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123 Milhas entra com pedido de recuperação judicial

Brasil

Agência de viagens suspendeu pacotes e a emissão de passagens de sua linha promocional na última sexta-feira (18).

A agência de viagens 123 Milhas entrou com pedido de recuperação judicial nesta terça-feira (29). O requerimento foi feito à 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Além do próprio CNPJ da 123 Milhas, também entram no pedido de recuperação as empresas Art Viagens, empresa suporte para emissão de passagens por milhas, e a Novum, holding que detém 100% do capital da agência de viagens.

“As sociedades Requerentes operam em harmonia entre si e dependem uma da outra para a continuidade de sua operação. Esse é o motivo do ajuizamento do presente Pedido de Recuperação Judicial em litisconsórcio ativo”, diz a petição inicial dos advogados da 123 Milhas.

“É inegável, pois, que o processamento do presente pedido de recuperação judicial em consolidação processual é imprescindível para assegurar o almejado soerguimento: somente uma solução global pode resolver a situação de crise atualmente por elas enfrentada, de modo a assegurar a continuidade de suas atividades e o cumprimento de sua função social”, prossegue o texto.

Como justificativa do pedido, os advogados alegam que as empresas estão enfrentando “a pior crise financeira desde suas respectivas fundações”. Dizem que fatores internos e externos “impuseram um aumento considerável de seus passivos nos últimos anos” .

Esta reportagem está em atualização

Suspensão de pacotes

No dia 18 de agosto, a 123 Milhas suspendeu os pacotes e a emissão de passagens de sua linha promocional. A medida afeta viagens já contratadas da linha “Promo”, de datas flexíveis, com embarques previstos de setembro a dezembro de 2023.

Com a decisão, que causou revolta entre clientes e gerou memes nas redes sociais, a empresa recebeu uma notificação do órgão de defesa do consumidor de São Paulo, Procon-SP, e deve ser investigada pela CPI das Pirâmides Financeiras da Câmara dos Deputados.

Nesta reportagem, você vai entender:

  • O que é a 123 Milhas?
  • Quem são seus donos?
  • Como funciona o modelo de pacotes promocionais?
  • O que aconteceu e o que diz a 123 Milhas?
  • A empresa já passou por situações semelhantes?
  • A companhia corre o risco de falir?

O que é a 123 Milhas?

A 123 Milhas é uma agência de viagens online, que oferece a compra de passagens, hospedagens e outros serviços e produtos de viagens (como pacotes, seguros e aluguel de carros).

O que foi suspenso pela empresa foram os pacotes e a emissão de passagens com datas flexíveis, chamadas de “Promo” — que normalmente oferecem valores abaixo da média do mercado porque são garimpados com preços promocionais e em datas que estão fora das altas temporadas.

Em nota, a companhia informou que a decisão deve-se à “persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, entre eles a alta pressão da demanda por voos, que mantém elevadas as tarifas mesmo em baixa temporada, e a taxa de juros elevada.”

“A 123 Milhas ressalta que a linha Promo representa 7% dos embarques de 2023 da companhia”, informou a empresa.

Quem são os donos da 123 Milhas?

O pedido de recuperação judicial mostra que são três os sócios e administradores da 123 Milhas:

  • Ramiro Julio Soares Madureira (60%);
  • Augusto Julio Soares Madureira (20%);
  • Tânia Madureira (20%).

Os três são proprietários da Art Viagens e da Novum Investimentos e Participações. A Novum, por sua vez, tem 100% do capital da 123 Viagens e Turismo.

A empresa, que fica sediada em Belo Horizonte (MG), havia anunciado no começo deste ano a fusão de seus negócios com a MaxMilhas. À época, as empresas informaram que a decisão teria o objetivo de “expandir as operações” e fortalecer a atuação das duas companhias no mercado nacional.

Com a fusão, o grupo se tornou uma das maiores agências de viagens online do país. Vale lembrar, no entanto, que as operações das duas empresas continuaram independentes após a junção de negócios e que, nesse sentido, a decisão da 123 Milhas não deve afetar as operações da MaxMilhas.

Como funciona o modelo de pacotes promocionais da 123 Milhas?

A operação dos pacotes promocionais da 123 Milhas acontece da seguinte forma:

  • É feita uma aposta em preços baixos de passagens e hospedagens para oferecer valores abaixo do mercado;
  • As viagens não têm data previamente marcada porque é necessário garimpar os dias de voo e estadia mais baratos possíveis;
  • Desde a flexibilização de circulação com o arrefecimento da pandemia, a procura da população por viagens aumentou;
  • Com mais demanda, a inflação de serviços — passagens aéreas, hospedagens, restaurantes, passeios — passou a impactar o valor total das viagens;
  • A empresa passou a não encontrar opções dentro da faixa de preços cobrada de seus clientes;
  • As viagens promocionais, portanto, sinalizavam um prejuízo à frente;
  • A alternativa, nessas situações, acaba sendo a de adiar ou cancelar as viagens.

O que aconteceu e o que diz a empresa?

Em comunicado divulgado na última sexta-feira (18), a agência de viagens 123 Milhas informou que suspendeu os pacotes e a emissão de passagens de sua linha promocional (com datas flexíveis) e que tenham embarques previstos de setembro a dezembro de 2023.

