A China encara a Agroecologia

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Por décadas, país abraçou a “revolução verde”, até tornar-se grande consumidor de agrotóxicos e químicos. A orientação mudou: florescem experimentos baseados em nova relação com a natureza e segurança alimentar. Vale conhecê-los

por Ding Ling e Xu Zhun – Domingo, 22 de dezembro de 2024

Quando se fala sobre questões ecológicas e agrícolas contemporâneas no mundo, a chamada “Revolução Verde” surge inevitavelmente como um assunto, sobre o qual a China tem uma ligação profunda.1

No Livro Branco do governo dos EUA sobre a China, de 1949, Washington atribuiu a Revolução Chinesa ao fato de que o país tinha muita gente e pouca terra. Essa historiografia malthusiana foi amplamente refutada pelo Presidente Mao Zedong em seu eloquente ensaio A falência da concepção idealista da história. Mas o malthusianismo ainda dominaria as concepções de desenvolvimento e de política social em todo o mundo por um longo tempo. Sua conclusão política imediata de que o problema social/revolucionário poderia ser resolvido por meio de melhorias tecnológicas na produção de alimentos foi a essência da Revolução Verde.

Após a vitória da Revolução Chinesa, os esforços imperialistas para controlar a China e todo o Terceiro Mundo sofreram um golpe significativo. Para combater a onda revolucionária na Ásia, os imperialistas voltaram seu foco para outro grande país asiático, a Índia. Paul Hoffman, administrador do Plano Marshall dos EUA e presidente da Fundação Ford no início da Guerra Fria, observou certa vez: “Se em 1945 tivéssemos embarcado [na Índia] em um programa desse tipo [o programa de desenvolvimento rural em Taiwan] e o tivéssemos levado adiante a um custo anual não superior a 200 milhões dólares por ano, o resultado final teria sido a China completamente imunizada contra o apelo dos comunistas. A Índia é hoje, na minha opinião, o que a China era em 1945”.2

Os comentários de Hoffman refletiam a motivação subjacente à Revolução Verde que, como agora é amplamente admitido, não era verdadeiramente “verde” ou ecológica, mas tinha como objetivo principal distinguir-se da “Revolução Vermelha”.

Discutir questões ecológicas e a Revolução Verde no contexto chinês pode, às vezes, ser uma experiência paradoxal. Por um lado, o conceito de civilização ecológica tornou-se central no discurso dominante na China graças ao impulso dos formuladores de políticas no país. Termos relacionados a esse conceito, como redução de emissões, baixo carbono e energia renováveis, tornaram-se muito familiares para o público em geral. As pessoas preferem comprar produtos verdes e livres de poluição, e até mesmo preferem comprar os principais alimentos diretamente dos agricultores em mercados locais. Essa consciência profundamente enraizada das questões ecológicas talvez seja notável em escala global. Na China, o ceticismo em relação à transição ecológica e a negação da crise climática global são invisíveis, pelo menos em nível oficial. Esse é um dos benefícios diretos trazidos pela ênfase e pela crença de longo prazo da China na ciência.

Por outro lado, no entanto, os setores governamentais e não governamentais da China geralmente têm um entendimento ambíguo do significado da civilização ecológica e da transformação ecológica. Um dos pontos mais destacados disso, por exemplo, é a percepção da Revolução Verde. Na China, a Revolução Verde – ou pelo menos uma parte dela, os chamados cultivos híbridos de alto rendimento – ainda tem um apoio inabalável, o que é bem diferente da percepção internacional sobre a Revolução Verde.

Em um sentido amplo, a atitude da China em relação à Revolução Verde está diretamente relacionada ao seu contexto histórico. No processo da construção socialista da China, muitas atividades de pesquisa científica para o benefício do povo foram organizadas pelo governo ou pelas massas por iniciativa própria, em especial os esforços para ajudar o campo a aprimorar seus métodos de produção agrícola e a cultivar boas sementes. As tecnologias produzidas como resultado dessa pesquisa científica, como novas variedades de sementes, eram frequentemente promovidas em áreas adequadas a preços baixos e não ficavam apenas nas mãos de poucos. Outras partes essenciais da Revolução Verde, como recursos hídricos e fertilizantes, também eram propriedade comum do povo, como no caso das comunas populares, que construíram instalações coletivas de água que, décadas depois, ainda funcionam.

