Independente dos sintomas, o que importa são as elevações artificiais na oferta de moeda
Se a inflação é um aumento geral nos preços, como sustentam a maioria dos especialistas, então por que ela é considerada uma má notícia? Que tipo de dano ela causa? A maior parte dos especialistas entende que a inflação leva a compras especulativas, o que gera desperdício. Sustenta-se também que a inflação corrói a renda real dos trabalhadores de baixa renda e provoca uma má alocação de recursos. A inflação enfraquece o crescimento econômico real.
Por que um aumento geral nos preços deveria prejudicar alguns grupos de pessoas e não outros? Por que um aumento geral nos preços deveria enfraquecer o crescimento econômico real? Ou ainda, de que forma a inflação leva à má alocação de recursos? A definição popular de inflação como um aumento geral nos preços é questionável. Para compreender plenamente do que se trata a inflação, devemos voltar no tempo, ao período em que esse fenômeno surgiu.
Historicamente, a inflação ocorria quando o governante de um país, como um rei, obrigava seus súditos a entregar todas as suas moedas de ouro sob o pretexto de que uma nova moeda de ouro substituiria a antiga. No processo de cunhar as novas moedas, o rei reduzia a quantidade de ouro contida em cada moeda e devolvia aos cidadãos moedas de ouro mais leves. Por causa do peso reduzido das moedas devolvidas aos cidadãos, o governante conseguia gerar moedas extras, que eram usadas para pagar suas próprias despesas. O que passava por uma moeda de ouro de peso fixo era, na realidade, uma moeda de ouro mais leve. Rothbard escreveu:
“Mais caracteristicamente, a casa da moeda derretia e recriava todas as moedas do reino, devolvendo aos súditos o mesmo número de ‘libras’ ou ‘marcos’, mas com peso reduzido. As onças de ouro ou prata restantes eram embolsadas pelo rei e usadas para pagar suas despesas”.
As moedas de ouro extras que o governante conseguiu gerar permitiram-lhe canalizar riqueza dos cidadãos para si próprio. Mantidas todas as demais condições constantes, agora temos mais moedas em relação à quantidade de bens, causando preços mais altos. Assim, a diluição das moedas de ouro resultou em preços mais elevados dos bens. A inflação das moedas de ouro coloca em movimento o desvio de bens dos cidadãos para o rei e para aqueles próximos ao poder (isto é, de produtores de riqueza para não-produtores de riqueza).
No mundo moderno, o dinheiro propriamente dito já não consiste em moedas de ouro, mas em moedas metálicas, cédulas em circulação conhecidas como dinheiro em espécie e, muitas vezes, transações digitais entre contas (por exemplo, cartões de débito). Portanto, a inflação, nesse caso, é um aumento na oferta de moeda fiduciária. Observe também que aumentos no dinheiro em circulação estabelecem uma troca de nada por algo — um efeito semelhante ao produzido pela diluição das moedas de ouro pelo rei.
Segue-se, então, que o ponto central da inflação não é um aumento geral nos preços, mas aumentos artificiais na oferta de moeda (sendo que preços mais altos são geralmente a consequência). A elevação da oferta monetária inicia o processo da má alocação de recursos e enfraquece o processo de geração de riqueza. De acordo com Mises:
“Inflação, como esse termo sempre foi usado em todos os lugares e especialmente neste país, significa aumentar a quantidade de dinheiro e de notas bancárias em circulação e a quantidade de depósitos bancários sujeitos a saque por cheque. Mas hoje as pessoas usam o termo ‘inflação’ para se referir ao fenômeno que é uma consequência inevitável da inflação, ou seja, a tendência de aumento de todos os preços e salários. O resultado dessa deplorável confusão é que não resta nenhum termo para designar a causa desse aumento de preços e salários. Já não existe nenhuma palavra disponível para designar o fenômeno que, até agora, era chamado de inflação”.
Além disso, uma vez que o dinheiro é inserido na economia, existem sempre os primeiros recebedores desse dinheiro e os últimos recebedores. Devido ao intervalo de tempo entre as mudanças na oferta monetária e as mudanças nos preços dos bens, os primeiros recebedores do dinheiro são os maiores beneficiados, pois os preços dos bens que eles compram ainda não aumentaram. Já os últimos recebedores do dinheiro provavelmente enfrentarão aumentos de preços e empobrecimento econômico. Os primeiros recebedores do dinheiro recém-emitido se beneficiam às custas dos últimos recebedores. Em outras palavras, os primeiros recebedores desviam bens para si mesmos em detrimento dos últimos. Como regra, indivíduos de baixa renda estão geralmente entre os últimos recebedores e, portanto, são os que mais sofrem como resultado da inflação monetária.
É extraordinário que, ao tentarem explicar os movimentos nos preços, vários comentaristas simplesmente não mencionem o papel do dinheiro e da política monetária na formação dos preços dos bens. Afinal, o preço monetário de um bem expressa a quantidade de dinheiro trocada por ele (isto é, quantos dólares são pagos por unidade de alguma coisa).
