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Domingo, 18 julho 2021
Em 1639 o Japão adotou uma política conhecida como sakoku (país fechado), pela qual a nação asiática fechava suas portas para o resto do mundo, proibindo tanto a entrada quanto a saída de pessoas.
Quem entrasse ou saísse do país seria condenado à morte.
Esse isolamento durou mais de 200 anos, até que, em 1853, um oficial naval americano chamado Matthew Perry entrou no que hoje é a Baía de Tóquio com uma frota de combatentes.
Perry conseguiu forçar o Japão a se abrir ao comércio internacional, mas o país continuou a proibir seus cidadãos de deixar o território.
Foi somente com a chegada do imperador Meiji, 15 anos depois, que o Japão permitiu a imigração.
Ele não apenas permitiu, mas também a encorajou.
Meiji aplicou políticas estatais que representaram uma virada de 180 graus para o país asiático.
Ele acabou com o sistema feudal e começou a transformar o país de uma economia agrária em uma industrial e capitalista.
O processo de modernização realizado durante a chamada Era Meiji, entre 1868 e 1912, acabaria por tornar o Japão uma das potências mundiais.
Mas as reformas inspiradas no Ocidente foram tão rápidas que causaram transformações sociais quase instantâneas, levando milhares de pessoas das áreas rurais para as cidades.
Grandes centros urbanos, como Tóquio e Osaka, começaram a ter problemas de superlotação.
Foi nesse contexto que começou a primeira grande onda de imigração japonesa.
Os imigrantes, que mais tarde seriam conhecidos como Nikkei, deixaram seu país em busca de melhores oportunidades, incentivados por um governo que buscava não só resolver o problema da superpopulação, mas também ampliar a influência política e econômica do Japão no mundo.
Primeiro destino
A primeira imigração japonesa para o exterior ocorreu em 1868 e o destino era o Havaí, que na época ainda não fazia parte dos Estados Unidos.
Era um pequeno contingente de 148 trabalhadores rurais.
“O Havaí exigia mão de obra para a agricultura, principalmente em suas fazendas de açúcar, e foi firmado um acordo com o rei do arquipélago”, disse à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, a historiadora Cecilia Onaha, professora do Centro de Estudos Japoneses (CEJ) da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina.
De acordo com registros do Museu Nacional de História Americana, muitos desses primeiros imigrantes mais tarde se mudaram para os Estados Unidos, estabelecendo-se na Califórnia, Washington e Oregon.
Os Estados Unidos passaram a ser o principal foco dos imigrantes japoneses desde o comodoro Matthew Perry.
“Quase toda a migração daquela época foi para os Estados Unidos ou Canadá, porque eram os países que pagavam os melhores salários”, explica Onaha.
Estima-se que entre 1886 e 1911 mais de 400 mil japoneses foram para os Estados Unidos, de acordo com a Biblioteca do Congresso daquele país. A maioria se estabeleceu no Havaí ou na Costa Oeste.
A onda de imigração japonesa foi tão grande que no início do século 20 o governo dos Estados Unidos decidiu intervir, proibindo novas chegadas do Japão.
Foi essa limitação que levou muitos japoneses e o governo daquele país a se interessarem por um novo destino: a América Latina.
A colônia Enomoto
O primeiro projeto oficial de imigração para a América Latina foi organizado em 1897, quando cerca de 30 japoneses foram enviados a Chiapas, no sul do México.
Foi por iniciativa do ex-chanceler japonês Enomoto Takeaki, um dos maiores promotores da imigração japonesa.
Em 1891, quando chefiava o Ministério das Relações Exteriores, Enomoto estabeleceu um escritório dedicado a buscar novos territórios para os japoneses no exterior.
Depois de deixar o governo, em 1893, ele fundou a Associação para a Colonização e Emigração (Shokumin Kyokai).
Segundo o acadêmico Alberto Matsumoto, especialista em história da imigração japonesa, Enomoto se interessou pelo México porque este país assinou um Tratado de Amizade e Comércio com o Japão em 1888.