Porém, por mais especial que seja o contexto histórico da Revolução Verde na China, isso não altera o fato básico de que a Revolução Verde em si não era “verde”, mas parte da civilização industrial. O presidente chinês Xi Jinping argumentou que a China precisa fazer a transição de uma civilização industrial para uma civilização ecológica. Qual é a diferença entre as duas? Essencialmente, em termos de relações de produção, a principal característica da civilização industrial não é a indústria, mas sim a relação altamente desequilibrada e desarmônica entre os seres humanos e a natureza. Desde o surgimento da sociedade de classes, sempre houve uma contradição entre as áreas urbanas e rurais e, nos últimos dois ou três séculos, essa desarmonia atingiu níveis insustentáveis sem precedentes. Portanto, o Presidente Xi Jinping enfatizou que, no contexto de contradições tão profundas, é necessário construir uma civilização ecológica. Esse conceito é caracterizado pela necessidade de reparar a relação contraditória entre os seres humanos e a natureza. A questão chave não é haver ou não indústria, mas sim em que medida a relação altamente tensa entre seres humanos e natureza, e entre os seres humanos e o meio ambiente, que se desenvolveu nos últimos séculos, foi resolvida.

Nas últimas duas décadas, pesquisadores marxistas preocupados com questões ecológicas, como o estadunidense John Bellamy Foster, descobriram ferramentas teóricas importantes, como a “ruptura metabólica” que nos ajudam a entender as importantes questões ecológicas que surgiram na era do capitalismo. Desde a virada do século XXI, algumas universidades chinesas têm usado livros didáticos de economia dos EUA para a formação de seus estudantes. Alguns desses livros impressionaram os autores deste artigo, como aqueles que enaltecem a grandeza do capitalismo e da economia de mercado, grosso modo, da seguinte maneira: “Imagine que você mora em uma cidade dos Estados Unidos e, quando se levanta de manhã, pode tomar café cultivado na África, comer frutas produzidas na América Latina e usar roupas feitas no Leste Asiático”. Esses tipos de imagens e narrativas de prosperidade, sem dúvida, alimentaram a fé cega no capitalismo e na economia globalizada. Do ponto de vista ecológico, essa prosperidade da economia de mercado, na verdade, contém as sementes da desordem e da destruição. Uma economia de mercado altamente desenvolvida envolve um grande volume de comércio de longa distância, onde o café africano, as frutas latino-americanas, contendo o trabalho da população local e a fertilidade da terra, são enviados para Nova Iorque e a Europa para se tornarem bens de consumo. Depois que os nutrientes são absorvidos nas cidades das economias de mercado desenvolvidas, as sobras acabam se transformando em lixo. Entretanto, nas sociedades agrícolas tradicionais, esses resíduos não são lixo, mas sim uma fonte valiosa de nutrientes para o solo. Na ausência do comércio de longa distância e do frequente movimento inter-regional de materiais, esses nutrientes voltariam para o local de onde vieram e seriam reciclados. No entanto, atualmente, especialmente nos últimos dois séculos de globalização e mercantilização altamente desenvolvidas, surgiu uma grande contradição: a fertilidade da terra está sendo transportada de seu local de origem para outras regiões na forma de produtos, e os nutrientes produzidos nunca têm meios para retornar, o que, por sua vez, leva a uma diminuição da fertilidade no local de produção, o que, a longo prazo, é insustentável e destrutivo.

O fenômeno da concentração da fertilidade do campo na cidade e sua posterior transformação em lixo é a base material do conflito urbano-rural contemporâneo. Nos últimos dois séculos, durante os quais o capitalismo se tornou gradualmente dominante, duas ondas de Revolução Verde aconteceram no mundo. A primeira ocorreu no século XIX, antes do surgimento do conceito de “revolução verde” e do desenvolvimento da indústria química moderna. Naquela época, a forma de aumentar a fertilidade do solo era extrair excrementos de aves, ou guano, das pequenas ilhas espalhadas pelas Américas. Para extrair o guano, muitos trabalhadores chineses foram levados para a região para trabalhar como “coolies3

A base da revolução agrícola na Europa e nas Américas naquela época incluía a mão de obra chinesa barata e o fertilizante não renovável de guano. A segunda onda de revolução verde surgiu com a ascensão da indústria química no século XX, quando variedades de cultivos sensíveis a fertilizantes foram desenvolvidas para sustentar a produção agrícola e os fertilizantes compostos – com diferentes proporções de nitrogênio, fósforo e potássio – passaram a ser amplamente utilizados na agricultura.

