- Cecilia Barría
- BBC News Mundo
Foram 18 minutos de caos
Domingo, 1 de maio de 2022
Às 5h42 do dia 8 de março, o preço do níquel começou a subir tão rápido que houve pânico na London Metal Exchange.
Em apenas 18 minutos, o preço subiu para mais de US$ 100 mil a tonelada, um salto sem precedentes que fez com que as operações de metal fossem suspensas.
Antes de bater esse recorde, o valor do metal já havia tido um aumento de 250% nas 24 horas anteriores.
O episódio marcou a primeira grande crise de metais desde que a invasão russa da Ucrânia abalou os mercados globais.
A incrível alta, ligada a sanções impostas pelo Ocidente à Rússia e movimentos especulativos nos contratos futuros, deixou claro que metais como o níquel — que terão papel importante na transição para uma economia menos poluente — tornaram-se essenciais em um mundo que já não depende apenas de combustíveis fósseis.
A Rússia, um dos grandes exportadores de gás e petróleo, demonstrou que devido à dependência de muitos países de suas exportações, especialmente os europeus, os combustíveis são mais uma arma na guerra da Ucrânia.
“Construir um futuro de energia limpa produzida nos EUA ajudará a proteger nossa segurança nacional”, disse o presidente americano, Joe Biden, em 31 de março.
“Precisamos acabar com nossa dependência de longo prazo da China e de outros países para insumos que impulsionem o futuro”, disse o presidente após anunciar que invocaria a Lei de Produção de Defesa para apoiar a produção local e processamento de minerais usados na fabricação de baterias elétricas e armazenamento de energia renovável.
Entre eles, destacou a Casa Branca, estão lítio, níquel, grafite, manganês e cobalto.
As armas energéticas da Rússia
Mas há muitos mais do que isso. De acordo com suas próprias necessidades, cada país dá prioridade a diferentes minerais para melhor competir por uma fatia de mercado na transição energética para uma economia mais eletrificada.
Especialistas alertam que as nações que permanecem ancoradas na exportação de petróleo, gás e carvão correm o risco de se tornar cada vez menos competitivas.
Basta olhar para o caso da Rússia, cujo poder econômico reside principalmente nos combustíveis fósseis: o país é o segundo maior produtor de gás do mundo e o terceiro maior produtor de petróleo.
No entanto, na corrida pelos metais que desempenharão um papel crucial na economia do futuro, a Rússia tem suas vantagens: é o segundo maior exportador mundial de cobalto, o segundo de platina e o terceiro de níquel.
Embora a Rússia tenha cartas para jogar nesse novo cenário, o que é certo, segundo os especialistas, é que a extração de superminerais está altamente concentrada em outros países.
A grande maioria do cobalto no mundo vem da República Democrática do Congo; o níquel, da Indonésia; o lítio, da Austrália; o cobre, do Chile; e terras raras, da China.
Especialistas dizem que existem pelo menos 17 minerais críticos para a transição energética mundial e que os países com capacidade de extraí-los ou processá-los têm maior vantagem.
Dos 17, a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que os mais cruciais sejam lítio, níquel, cobalto, cobre, grafite e terras raras.
Quem domina a produção desses minerais?
Em 2040, a demanda por esses minerais aumentará rapidamente, diz Tae-Yoon Kim, analista da Agência Internacional de Energia (AIE) e principal autor do relatório “O Papel dos Minerais Críticos na Transição para a Energia Limpa”.
Para estimar quais nações podem ser mais beneficiadas com a transição energética, o especialista distingue entre os países que são líderes na extração de minerais e os que são líderes em processamento.
Embora a extração seja dividida entre várias nações, há um único país que domina o processamento de todos esses minerais: a China.
“É difícil saber quais países serão mais beneficiados com a transição energética porque vai depender de onde eles estão localizados na cadeia produtiva”, diz Tae-Yoon Kim à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
O que está claro é que estamos em um momento crucial. Enquanto o petróleo marcou a história do século 20, os minerais da transição energética podem marcar a história do século 21.