Inflação esperada versus inesperada em Friedman
Alguns economistas, como Milton Friedman, sustentam que, se a inflação for “esperada” por produtores e consumidores, então ela causa pouquíssimos danos (ver o livro Dollars and Deficits, de Friedman, pp. 47–48). O problema, segundo Friedman, está na inflação inesperada, que provoca má alocação de recursos e enfraquece a economia. Para Friedman, inflação é um aumento geral de preços.
De acordo com Friedman, se um aumento geral nos preços puder ser estabilizado por meio de uma taxa fixa de injeções monetárias, os indivíduos ajustarão sua conduta de acordo. Consequentemente, aumentos gerais de preços esperados — que Friedman denomina “inflação” esperada — seriam inofensivos, sem efeito real. Para Friedman, os efeitos colaterais negativos não são causados pelos aumentos inflacionários na oferta de moeda, mas pelo resultado dessa política: o aumento nos preços. Friedman considera a oferta monetária como um instrumento de política capaz de estabilizar aumentos gerais de preços e, assim, promover o crescimento econômico real. De acordo com essa linha de pensamento, tudo o que se exige é fixar a taxa de crescimento da oferta monetária, e o restante seguirá naturalmente.
O que é negligenciado, contudo, é que fixar a taxa de crescimento da oferta de moeda de forma que ela seja previsível não altera o fato de que a oferta de moeda continua a se expandir artificialmente. Isso, por sua vez, significa que continuará o desvio de recursos de produtores de riqueza para não-produtores de riqueza, mesmo que os preços dos bens permaneçam estáveis.
É possível estabelecer o “preço médio” dos bens?
Apesar de sua popularidade, toda a ideia de um índice de preços ao consumidor (CPI) é questionável. Ela se baseia na visão de que é possível estabelecer uma média dos preços de bens e serviços. Embora seja certamente possível observar os preços de um bem ao longo de um intervalo de tempo e calcular uma média matemática, na realidade não existe nada como um “preço médio”. A absurdidade disso se torna evidente ao comparar preços de bens heterogêneos.
Suponha que duas transações sejam realizadas. Na primeira transação, um pão é trocado por US$ 2. Na segunda, um galão de leite é trocado por US$ 1. O preço, ou a taxa de troca, na primeira transação é de US$ 2 por um pão. O preço na segunda transação é de US$ 1 por um galão de leite. Para calcular o preço médio, precisaríamos somar essas duas razões e dividi-las por dois; no entanto, é conceitualmente sem sentido somar US$ 2 por um pão a US$ 1 por um litro de leite. Sobre isso, Rothbard escreveu:
“Assim, qualquer conceito de nível médio de preços envolve somar ou multiplicar quantidades de unidades completamente diferentes de bens, como manteiga, chapéus, açúcar etc., e, portanto, é algo sem sentido e ilegítimo. Mesmo libras de açúcar e libras de manteiga não podem ser somadas, porque são dois bens diferentes, e sua valoração é completamente distinta”.
Reconciliando forte inflação monetária com aumentos moderados de preços
Se houver um aumento artificial da oferta de moeda — acompanhado de produção e crescimento econômico reais — então os preços podem não necessariamente subir após a inflação. Se alguém mantiver a definição de que inflação é um aumento geral nos preços, concluiria que — apesar do aumento artificial na oferta de moeda — a “inflação” poderia ser de 0%. No entanto, se seguirmos a definição de que a inflação se refere a aumentos artificiais na oferta de moeda, então chegaríamos a uma conclusão completamente diferente.
Por exemplo, podemos observar como uma definição equivocada de inflação, no período que antecedeu a Grande Depressão, contribuiu para esse problema. Se nos atentássemos ao chamado “nível geral de preços”, como muitos economistas fizeram naquela época, e desconsiderássemos os aumentos inflacionários na oferta de moeda, chegaríamos a conclusões enganosas sobre o estado da economia. Sobre isso, Rothbard escreveu:
“O fato de que os preços gerais estavam mais ou menos estáveis durante a década de 1920 levou a maioria dos economistas a acreditar que não havia ameaça inflacionária, e, portanto, os eventos da Grande Depressão os pegaram completamente de surpresa”.
Conclusão
Independentemente de como os sintomas da inflação se manifestem, como por exemplo, via aumentos de preços e ciclos de expansão e contração, o que realmente importa são os aumentos artificiais na oferta de moeda, que é o que a inflação de fato é. Esses aumentos iniciam a troca de “nada” por algo com suposto valor e distorcem a estrutura de produção. Portanto, políticas voltadas para corrigir os sintomas da inflação acabam, na realidade, piorando muito a situação.
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Por Frank Shostak
Fonte: Money Report / Foto: Reprodução