Independentemente de qual Revolução Verde se trate, é possível observar que a lógica subjacente é de manter ou até mesmo expandir a ruptura metabólica. Isso foi alcançado por meio da introdução contínua de fontes externas de fertilidade, fundamentalmente baseada na superexploração do trabalho, na contaminação e no esgotamento insustentável do meio ambiente. A lógica determina que isso não resolverá nem mesmo aliviará os problemas ecológicos e, de fato, na prática isso não aconteceu. A Revolução Verde produziu enormes custos ecológicos. Por exemplo, como a agricultura da Revolução Verde se baseou em apenas algumas variedades de alta produtividade de cada cultura, o sistema original de variedades diversas dos cultivos indianos desapareceu gradualmente. A degradação da terra também foi uma das principais consequências negativas da Revolução Verde. O uso excessivo de fertilizantes químicos alterou a comunidade microbiana do solo e aumentou a salinidade da terra, levando à degradação física e química do solo.4

A Revolução Verde da China, apesar de seus benefícios iniciais generalizados e do uso relativamente baixo de produtos químicos em geral, ainda viu os coletivos rurais empreenderem alguns esforços de conservação ecológica, o que limitou os danos ambientais durante o período das comunas. No entanto, depois que a China dissolveu as comunas e entrou em uma economia de mercado, inúmeros pequenos agricultores, impulsionados pelas forças do mercado, aumentaram rapidamente o uso de produtos químicos e os impactos negativos da Revolução Verde da China tornaram-se gradualmente aparentes. Nos anos 1970, cada quilo de produção de grãos na China correspondia a apenas 20 gramas de fertilizante, em média. Em 2010, cada quilo de produção de grãos correspondia a 110 gramas de fertilizante.5

Em apenas algumas décadas, a China se tornou o maior consumidor de fertilizantes do mundo. Anualmente, a China usa mais de 30% dos fertilizantes e pesticidas globais em menos de 9% da terra arável do mundo.6

O uso excessivo de fertilizantes e pesticidas fez com que a agricultura ultrapassasse o setor industrial como a principal fonte de poluição de superfície na China. Podemos continuar nesse caminho de forte dependência de fertilizantes químicos e pesticidas? Essa situação é claramente insustentável.

Pode-se contrapor a essa afirmação com a seguinte pergunta: rejeitar a Revolução Verde significa que todos nós deveríamos passar fome? Tomando a Índia como exemplo, é verdade que a produção de alimentos do país aumentou – se olharmos apenas para a produção em um determinado período de anos após a Revolução Verde. No entanto, a produção total de alimentos da Índia antes da Revolução Verde já estava aumentando de forma relativamente constante, e a Revolução Verde não acelerou essa tendência.7

De 1950 a 1965, a produção de trigo da Índia aumentou 4% ao ano. Durante cerca de 20 anos após a introdução da Revolução Verde (1968-1984), a produção de trigo aumentou aproximadamente 5,6% ao ano, o que é a principal evidência geralmente citada para afirmar a Revolução Verde na Índia. Entretanto, o trigo não é um alimento básico na Índia, e seu status é muito inferior ao do arroz. Enquanto a produção de arroz aumentou em 3,5% ao ano antes da Revolução Verde, esse aumento caiu para menos de 2% nas duas décadas que a seguiram. Portanto, se analisarmos todo o suprimento de alimentos da Índia, a produção aumentou 2,8% ao ano por doze anos antes da Revolução Verde, mas caiu para 1,9% ao ano durante sua implementação, retornando a 2,5% ao ano alguns anos após a Revolução Verde. Analisando os dados alimentares de longo prazo, a Revolução Verde não teve um impacto significativo na solução dos problemas alimentares da Índia.8

Ao olharmos para a questão alimentar global, podemos observar que nos últimos 40 anos, aproximadamente, a produção de grãos per capita em todo o mundo permaneceu basicamente estagnada. Esse indicador ultrapassou 370 quilos no início dos anos 1980, mas tem se mantido em um nível baixo por décadas desde então, muitas vezes nem mesmo atingindo os níveis dos anos 1980. Embora tenha havido um ligeiro aumento na última década, ele ainda não ultrapassou os 390 quilos.9

As últimas décadas foram uma era em que a Revolução Verde e a agricultura industrial dominaram o mundo todo, mas a capacidade da humanidade de se alimentar não teve nenhuma melhora significativa.

