Andreas Noll – Domingo, 24 de setembro de 2024
Vizinhos europeus buscam desenvolver em conjunto sistemas de armamentos para o futuro. Em ambos os países, no entanto, a resistência é grande, tanto no campo político quanto industrial.
Mais carga simbólica seria impossível: a fim de superar a crise franco-alemã num projeto de cooperação de armamentos, o ministro da Defesa da França, Sébastien Lecornu, convidou seu homólogo alemão, Boris Pistorius, para ir a Evreux. Nessa cidade, pouco mais de 90 quilômetros a noroeste de Paris, a cooperação entre os dois países funciona do modo como os políticos pregam há décadas.
É na Normandia que opera o esquadrão de transporte aéreo binacional. Um marco para a estreita cooperação militar acordada no Tratado do Eliseu em 1963. Enquanto a Brigada Franco-Alemã separa quase todas as unidades por nacionalidade, tripulações mistas atuam nos transportes em Evreux, e o pessoal de terra também vem dos dois países.
Outros projetos já fracassaram
Por outro lado, nuvens pesadas cercam a cooperação de armamentos entre França e Alemanha. Rivalidades industriais e interesses políticos pesam muito na concepção do tanque franco-alemão MGCS, de grande prestígio para o presidente francês, Emmanuel Macron. Então recém-eleito para o cargo, em julho de 2017, ele e a então chanceler federal alemã, Angela Merkel, concordaram com uma lista de projetos conjuntos de armamento com custos superiores a 100 bilhões de euros.
O sistema de combate aéreo europeu de última geração Future Combat Air System (FCAS) estava nesse projeto, bem como uma aeronave de reconhecimento marítimo, um drone capaz de portar armamentos e um novo tanque de guerra: o sistema de combate terrestre Main Ground Combat System (MGCS) deveria substituir o francês Leclerc e o alemão Leopard 2 a partir de 2035.
Países disputam liderança
Os custos de desenvolvimento do MGCS devem ser compartilhados entre Paris e Berlim, o qual estaria encarregado do projeto. A França, por sua vez, assumiria a frente do FCAS. Inicialmente o MGCS deveria ser desenvolvido pela KNDS, uma holding formada pela alemã KMW e pela fabricante de tanques francesa Nexter, associada ao governo.
Desde que a Rheinmetall entrou nos trabalhos em 2019, porém, os franceses reclamam de uma predominância alemã. Agora o projeto pode ser aberto a outros países. Itália e Holanda estariam interessadas em ser observadores, de acordo com Lecornu.
Jacob Ross, da Sociedade Alemã para Política Externa (DGAP), vê essa manobra como um “movimento importante”. A mudança no cronograma – o MGCS só deve entrar em operação depois de 2040 – também segue esse padrão. “Mas isso não é um avanço para o projeto”, diz Ross. Especialmente porque a Alemanha e a França também não chegaram a um acordo sobre questões secundárias em Evreux.
Vizinhos com planos diferentes
O que mais causa controvérsia entre alemães e franceses é o principal armamento do MGCS: enquanto a Rheinmetall prefere um canhão de 130 milímetros, a Nexter insiste em 140 milímetros. A disputa por milímetros é importante em termos militares, pois o calibre determina as capacidades da arma, e quem se impuser nessa questão provavelmente definirá o padrão da Organização do Tratado do Alântico Norte (Otan) para as próximas décadas. Em meados de 2023, uma reunião informal entre o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, e Macron não resultou em nenhuma definição.
Nas últimas semanas, as equipes militares em Berlim e Paris apresentaram suas demandas numa lista de exigências conjunta. Pistorius e Lecornu aprovaram a lista em Evreux. Até dezembro se decidirá de quais partes do sistema de tanques cada país assumirá a coordenação.
Consequências da guerra na Ucrânia
No passado, o fato de Alemanha e França terem objetivos estratégicos diferentes e de as empresas buscarem interesses opostos impediu que o projeto avançasse. Após a invasão russa na Ucrânia, a demanda por tanques de batalha Leopard 2 tem aumentado, e os fabricantes alemães querem garantir esse mercado para si, atualizando o mais rápido possível seus veículos.
Em Evreux, os ministros enfatizaram que os países – e não as indústrias – devem definir os requisitos exatos dos pedidos. A França, em particular, insiste num sistema totalmente novo. Além dos métodos de combate clássicos, ele incluiria fogo eletromagnético, fogo a laser e combate em rede por meio de inteligência artificial. Veículos autônomos também poderiam acompanhar o tanque tripulado por soldados.
Alemanha busca mais poder?
Os resultados provisórios da iniciativa franco-alemã são modestos: a aeronave conjunta de reconhecimento marítimo foi excluída, e a Alemanha está comprando aeronaves dos Estados Unidos para esse fim. Berlim também se retirou do projeto conjunto do helicóptero de combate Tiger.
O mudança de paradigma alemã (anunciada por Scholz como “Zeitenwende“) alterou as relações de forças, analisa Élie Tenenbaum, do think tank Instituto Francês de Relações Exteriores. Sob o comando de Scholz, Berlim decidiu se tornar a força motriz no pilar europeu da Otan.
“A Alemanha quer cooperar, como fez com a defesa antimísseis europeia, com um grupo de nações europeias menores. E a França não tem lugar nessa constelação.”
Simbolismo não é suficiente
Durante o encontro de ministros da Defesa, o anfitrião Lecornu foi efusivo ao comemorar o relacionamento com o homólogo alemão, que enfatizou seu amor pela França. Pistorius conhece o país e o idioma, não apenas por passar férias lá, mas também graças a seus estudos de francês na Universidade Católica de Angers.
Parece questionável que apelos ao simbolismo sejam capazes de salvar o projeto. É possível que os parlamentos nacionais tenham a desagradável tarefa de enterrar outro projeto franco-alemão de armamento. Afinal, os deputados precisam aprovar o financiamento para cada etapa. No Bundestag (a câmara baixa do Parlamento alemão) as críticas estão aumentando; e na Assembleia Nacional da França, Macron depende do apoio da oposição, que é bastante crítica em relação ao MGCS.
O abandono do projeto não se dará sem danos colaterais, crê Jacob Ross: “Se o MGCS fracassar, o caça FCAS também cai. O Bundestag decidiu isso explicitamente. Para Macron, sobretudo, tal seria uma enorme perda de prestígio, que a oposição exploraria com toda força.”
Fonte: DW