concentrações de resíduos farmacêuticos. Ainda soma-se a isso o fato de o Brasil estar entre os cinco maiores produtores de lixo no mundo, segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Mas a dúvida é qual dos poluentes é mais prejudicial ao meio ambiente: os fármacos ou os plásticos e rejeitos?
“Tudo é contaminação. Como eu costumo brincar com meus alunos: O que é um barril de veneno com uma gota de champanhe? Eles respondem ‘veneno’. E o que é um barril de champanhe com uma gota de veneno? Também é veneno. Eu não beberia o champanhe desse barril sabendo que ele tem uma gota de veneno. Contaminação não é uma questão de quantidade ou de que meio ela está: está contaminado, está contaminado“, explica Bessa.
Porém, um agravante dos fármacos, também já analisado em microplásticos em estudos recentes, é a biomagnificação. Esse fenômeno é a capacidade da substância química em acumular no organismo de forma crescente na cadeia alimentar. “Conforme a gente vai subindo na cadeia alimentar, desde as plantas até o topo, o animal, se o poluente for solúvel em gordura, ele pode bioacumular. Por isso, mesmo que, em água, a concentração seja baixinha, quando chegamos no topo da cadeia, muito provavelmente, ela será muito alta. A gente tem que lembrar que, normalmente, quem está no topo da cadeia somos nós”, acrescenta o especialista.
Atitudes
Para minimizar esses números e diminuir o acúmulo dos fármacos que biomagnificam no topo da cadeia, é preciso um esforço da comunidade científica para buscar melhores formas de tratamento desses resíduos: “Não é que as atuais estações de tratamentos sejam ineficientes, elas são muito boas, mas não foram projetadas para esses tipos de contaminantes. Então, a comunidade científica também precisa desenvolver novos tratamentos que sejam capazes de remover a atividade biológica da água“, comenta o professor. Entretanto, segundo dados do Conselho Federal de Farmácia, até 2019, cerca de 77% da população brasileira se automedicava.
Assim, o especialista ressalta que, além de maneiras de retirar os fármacos do ambiente, é fundamental o auxílio da população: “Quanto mais remédios a gente toma, mais resíduos a gente gera. Precisamos consumir o mínimo de remédios e devolver os frascos utilizados para a farmácia para que o descarte correto seja feito. A gente não pode descartar o remédio de qualquer maneira. Se nós fizermos a nossa parte, eu acredito que a situação melhore muito“, ressalta.
Embora a concentração de fármacos não seja tão grande na água que ingerimos, o futuro é uma preocupação: “A gente não sabe dizer certamente como esse tipo de contaminação vai influenciar a sociedade porque os estudos estão muito no início ainda e os efeitos não acontecem em pouco tempo. A concentração dos fármacos nas águas é muito baixa, então, a gente pode tomar água sem problema. O que a gente quer saber é o que acontecerá conosco depois de 10, 20, 30 anos tomando água com quantidades muito pequenas de algo. Será que vai desenvolver alguma doença? Será que há alguma alteração significativa? É uma coisa que ainda será respondida“, analisa Bessa.
Fonte: Jornal USP