Em outras palavras, mesmo que esqueçamos as questões ecológicas por um tempo, o potencial da Revolução Verde para aumentar a produção de alimentos em geral se esgotou, e a mera manutenção da situação exige a dependência contínua de insumos de combustíveis fósseis de alta intensidade. Mas para um gigante como a China, essa possibilidade não existe. Por um lado, a China decidiu alcançar reduções significativas de carbono. O sistema alimentar industrializado implica uma grande quantidade de emissões de carbono. As pesquisas mais recentes sugerem, por exemplo, que o sistema alimentar foi responsável por até um terço do total de emissões de carbono em 2018.10

Se for necessário reduzir as emissões na produção e no processamento de alimentos, o consumo de combustível fóssil no setor agrícola terá que ser reduzido. Por outro lado, a decisão da China de reduzir as emissões  ocorre no contexto da mudança climática global, que está provocando um aumento nas temperaturas médias, uma diminuição da água glacial e um aumento no clima extremo, o que, sem dúvida, terá um enorme impacto na produção agrícola. Em condições desfavoráveis, o rendimento de culturas como trigo, arroz e milho na China pode diminuir de 20% a 30% até 2050.11

Nesse cenário, “diminuir os riscos” da segurança alimentar deve ser prioridade máxima. A agricultura do modelo da Revolução Verde não tem resiliência diante dos riscos devido à prevalência de monoculturas e à alta dependência de condições externas, o que dificulta que seja uma base para a segurança alimentar.

A história da construção socialista na Coreia do Norte nos dá outra lição importante. A construção socialista da Coreia do Norte teve grandes conquistas, mas a agricultura do país é essencialmente baseada em combustíveis fósseis e na Revolução Verde. Já durante a era Kim Il Sung, a Coreia do Norte propôs a eletrificação da agricultura, e seu desenvolvimento agrícola alcançou bons resultados, superando em muito o da Coreia do Sul. No entanto, isso dependia da importação de petróleo e do uso intensivo de fertilizantes. De 1961 a 1991, o uso de fertilizantes e a produção de cereais tiveram uma tendência geral de aumento. No início da década de 1990, devido ao impacto das mudanças geopolíticas, a utilização de fertilizantes caiu 90%, o que levou a uma queda significativa na produção de grãos e desencadeou o que é conhecido como Revolução Verde na Coreia do Norte. Isso levou a um período de escassez de alimentos, que na Coreia do Norte é chamado como “Marcha da Miséria”.12

Naquela época, a indústria pesada da Coreia do Norte já era uma das melhores do nordeste asiático, mas o país pagou um alto preço pela completa dependência da agricultura industrial baseada na importação de petróleo.

De fato, os exemplos da China e da Coreia do Norte trouxeram lições importantes para os países do Terceiro Mundo. Do ponto de vista ambiental e ecológico, o Terceiro Mundo não pode depender da industrialização e dos combustíveis fósseis para resolver seus problemas agrícolas; e os combustíveis fósseis não são uma opção confiável do ponto de vista geopolítico e de redução de riscos. Se o Terceiro Mundo quiser realmente resolver seus problemas de segurança alimentar sem desenvolver uma dependência da chamada “ordem internacional baseada em regras” dos Estados Unidos, ele deverá passar por uma transformação ecológica o mais rápido possível.

Para um país como a China, que já depende da agricultura industrializada, será que uma transição ecológica levaria a uma perda de produção e, portanto, ameaçaria a segurança alimentar? A transição ecológica certamente não pode ser feita sem custos. No entanto, se a China puder enfrentar as limitações da Revolução Verde e realmente começar a explorar a transição para uma civilização ecológica, ela poderá fazer uso total de seus próprios pontos fortes para minimizar o impacto da transição ecológica na segurança alimentar.