Nesse sentido, diz o especialista, esses “são os minerais do futuro”.
Não é de todo estranho então que em plena guerra, e com o apetite por minerais previsto para as próximas duas décadas, os EUA e a Europa tenham ligado os motores da transição energética para reduzir sua dependência atual e futura dos países como China e Rússia.
A pior dor de cabeça é para os países europeus, que agora enfrentam um grande problema, porque 40% do gás que eles consomem vêm da Rússia.
“A Europa está financiando os caprichos de Putin”, disse Ángel Saz-Carranza, diretor do Centro Esade para Economia Global e Geopolítica (EsadeGeo), na Espanha, à BBC News Mundo.
Os quatro mais cobiçados
Embora os metais sejam necessários para as baterias elétricas, eles também são fundamentais para o armazenamento de diferentes tipos de energia, para a atividade industrial e para uma economia mais eletrificada onde novos atores — estatais e privados — verão surgir uma grande riqueza.
“Se a oferta não atender a um aumento na demanda por esses metais, os preços vão disparar”, disse Lukas Boer, pesquisador do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, à BBC News Mundo.
Um fator essencial é que os projetos de mineração para extração desses metais podem levar mais de uma década (em média 16 anos) para entrar em operação e, portanto, a escassez deve ser ainda maior na próxima década, explica Boer, que, junto com Andrea Pescatori e Martin Stuermer, publicaram a pesquisa “Os metais da transição energética” no final do ano passado.
Além das terras raras, aponta o estudo, os quatro metais mais cobiçados serão níquel, cobalto, lítio e cobre, cujos preços poderão atingir recordes históricos por longos períodos, tendência que rompe com os ciclos usuais de alta e queda valor nos mercados internacionais.
O valor total da produção desses metais pode aumentar mais de quatro vezes entre 2021 e 2040, em um cenário de emissões líquidas zero até meados deste século.
Tanto é assim que os produtores desses quatro metais podem gerar receitas semelhantes às do setor petrolífero nos próximos 20 anos, argumenta Boer, dependendo de como evoluir um contexto internacional hoje cheio de incertezas.
“Esses metais podem ser o novo petróleo”, diz Boer. “A China se tornou o maior ator investindo em outros países, como a produção de cobalto no Congo”.
China na frente
No novo cenário de guerra e na necessidade do Ocidente de reduzir sua dependência energética, há países que podem suprir parte da demanda necessária para acelerar a transição.
Kwasi Ampofo, chefe de metais e mineração do centro de pesquisa BloombergNEF, argumenta que a China está em uma posição muito boa para se beneficiar da mudança.
“A China pode ser a maior vencedora se decidir direcionar a produção de metal da Rússia por meio de suas refinarias e depois vendê-la para outros países”, disse ele à BBC News Mundo.
Outros países vêm movendo as peças no tabuleiro. No caso do níquel, a Indonésia vem expandindo sua capacidade de produção nos últimos dois anos e pode continuar aumentando para cobrir o déficit da Rússia.
De fato, o níquel é o metal mais sensível a qualquer interrupção de fornecimento na Rússia, país que gera cerca de 9% da produção global.
“Qualquer interrupção por meio de sanções ou redução de produção terá um impacto significativo no preço”, argumenta Ampofo, especialmente porque a demanda por níquel para baterias elétricas aumentará significativamente este ano.
Por outro lado, se houver interrupções na produção de metais do grupo da platina, os produtores sul-africanos podem preencher a lacuna com oferta adicional, diz.
Na batalha para controlar a produção dos metais do futuro, há espaços onde a China pisou no acelerador: embora mais de dois terços de toda a produção mundial esteja no Congo, as empresas chinesas possuem ou financiam a maioria das maiores minas do país.
Nesse cenário, se o Ocidente não avançar mais rápido, ele corre o risco de perder a corrida.
Fonte: BBC Brasil