A força leitora das mulheres Gattai

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Publicado em 1979, ano em que recebeu o prêmio Paulista de Revelação Literário, a obra Anarquistas, Graças a Deus, da […]

Publicado em 1979, ano em que recebeu o prêmio Paulista de Revelação Literário, a obra Anarquistas, Graças a Deus, da memorialista Zélia Gattai, com mais de duzentos mil exemplares vendidos, é o registro do nascimento da própria autora, sua infância e adolescência, mas é também um importante relato da imigração italiana na cidade de São Paulo, no início do século XX.

Nesta obra, a “vida explode”, como diria o incentivador e marido de Zélia, Jorge Amado. Ao narrar a si, a escritora narra o(s) outro(s) – espanhóis, libaneses, portugueses – imigrantes como ela que viveram nos bairros do Brás, Bexiga e Mooca, – marginalizados por sua cor, por sua nacionalidade, por seus valores e suas ideias em construir um mundo sem hierarquias, baseado na cultura da autogestão, da solidariedade e da coletividade.

Um dos pontos chaves da obra são as leituras das mulheres que compõem a família Gattai: Dona Angelina (genitora) e as três filhas (Wanda, Vera e Zélia). A matriarca da família, a um só tempo, é uma mãe compreensiva e severa, combativa e pacífica. Independência, tenacidade e altivez são outras características dessa mulher do início do século XX, mãe de cinco filhos, que tinha um gosto especial pela leitura.

Dona Angelina era uma grande leitora de jornais – “Estado de São Paulo” – e suas filhas também. Todas gostavam especialmente da “coluna dos necrológicos”, nunca desejando encontrar nome de conhecidos. Elas eram as responsáveis, junto à vizinhança – rua Angélica, nº 8, São Paulo – de fornecer informações a quem solicitasse.

Além disso, dona Angelina tinha o costume de reunir as amigas nos finais da tarde na casa dela para fazer tricô, crochê e ler romances de folhetim. Zélia vendo essa cena sentia uma enorme vontade de aprender a ler para se envolver nas leituras d’ “O Tico-Tico” – primeira revista do país a publicar narrativas em quadrinhos, durante os anos de 1905 a 1977.

Seu Ernesto Gattai, vendo a esposa ler folhetins, ficava intrigado com o gosto literário dela e se questionava como era possível gostar desse tipo de leitura e ficar até tarde lendo Victor Hugo, Émile Zola, Piotr Kropotkin, Dante Alighieri, Eça de Queiroz, Guerra Junqueira, Castro Alves, José de Alencar, etc

A leitura, a um só tempo, é uma forma de conhecimento, institui relação de poder, já que divide os sujeitos em dois grupos: os alfabetizados e os não alfabetizados, letrados e não letrados.  É, ainda, uma ferramenta de inclusão social, de tomada de consciência de si e do outro, por isso, foi negada à mulher durante décadas. Um sujeito que não lê e é um sujeito domesticado, sem voz, sem autonomia individual e social, portanto, assujeitado  ao outro.

É no ambiente familiar que primeiro se tem o contato com a leitura. Para além da escola, é dentro de casa que os jovens desenvolvem o prazer pela leitura e fora dela o impacto social que sua falta acarreta, em especial a mulher, que durante décadas não pôde ser protagonista de sua própria história.

Fonte: Portal Vermelho.org

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