Uma condição importante que a China possui é a existência de amplas organizações partidárias de base. Essas organizações têm prestígio no coração das pessoas e são guiadas pela linha de busca do socialismo e da construção de uma civilização ecológica. Nos últimos anos, houve uma série de experiências importantes e bem-sucedidas das organizações partidárias de nível local liderando cooperativas, que garantiram a segurança alimentar e mantiveram o equilíbrio ecológico. Nos casos que estudamos, seja a criação de arroz e camarão nas áreas de lagos da planície de Jianghuai, ou a criação de animais na região do planalto de Qinghai-Tibet, o poder econômico dos coletivos e a liderança política do partido tornaram possível garantir a sustentabilidade ecológica, fazendo com que a agricultura fosse centrada nas pessoas e não no lucro, e levando em conta a ecologia e a produção do ponto de vista político.

Em março de 2022, no condado de Wuhu por exemplo, o distrito de Wanzhi criou uma cooperativa especializada liderada por uma organização partidária para promover o desenvolvimento da indústria de arroz regenerativo. A cooperativa fornece toda uma cadeia industrial de serviços para os produtores de arroz regenerativo em 33.000 mu (equivalente a 2.200 hectares) no distrito e garante que a produção total da primeira e da segunda safra se estabilize em mais de 900 quilos.13

O arroz regenerativo usa os resíduos de arroz para brotar novamente mudas e espigas, sem o uso de pesticidas e com apenas uma pequena quantidade de fertilizante, para garantir a produção de alimentos e também para obter benefícios ecológicos.

O principal setor estabelecido pela cooperativa liderada pelo partido no povoado de Dongba, município de Liulang, distrito de Wanzhi, é a “co-cultura de arroz e camarão”, um modelo agrícola composto que integra o cultivo de arroz com a criação de camarão. Em agosto de 2023, a Cooperativa do povoado de Dongba havia atraído 171 membros. Em agosto de 2022, por meio de transferências de terras, a cooperativa consolidou terras de dois grupos de moradores para cultivo contíguo. Depois que a terra foi consolidada e melhorada em seu conjunto, a cooperativa dividiu 260 mu (17,3 hectares) de terra em 11 lotes de tamanhos variados, o maior com mais de 60 mu (4 hectares) e o menor com mais de 10 mu (0,67 hectares). Enquanto cultivavam arroz de alta qualidade, eles abriram valas circulares ao redor dos lotes para a criação de camarões, implementando práticas padronizadas de transplante, gerenciamento e cultivo. Ao devolver diretamente a palha de arroz aos campos como alimento rico para os camarões da próxima estação, esse baixo aporte de fertilizantes nitrogenados ainda gerou alta produtividade. Esse método não apenas abordou a questão da utilização da palha, como também aumentou a produtividade, reduziu os custos, promoveu práticas agrícolas ecológicas e melhorou a eficiência do uso da terra.

Durante a pesquisa de campo, grupos de garças foram vistos se alimentando nos campos de arroz. Os funcionários do povoado observaram que antes essas aves raramente eram vistas na área. No entanto, desde a introdução da co-cultura de arroz e camarão, o uso de pesticidas e fertilizantes nos campos de arroz foi reduzido em pelo menos três quartos devido aos altos requisitos de qualidade da água para a criação de camarões. Os técnicos cultivam regularmente algas e bactérias benéficas, melhorando ainda mais a qualidade da água da base de arroz e camarão. Em apenas um ano, o ecossistema da fazenda se recuperou significativamente, e é por isso que as garças, conhecidas por seus altos padrões de seleção de habitat, foram atraídas para a área.

Por que desenvolver o setor de arroz-camarão por meio de cooperativas lideradas pela organização partidária? O secretário do partido do município de Liulang deu a seguinte explicação:

O papel das cooperativas lideradas por organizações partidárias vai além de apenas desenvolver e expandir a economia coletiva e ajudar as pessoas a prosperar. O aspecto mais importante são os benefícios sociais. Se os agricultores de grande escala fossem gerenciá-las, eles se concentrariam no camarão porque é mais lucrativo, negligenciando o arroz, já que ele não é tão valorizado. Mas isso colocaria a segurança alimentar em risco. Com as organizações partidárias liderando as cooperativas, garantimos a segurança alimentar, não apenas em termos de produtividade por hectare, mas também em termos de sustentabilidade ecológica. Embora busquemos lucros, não os priorizamos excessivamente. A produtividade do arroz é garantida em pelo menos 500 quilos por mu.

