Por Revista Prosa Verso e Arte – Quinta, 17 de dezembro de 2020
“[…] pensara que todo livro falasse das coisas, humanas ou divinas, que estão fora dos livros. Percebia agora que não raro os livros falam de livros, ou seja, é como se falassem entre si. À luz dessa reflexão, a biblioteca pareceu-me ainda mais inquietante. Era então o lugar de um longo e secular sussurro, de um diálogo imperceptível entre pergaminho e pergaminho, uma coisa viva, um receptáculo de forças não domáveis por uma mente humana, tesouro de segredos emanados de muitas mentes, e sobrevividos à morte daqueles que os produziram, ou os tinham utilizado.”
– Umberto Eco, em “O nome da Rosa”. [tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade]. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Record, 2010.
Breve desenvolvimento da história do livro
Na civilização mais antiga da Humanidade, a Suméria, o livro era um tijolo de barro cozido, argila ou pedra, com textos gravados ou cunhados. Esse tipo de escrita é datado de 3500 anos A.C. e é o primeiro registro humano de escrita.
A evolução deste registro deu-se no Egipto com os rolos de papiro que chegavam a vinte metros de comprimento, escritos com hieróglifos. O termo hieróglifo advém da união de duas palavras gregas: hierós (sagrado) e glyphós (escrita), desde logo uma adoração às palavras.
Os indianos faziam livros de folhas de palmeiras. Os maias e os astecas em forma de sanfona, de um material existente entre a casca das árvores e de madeira. Os chineses, por sua vez, utilizavam rolos de seda para fazer os livros e os romanos escreviam em tábuas de madeira cobertas com cera.
Com o surgimento do pergaminho, feito geralmente de pele de carneiro, tornou-se possível o fabrico de livros como os que hoje conhecemos, contudo diferentes dos actuais no tamanho, pois eram enormes, e caros, pois necessitavam da pele de vários animais.
Mais tarde, embora conhecido há muito tempo na China, o papel chega à Europa e com o invento da prensa de Gutenberg, o livro impresso, feito de papéis costurados e posteriormente encapados, torna-se realidade. Com essa invenção foi possível fazer vários exemplares dum mesmo livro a um preço acessível, popularizando e democratizando a leitura.
No entanto, a história do livro continua. Desde a antiguidade, o registro da escrita é acompanhado pela religiosidade e pelos privilégios daqueles que de alguma forma mantinham a sociedade sob controle. Isto levou a censuras, como o Index, da Igreja Católica, e a muitas outras Listas de Livros Proibidos.
Adorados desde antiguidade, hoje em dia a evolução continua a dar-se. E-books e áudio books são cada vez mais comuns e nenhum de nós sabe até onde a história do livro irá. O essencial é que este importante e mágico objeto continue a fazer parte da história da Humanidade, influenciando-a e adaptando-se a ela.
Um pouco da história do ‘Códice’ e do ‘Pergaminho’
Ao longo da Antiguidade ocidental, assim como no início da Era Cristã, o papiro continuou a ser o material mais utilizado para a escrita, com várias folhas coladas e enroladas para formar um volume.
Os primeiros séculos de nossa era viram acontecer duas importantes mudanças: a adoção do pergaminho, feito de peles de animais, como suporte (superfície) para a escrita, e a substituição do rolo pelo códice (do latim “codex”, bloco de madeira), que deu ao livro o formato mais conhecido em nossos dias: folhas coladas ou costuradas em cadernos, guarnecidas de capas mais resistentes.
A mudança de formato aconteceu gradualmente entre os séculos I e V de nossa era, acompanhando a crise nas estruturas do Império Romano, que vinha causando uma diminuição no número de pessoas letradas. Ao mesmo tempo, o Cristianismo se fortalecia. O estabelecimento de uma cultura escrita em muito se deveu à Igreja Cristã, à qual eram ligados praticamente todos os homens de estudo.
Um dos marcos da cultura cristã e também da história do livro é a publicação da Vulgata, a Bíblia latina produzida por Jerônimo (347 – 420) entre o final do século IV e o início do século V de nossa era. O autor deixou escritos que fornecem preciosas informações sobre a produção dos livros na época, além de questões como a da autoria, autenticidade, edição e difusão das obras. Foi canonizado em 1767 e, não à toa, tornou-se o padroeiro dos bibliotecários, arquivistas e tradutores.
Para Jerônimo e outros estudiosos da época, o formato códice apresentava muitas vantagens em relação ao rolo: ocupava menos lugar nas bibliotecas, tinha maior capacidade de armazenamento de texto e era mais legível. Além disso, o novo formato facilitava o trabalho dos tradutores e copistas, pois tornava possível a paginação, os índices, o estabelecimento de concordâncias e a comparação entre trechos de diferentes exemplares. A aceitação foi tão grande que, a partir do século II, todos os manuscritos da Bíblia encontrados são códices, bem como a quase totalidade de textos bíblicos e de matéria religiosa dos séculos II-IV.
Nessa época, a maior parte dos livros era de papiro — um material frágil, que se rasgava ou se soltava facilmente das amarras e cuja produção se restringia a lugares distantes, como o Egito e a Ásia Menor. Era necessário encontrar um substituto, e este viria a ser o pergaminho, assim chamado como referência a Pérgamo, uma cidade grega localizada na antiga Turquia. Ali, por volta do século II a. C., existiu uma grande biblioteca, bem como um centro de produção do suporte de escrita obtido a partir das peles de certos animais.
O pergaminho era geralmente feito da pele de vacas, ovelhas e cabras – estas foram empregadas principalmente na Itália –, mas outros animais foram ocasionalmente usados. O preparo era feito em etapas nas quais a pele era sucessivamente mergulhada em água corrente, raspada, mergulhada numa solução de óxido de cálcio, lavada, esticada numa armação, raspada com uma ferramenta em forma de foice e, por fim, esfregada com pedra-pomes, pastas à base de cálcio e outras substâncias. Esse processo resultava num produto resistente e durável, fosse qual fosse a sua espessura: desde o velino, obtido a partir de animais recém-nascidos e extremamente delicado, até os pergaminhos mais grossos usados como encadernação ou para a confecção de mapas e diplomas.
Apesar de todas as vantagens sobre o papiro – que continuou a ser usado até os séculos VII e início do VIII –, o pergaminho era um material caro, o que obrigava os escribas e estudiosos a se valerem de artifícios como a reutilização. Daí resultaram os chamados palimpsestos, pergaminhos em que a escrita original foi apagada para receber um novo registro.
Fonte: BN/BR. https://www.revistaprosaversoearte.com/