A despedida do Mestre Bimba: há 49 anos, Brasil perdia maior referência da Capoeira Regional

cultura

“Mestre Bimba é uma das figuras do ciclo heróico dos negros que merecem ser reverenciados”, afirma ex-aluno do Mestre

O último domingo 5 de fevereiro, marcou os 49 anos da morte de Manoel dos Reis Machado, conhecido como Mestre Bimba, o criador da Capoeira Regional que ganhou o Brasil e o mundo. Ainda hoje, Mestre Bimba é referência e inspiração. 

Hellio de Campos, batizado Mestre Xareu por Mestre Bimba, se formou em Capoeira Regional com o próprio Mestre Bimba e, ao lado de Raimundo Cesar de Almeida, conhecido como Mestre Itapoan, fundou a Ginga Associação de Capoeira em Salvador (BA).  

“Mestre Bimba é o negro […] soteropolitano, ele não teve instrução formal e por isso trabalhou como carpinteiro, como motoqueiro, carregador e carroceiro, mas teve a coragem de se tornar um capoeirista e ser um Mestre de Capoeira. E, depois, criar também uma capoeira que é um divisor de águas que se chama Capoeira Regional de Mestre Bimba. Montou uma academia e como ele mesmo dizia ‘tirei a capoeira debaixo do pé do boi’ no intuito de sair das ruas. Aquela capoeira que era perseguida pelos policiais, que era perseguida pelo código penal brasileiro na época e leva para as quatro paredes”, lembra. 


Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional / Reprodução /Divulgação

Origem

“Quando ele, observando a capoeira praticada na época, chamada hoje de Capoeira Angola, aquela capoeira que era praticada na rua. Ele muitas vezes contou que as pessoas praticavam a capoeira na rua, com muitos trejeitos, sendo uma forma de conseguir dinheiro na rua. E a polícia vinha ao encalço e prendia essas pessoas, como ele mesmo disse, amarravam a cavalaria, amarravam os capoeiristas pelos punhos e arrastavam pelo percurso até as delegacias. E ele vendo aquilo, ele não concordava com essa situação e achava que a capoeira estava perdendo a sua essência de luta e de resistência, portanto ele criou a Capoeira Regional”, conta Mestre Xareu.

Regras

Mestre Bimba tinha algumas regras para os praticantes da Capoeira Regional. Não beber e não fumar – pois influenciavam no desempenho e a consciência da capoeira; evitar demonstrações de todas as técnicas – pois a surpresa é a principal arma; praticar os fundamentos todos os dias e não dispersar durante as aulas; e manter o corpo relaxado e o mais próximo do seu adversário possível.

Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional / Acervo Ginga Associação de Capoeira

Imaginário

Mestre Itapoan, praticante da capoeira há 57 anos, lembra que foi apenas após esta apresentação ao presidente que a capoeira deixou de ser crime.

“Na década de 30, o Mestre fez várias apresentações para os Governos da Bahia e em 1953 se apresentou no Palácio da Aclamação, em Salvador, para o Presidente Getúlio Vargas que, após assistir a apresentação disse: ‘Esse deve ser considerado o Esporte Nacional Brasileiro’. Então a perseguição diminuiu e no Código Penal de 52 já não constava mais o artigo: Dos Vadios e Capoeiras”.


Mestre Bimba tocando durante uma Roda de Capoeira / Acervo Ginga Associação de Capoeira

Preservação

Hoje há dois tipos de capoeira, a Capoeira Angola, representada por Mestre Pastinha, e a Capoeira Regional de Mestre Bimba, explica Mestre Xareu. 

Em 1996, Mestre Xareu fez parte da movimentação que concedeu a Mestre Bimba o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia. 

“No meu olhar, na minha percepção, hoje a capoeira é reconhecida no mundo inteiro como atividade importantíssima para a cultura brasileira, para a manifestação do conhecimento da cultura brasileira porque ela é vista como uma atividade educacional, cultural, de tradição, que representa resistência do povo brasileiro, que representa resistência do povo escravizado no Brasil. E além de contar a história do Brasil, também aparece como uma grande difusora, vamos assim falar, da língua portuguesa”, explica.

Legado no tempo

Um homem visionário, pobre no sentido da questão econômica financeira, mas muito rico na questão dos saberes, da sua honestidade, do seu caráter. 

“Agora que eu estou falando com vocês aqui, com você aqui, tem, em algum lugar do mundo, alguém está cantando Mestre Bimba, alguém está prestando uma homenagem a Mestre Bimba. Cantando a música, falando dele como eu estou falando aqui neste momento, e isso é de uma grandeza enorme. Mestre Bimba é uma das figuras do ciclo heróico dos negros brasileiros que merecem ser reverenciados”, afirma.


Mestre Bimba, inspiração ainda hoje no mundo todo quando se fala de capoeira / Acervo Ginga Associação de Capoeira

Legado no mundo

Ela conta que todos os anos na Abadá-Capoeira, o Mestre Camisa organiza em novembro o Zumbimba, um momento de estudo de onde a capoeira está hoje e de onde ela veio. Para ela, se Mestre Bimba estivesse vivo, ainda estaria inovando. 

“Ele era uma pessoa de uma visão a frente do tempo dele. Os 47 anos da morte dele certamente tem que ser lembrados. A presença dele, a influencia dele na capoeira é tão grande que eu acho que tem que ser lembrado sempre, não só em aniversário, mas ao longo da transmissão do legado da capoeira”. 

Mestre Bimba extrapolou os muros de Salvador, na Bahia, e ganhou o mundo. Segundo Mestre Xareu há seguidores e alunos em mais de 175 países que mantêm vivos os ensinamentos de Mestre Bimba. Ele explica que o criador da Capoeira Regional inspira muitos profissionais da capoeira a perpetuar a luta e a resistência em todos os cantos do mundo. A Capoeira Regional hoje é reconhecida como Patrimônio Imaterial Brasileiro e Patrimônio Imaterial Mundial com a Roda de Capoeira. 

“Então nesse momento de 47 anos da morte de Mestre Bimba, a gente só tem, realmente, a celebrar. A celebrar pela sua grandeza, ou seja, pelo seu legado do qual ele deixou para todos nós e para o mundo. E eu vou extrapolar, não é só de Salvador, é pelo mundo. Se a capoeira está sendo praticada no mundo inteiro, em algum lugar alguém está prestando uma homenagem a ele neste momento, é porque ele tem um reconhecimento do mundo”, finaliza Mestre Xareu.

Edição: Lucas Weber

Fonte: Brasil de Fato

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