Como consequência, o coletivo não apenas fortalece a proteção das terras agrícolas e a segurança alimentar, mas também cria um modelo agrícola verde e ecológico, melhorando continuamente o ambiente rural e restaurando a biodiversidade.

Nas regiões pastoris do Planalto de Qinghai-Tibete, também encontramos exemplos de organizações coletivas que buscam uma produção ecologicamente protetora, visando à otimização social e à sustentabilidade ecológica. O município de Gacuo, localizado na parte norte do condado de Shuanghu, município de Nagqu, no Tibete, cobre uma área de 27,4 mil quilômetros quadrados, com uma altitude média de 4,9 mil metros. Antes conhecido como uma zona inabitável, o município de Gacuo tem atualmente 125 residências e 570 pessoas, distribuídas em dois povoados administrativos. No final de 2017, o município tinha um total de 34.456 cabeças de gado, incluindo iaques, ovelhas e cabras. Os pastores possuem coletivamente pastagens, gado, tendas e outros materiais de produção como uma unidade de povoado, com o coletivo do povoado coordenando a divisão do trabalho e o planejamento. No final de cada ano, os membros recebem renda em dinheiro, bem como distribuições de carne bovina e laticínios com base nos pontos de trabalho que ganharam do coletivo.

O condado de Shuanghu enfrenta desastres naturais quase todos os anos. Em oito ou nove meses do ano, predomina uma estação seca com grama murcha, o que torna seu ecossistema extremamente frágil. Durante nossa pesquisa de campo, descobrimos que, além de obter resultados significativos na produção, distribuição, supervisão pública e desenvolvimento cultural coletivo, Gacuo também fez contribuições notáveis para a proteção ecológica, especialmente na preservação dos campos de neve e geleiras (que também são considerados recursos naturais valiosos).14

O município de Gacuo não apenas integra práticas ecológicas à produção coletiva, mas também protege de forma diligente o ambiente ao redor.15

Em suas práticas de pastoreio, os pastores mantêm métodos tradicionais de manejo do gado, evitando o uso de vacinas ou de medicamentos veterinários, a menos que seja absolutamente necessário. Além disso, eles não deixam nenhum resíduo nas pastagens ao transportá-los regularmente de volta ao município para descarte centralizado. O município de Gacuo está localizado no coração da Reserva Natural Nacional de Qiangtang e se estende ao norte até a Reserva Natural Nacional de Hoh Xil. De acordo com os testes realizados pelas autoridades nacionais, os recursos de pastagem de Gacuo poderiam suportar o pastoreio de 210 mil ovelhas, mas o número total de animais em Gacuo é mantido abaixo de 50 mil, com um rigoroso cronograma de pastoreio rotativo aplicado para proteger as pastagens. Mesmo durante as migrações sazonais, os habitantes locais usam iaques em vez de tratores, dizendo que “os tratores são bons, mas criam trilhas que, com o tempo, prejudicam as pastagens”.

Com a implementação do sistema de dupla responsabilidade para a contratação de gado e pastagens no final da década de 1980, as áreas de pastagem da China enfrentaram importantes desafios de sobrepastoreio. Questões como a degradação das pastagens e a desertificação do solo, por sua vez, tornaram-se obstáculos significativos para o crescimento contínuo da renda dos pastores.16

Para resolver esses problemas, o governo implementou o Mecanismo de Incentivo e Subsídio à Proteção Ecológica de Pastagens em 2011, incentivando os pastores a reduzir o número de gados e restaurar as pastagens degradadas. No entanto, o impacto real foi limitado, com algumas áreas registrando um aumento no número de animais em vez de uma redução, o que levou à degradação contínua das pastagens.17

Então, como o município de Gacuo mantém estritamente a sustentabilidade de suas pastagens e dos ecossistemas ao redor? Primeiro, o coletivo gerencia os períodos de pastagem e descanso de acordo com as características das pastagens de inverno e verão, sendo o planejamento das pastagens a tarefa mais importante. Uma grande sessão de planejamento é realizada a cada três anos e, no final de cada ano, há uma supervisão e uma avaliação das pastagens. Se for encontrada alguma degradação, a área é designada para descanso ou proibida de ser pastoreada no ano seguinte, ao mesmo tempo em que se reservam pastagens para a prevenção de desastres durante o inverno e a primavera. Em segundo lugar, há limites claros sobre quantos animais cada pasto pode suportar e por quanto tempo, não sendo permitida a sobrecarga em nenhuma circunstância.