De acordo com a companhia, a decisão não afeta os demais produtos ofertados. Veja a nota da empresa na íntegra:

“A 123milhas decidiu suspender, no dia 18 de agosto de 2023, as emissões de passagens e pacotes da linha PROMO (com datas flexíveis) com previsão de embarque de setembro a dezembro de 2023. As vendas desse produto já haviam sido interrompidas na última quarta-feira (16/08). Todos os demais produtos da 123milhas permanecem sem nenhuma alteração.

A decisão deve-se à persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, entre eles, a alta pressão da demanda por voos, que mantém elevadas as tarifas mesmo em baixa temporada, e a taxa de juros elevada. A 123 milhas ressalta que a linha PROMO representa 7% dos embarques de 2023 da companhia.

Os valores pagos pelos clientes que adquiriram produtos da linha PROMO com embarque previsto para setembro, outubro, novembro e dezembro de 2023 serão integralmente devolvidos em vouchers, com correção monetária de 150% do CDI – acima da inflação e dos juros de mercado. Os vouchers podem ser usados por qualquer pessoa para compra de outros produtos da 123milhas.

As medidas referentes à linha PROMO são uma decisão responsável da 123milhas, no sentido de preservar os valores pagos pelos clientes. A empresa continua comprometida com o propósito de proporcionar a mais pessoas experiências mais acessíveis em viagens e turismo.”

A empresa já passou por alguma situação semelhante?

Apesar de não ter passado pela suspensão da venda de produtos, a empresa já havia sido notificada pelo Procon-SP em agosto de 2022 sobre a não entrega de bilhetes aéreos e vouchers de hospedagem.

À época, o órgão de defesa do consumidor pediu que a empresa enviasse documentos que demonstrassem a quantidade de consumidores que tinham a prestação de serviços em aberto nos meses de julho e agosto do ano passado, o plano de devolução dos valores pagos pelos clientes que não tiveram o serviço entregue e o envio de passagens e comunicados a essas pessoas.

Além disso, o Procon-SP também havia dito que a empresa precisaria detalhar informações sobre os pacotes de viagens que oferecia, especificando os serviços agregados em cada um, além de demonstrar a “viabilidade de cumprimento contratual nos termos da oferta e comercialização do produto ‘Promo'” — o mesmo que foi suspenso pela companhia neste mês.

A companhia corre risco de falir?

A 123 Milhas havia informado inicialmente que sua linha de pacote promocionais representa apenas 7% de todos os embarques feitos pela companhia em 2023 e também destacou que os demais produtos oferecidos seguiriam sem nenhuma alteração.

Mas advogados ouvidos pelo g1 na semana passada reforçaram que o cenário já poderia servir como um sinal de alerta para a situação financeira da 123 Milhas.

De acordo com a diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP), Renata Abalém, a sinalização que a empresa tem dado é que não consegue honrar os produtos que já foram comprados.

“E isso evidencia não só uma situação de má gestão, como também uma possível crise financeira”, disse a especialista.

Já para o especialista em direito do consumidor e presidente da ICA Advocacia, Igor Coelho, no entanto, ainda não há indícios de que a empresa estaria enfrentando dificuldades financeiras, uma vez que a companhia já informou que “cumprirá normalmente com todos os demais serviços e produtos comercializados.”

“Como vários órgãos do governo notificaram a empresa para prestar esclarecimento […], certamente teremos maiores informações a respeito da situação financeira da empresa nos próximos dias”, disse Coelho.

O especialista reforça, ainda, que a obrigação da 123 Milhas é a de promover “a integral reparação dos danos a todos os clientes prejudicados”.

“Caso a empresa declare, de forma fundamentada, que não irá conseguir arcar com todos os prejuízos decorrentes da quebra dos contratos com os consumidores, poderá haver uma negociação desta devolução mitigada de valores […] que, certamente, será coordenada pelo órgão regulador competente”, completou Coelho.

Houve alguma sanção contra a empresa?

Após a decisão da 123 Milhas e de uma série de reclamações de clientes, o ministro do Turismo, Celso Sabino (União-PA) afirmou que o governo adotou uma série de sanções à companhia.

De acordo com ele, a Pasta suspendeu a 123 Milhas de um cadastro nacional de empresas do setor, que possibilitaria a aquisição de empréstimos e financiamentos por meio de bancos oficiais com linhas de crédito ligadas ao governo.

“O Ministério do Turismo já suspendeu o cadastro da 123 Milhas no Cadastur, tem um cadastro feito por empreendedores do turismo e que possibilita a aquisição de empréstimos, de financiamento, de leasing”, disse Sabino.

O CadasTur é um sistema que reúne empresas e pessoas físicas que prestam serviços no setor de turismo. A plataforma é gerenciada pelo ministério da área em parceria com os órgãos oficiais de turismo, nos 26 estados e no Distrito Federal. No caso de agências de turismo, o cadastro é obrigatório para o pleno funcionamento da empresa.

*Colaboraram André Catto, Beatriz Borges, Luiz Felipe Barbieri, Paula Salati e Raphael Martins.

Fonte: G1