Em 1891, quando era chanceler, ele estabeleceu naquele país o primeiro consulado do Japão na América Latina.
O então presidente mexicano, Porfirio Díaz, “estava promovendo a entrada de capital estrangeiro para desenvolver infraestrutura e ficou feliz em receber imigrantes para povoar o país”, conta Matsumoto em uma série que escreveu para o site Descubra Nikkei.
“Estudos feitos pelo governo do Japão na época concluíam que eles poderiam lucrar muito com a agricultura, algo que depois se mostrou não ser uma aventura tão fácil”, afirma.
O pequeno grupo de colonos japoneses chegou ao Estado de Chiapas com a intenção de instalar uma plantação de café. Mas as dificuldades climáticas e a aquisição de usinas não adequadas para aquela região levaram ao fracasso do projeto em pouco tempo.
A chamada colônia Enomoto se desintegrou e, segundo Matsumoto, a grande maioria das pessoas foi para outras partes do México “em busca de horizontes mais promissores”.
Imigração por contrato
O fracasso do projeto não acabou com a imigração japonesa para o México, entretanto.
O governo de Porfirio Díaz outorgou novas concessões para a exploração de minas e construção de ferrovias, e as empresas responsáveis exigiram mais mão de obra do que poderiam obter no México.
A imigração por contrato atraiu milhares de trabalhadores estrangeiros ao país latino-americano.
No livro Destino México: um estudo das migrações asiáticas ao México, séculos 19 e 20, a autora María Elena Ota Mishima destaca que entre 1900 e 1910 chegaram 10 mil trabalhadores japoneses ao México.
A grande maioria acabou cruzando a fronteira com os Estados Unidos.
Ciente desse fenômeno, o governo dos Estados Unidos assinou acordos para limitar também a imigração japonesa para o México.
É por isso que a comunidade japonesa no México acabaria sendo consideravelmente menor que a do Brasil e do Peru, as duas nações sul-americanas que mais atraíram trabalhadores japoneses no início do século 20.
Peru e Brasil
Os primeiros japoneses a chegar ao Peru e ao Brasil eram imigrantes contratados.
No final do século 19, o Peru necessitava de mão de obra para sua crescente indústria açucareira e foi assim que chegaram os primeiros 790 nikkeis, em 1899, contratados para trabalhar em fazendas no litoral.
De acordo com o Museu da Imigração Japonesa no Peru, esse primeiro grupo era formado inteiramente por homens, mas foi seguido por outros 82 grupos – já formados por mulheres e crianças – até 1923, quando terminou a imigração por contrato.
No Brasil, a imigração japonesa só começou em 1908, com a chegada de 781 camponeses contratados para trabalhar na cafeicultura.
Mas uma década depois, o maior país da América Latina se tornaria o principal pólo de atração dos japoneses.
Dos quase 245 mil japoneses que imigraram para a América Latina na década de 1940, três quartos – 189 mil pessoas – foram para o Brasil, segundo registros da Agência Japonesa de Cooperação Internacional.
Em comparação, 33 mil japoneses chegaram ao Peru, 15 mil ao México e 5.000 à Argentina.
Impacto
Segundo Onaha, “muitos dos que vieram para a América Latina nas primeiras décadas do século 20 tinham a intenção de arrecadar dinheiro e voltar para o Japão, mas a derrota na guerra acabou com esse objetivo”, diz o historiador.
“A imigração em massa de japoneses termina nos anos 1970, quando não há mais imigrantes japoneses no exterior porque a economia do país já está desenvolvida”.
O poder econômico do Japão reverteu o fenômeno migratório nas últimas décadas, levando alguns nisseis (filhos dos nikkeis) ou sansei (netos dos nikkeis) a se mudarem para o país.
Onaha destaca a marca profunda deixada no Japão pelo fenômeno migratório latino-americano.
“A América Latina é tão importante para o Japão que hoje a maior comunidade japonesa no exterior é a do Brasil”, destaca.
“Enquanto isso, os brasileiros se tornaram a terceira maior minoria dentro do Japão na década de 1990, depois de coreanos e chineses.”
Fonte: BBC