Além disso, se uma equipe de produção precisar migrar, por exemplo, do pasto A para o pasto B, há normas rígidas sobre o tempo que a migração deve levar. Se precisarem parar no pasto C devido a circunstâncias especiais, como o clima, e a permanência exceder dois dias, eles deverão informar e solicitar à administração do povoado o uso do pasto para evitar a sobrecarga do pasto C. Em casos especiais, como quando o pasto de um povoado é atingido por uma forte nevasca, as equipes de produção podem solicitar o uso de uma área de pastagem de outro povoado próximo para alívio emergencial. Esse tipo de ajuste só é possível por meio de uma organização econômica coletiva, que efetivamente mantém a sustentabilidade da produção pastoril.

Ao longo dos anos, o município de Gacuo tem liderado o desenvolvimento econômico do condado de Shuanghu. Devido à divisão coletiva do trabalho e aos mecanismos de supervisão, a qualidade dos produtos pecuários, como carne bovina e de carneiro, deste local é superior à das cidades vizinhas, alcançando os preços mais altos – uma manifestação concreta da força da economia coletiva. Notavelmente, o desenvolvimento de Gacuo não foi impulsionado pelo comércio externo, mas concentrou-se em atender à demanda interna. Diante do clima severo e das condições ecológicas frágeis, eles optaram por usar a força coletiva para proteger e gerenciar os recursos públicos e salvaguardar o ambiente ao redor. Isso prova que somente uma economia coletiva pode manter um equilíbrio entre a vida comunitária, o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental.

A discussão acima destaca a importância das organizações partidárias de base na China. Entendemos que muitos países do Terceiro Mundo não dispõem dessas estruturas organizacionais formais, mas possuem uma variedade de organizações políticas de massa generalizadas, organizações comunitárias locais formais e informais e um número significativo de forças socialistas, todas as quais podem desempenhar um papel substantivo nesse processo. Fundamentalmente, os governos do Terceiro Mundo e as massas em geral podem se beneficiar de um caminho ecológico. Portanto, a base política para uma mudança ecológica existe objetivamente, e as formas práticas específicas certamente podem florescer de diversas maneiras.

Nos últimos anos, a civilização ecológica da China fez progressos significativos em termos de teoria, política e prática local. No entanto, olhando para o futuro, a tarefa continua intimidadora. Determinar como avançar em direção a uma civilização ecológica é uma questão que devemos abordar agora e no futuro. Obviamente, essa não é uma tarefa exclusiva da China, mas um desafio para toda a humanidade. Há muito que a China e o mundo podem aprender uns com os outros. Os profissionais e pesquisadores da China precisam entender melhor as práticas e teorias de todo o mundo que vão além da agricultura industrializada, enquanto as pessoas de muitos outros países podem encontrar inspiração e incentivo nas conquistas e perspectivas da economia coletiva e da agricultura ecológica da China.

Notas

1 Uma versão anterior deste artigo foi publicada na edição chinesa da Wenhua Zongheng. Ding Ling e Xu Zhun, ‘中国农业为什么必须生态转型’ [Por que a agricultura chinesa deve passar por uma transformação ecológica], 文化纵横[Wenhua Zongheng], no. 3 (2024): 96-106.

2 E. B. Ross, “Malthusianism, Capitalist Agriculture, and the Fate of Peasants in the Making of the Modern World Food System”[Malthusianismo, agricultura capitalista e o destino dos camponeses na criação do sistema alimentar moderno do mundo], Review of Radical Political Economics 35, no. 4 (2003): 437-461.

3 Nota da tradução: Coolie é uma generalização que se refere a trabalhadores de diferentes origens asiáticas, inclusive chineses, que especialmente no século XIX migraram para trabalhar em condições degradantes e violentas, ainda que sob o nome de trabalho “livre” em sociedades ainda marcadas pelo trabalho escravizado.

