A professora da USP Maria Luiza Tucci Carneiro se reinventa no confinamento e escreve conto baseado na pandemia
Por Leila Kiyomura – Domingo, 9 de maio de 2021
“Outono, março de 2020.
Miúcha, então com dezessete anos, é uma jovem estudante do curso colegial que, como tantas meninas de sua geração, adora passear no shopping, usar roupas de marca e ter tatuagens, frequentar baladas e dançar ao som das bandas de funk. Nunca larga o celular que funciona como uma extensão de suas mãos e cabeça, mantendo-o sempre ligado. A maior parte do tempo passa fazendo selfies para postar no Instagram e no Facebook, sentindo-se assim conectada com o mundo. Dificilmente consegue ler um livro até o fim, ainda que no formato digital. Livro impresso em papel, nem pensar, pois além de pesar dentro da mochila, ocupa lugar na estante do quarto.”
Com essa linguagem de quem conhece muito bem o universo dos jovens estudantes, a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, se reinventa neste confinamento sem data para acabar. E atravessa a ponte das letras para trazer a história de Miúcha, que é, na verdade, a realidade que o planeta está enfrentando. A autora trava um desafio. Como trazer uma mensagem de otimismo e esperança diante das mais de 360 mil mortes no Brasil e cerca de 3 milhões no mundo? O resultado está no recém-lançado livro #Biblioteka Hotel: Um Conto da Quarentena – publicado pela Editora Intermeios -, escrito com cuidado e respeito ao drama de todos.
“O #Biblioteka Hotel nasceu sob o impacto da notícia de que estamos sendo atacados por um vírus invisível, ainda sem diagnóstico naqueles primeiros dias de janeiro de 2020”, conta a autora. “Fechei-me aqui na minha biblioteca, onde passo a maior parte do meu dia, pesquisando e escrevendo, para tentar digerir os fatos, dia a dia. Isolada, sem poder conversar e abraçar ninguém, resolvi escrever sobre esse fenômeno até então desconhecido por nós. Ouvindo as notícias sobre os jovens contaminados pelo coronavírus que retornavam do carnaval de Salvador e aqueles que se reuniam nos bares da Vila Madalena, sem perceber que estavam multiplicando o vírus, resolvi escrever para esse público.”
A história tem um recado para o leitor jovem, mas, na verdade, toca pessoas de todas as idades. “É uma criação ficcional, mas narrada durante a pandemia do coronavírus. A personagem principal, Miúcha, é contaminada e passa a viver a sua quarentena no espaço de uma biblioteca instalada nos fundos da residência familiar, localizada em um bairro boêmio da Pauliceia”, explica a autora. “Hóspede por 40 dias, a jovem tenta encontrar o seu equilíbrio mental e físico, movida por um sentimento de vazio, por sua memória afetiva e pelas alterações da natureza. As transformações do outono, além de marcar o tempo, sinalizam para a capacidade do ser humano de enxergar a vida de outros ângulos. Ao sair daquela vertigem momentânea da alma, Miúcha descobre um novo sentido para a vida.”
“Miúcha tem tudo a ver comigo, um pouco da minha neta, bastante dos meus filhos, dos meus alunos e com o meu ser e estar no mundo, hoje um mundo em crise e um Brasil sufocado pelo vírus, pela falta de oxigênio e pelo desgoverno de um presidente negacionista e despreparado para salvar vidas.”
As ilustrações de Milena Issler compõem a inquietude da estudante confinada na biblioteca. Desenha Miúcha de jeans, camiseta, deitada no sofá, com mochila e livros no chão. Sem poder sair, espia a vida do celular. E, quando anoitece, descobre um casal de corujas que trata como novos amigos. Fica feliz quando ouve o avô, na cozinha, escutando no rádio a sua música preferida, Fascinação. Acorda com o café da manhã servido só para ela no jardim. Os desenhos vão fluindo junto com o texto. Uma parceria muito integrada entre Malu (apelido carinhoso da escritora) e Milena. Mãe e filha.
“Fiquei muito feliz em me dedicar a esse trabalho, criar a imagem da Miúcha e todo o seu universo”, conta a ilustradora. “Revivi a história da família e me imaginei no lugar da personagem, presa e isolada dentro da biblioteca da minha mãe, onde cresci.” Participar da história foi a terapia de Milena, que buscou os afetos em cada traço, cada cor. “Desenhar, para mim, é uma maneira de colocar tudo para fora”, comenta.
Também para a professora Maria Luiza, escrever e compor a jovem de 17 anos foi buscar e rever a sua história. “Miúcha tem tudo a ver comigo, um pouco da minha neta, bastante dos meus filhos, dos meus alunos e com o meu ser e estar no mundo, hoje um mundo em crise e um Brasil sufocado pelo vírus, pela falta de oxigênio e pelo desgoverno de um presidente negacionista e despreparado para salvar vidas,” observa. “Tudo isso compõe o cenário do conto que, nas entrelinhas, traz uma mensagem universal centrada na capacidade que todo ser humano tem de transformação. Aqui está a essência da minha mensagem, que é de esperança calcada na coexistência e no respeito ao outro. Tem também, diria que muito, das minhas inquietações que costumam moldar os meus pensamentos e textos.” Informações do site Jornal USP.
#Bibliotheka Hotel: Um Conto da Quarentena, de Maria Luiza Tucci Carneiro, ilustrações de Milena Issler, Editora Intermeios, 48 páginas, R$ 38,00.