4 R. B. Singh, “Environmental Consequences of Agricultural Development: A Case Study from the Green Revolution State of Haryana, India” [Consequências ambientais do desenvolvimento agrícola: Um estudo de caso da Revolução Verde no Estado de Haryana, Índia], Agriculture, Ecosystems and Environment 82, n. 1-3 (2000): 97-103.

5 Xu Zhun, “Farm Size, Capitalism, and Overuse of Agricultural Chemicals in China”[Tamanho da fazenda, capitalismo e uso excessivo de produtos químicos agrícolas na China], Capitalism Nature Socialism 31, no. 3 (2020): 59-74.

6 Yiyun Wu, Xican Xi, Xin Tang, Deming Luo, Baojing Gu, Shu Kee Lam, Peter M. Vitousek e Deli Chen, “Policy Distortions, Farm Size, and the Overuse of Agricultural Chemicals in China [Distorções de políticas, tamanho da fazenda e uso excessivo de produtos químicos agrícolas na China], Proceedings of the National Academy of Sciences 115, no. 27 (2018): 7010-7015.

7 Glenn Davis Stone, “Commentary: New Histories of the Indian Green Revolution”[Comentários: Novas Histórias da Revolução Verde Indiana], The Geographical Journal 185, no. 2 (2019): 243-250.

8 Ver Glenn Davis Stone, citado acima.

9 Dados baseados na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

10 Francesco N. Tubiello, Cynthia Rosenzweig, Giulia Conchedda, Kevin Karl, Johannes Gütschow, Pan Xueyao, Griffiths Obli-Laryea, et al., “Greenhouse Gas Emissions from Food Systems: Building the Evidence Base”[Emissões de gases de efeito estufa dos sistemas alimentares: Construindo a base de evidências], Environmental Research Letters 16, no. 6 (2021): 065007.

11 Shilong Piao, Philippe Ciais, Yao Huang, Zehao Shen, Shushi Peng, Junsheng Li, Liping Zhou, et al., ‘The Impacts of Climate Change on Water Resources and the Impacts of Climate Change on Water Resources and Agriculture in China'[Os impactos das mudanças climáticas nos recursos hídricos e na agricultura da China], Nature 467, no. 7311 (2010): 43-51.

12 Xu Zhun, “Industrial Agriculture: Lessons from North Korea”[Agricultura industrial: Lições da Coreia do Norte], Monthly Review 75, no. 10 (2024): 30-47.

13 Hu Xiaodong, ‘湾沚区农业农村局积极种植再生稻 增产又高效’[Escritório de Agricultura e Assuntos Rurais do Distrito de Wanzhi Planta ativamente arroz regenerado para aumentar a produção e a eficiência], Governo Popular do Distrito de Wanzhi, Condado de Wuhu, 1º de abril de 2022, https://www.wanzhi.gov.cn/xwzx/gzdt/12065463.html.

14 Pesquisadores: Ding Ling, Qi Lixia, Yan Hairong (julho de 2018).

15 Ding Ling, Qi Lixia e Yan Hairong, ‘藏北高原上的牧业集体社区–那曲嘎措乡的乡村振兴之路’[Comunidade coletiva pastoral no planalto tibetano do norte: O caminho para a revitalização rural no município de Gacuo, em Nagchu], 经济导刊 [Arauto Econômico] 10, 2018.

16 Yang Siyuan e Song Zhijiao,‘玛曲高寒草原畜牧业的可持续性考察’ [Um exame da sustentabilidade da criação de gado nas pastagens alpinas de Maqu], 政治经济学报 [Revista de Economia Política] 5, (2015).

17 Fan Mingming e Zhang Qian, ‘生态补偿给谁?–基于尺度问题反思草原生态保护补助奖励政策’ [Compensação ecológica para quem? Repensando a política de incentivo de subsídios para a proteção ecológica de pastagens com base no problema da escala],学海 [Xuehai] 4, (2018).

Fonte: Outras Palavras / Colheita do chá na China. Maior produtor mundial da planta, país opta por mantê-la intensiva em trabalho humano, para preservar pequena propriedade rural e relações sociais ligadas a ela. Foto: Alamy

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