Por Portal Ipirá City – Quarta, 1 de outubro de 2025
Na biologia, a ameba é um organismo unicelular, primitivo e desprovido de qualquer complexidade. Sua existência é guiada por um princípio brutalmente simples: sobreviver. Para isso, ela se move de forma oportunista, envolve seu alimento (fagocitose), e se divide quando as condições são favoráveis. Não há plano a longo prazo, não há visão de ecossistema, não há contribuição para um todo maior. Há apenas o impulso cego de perpetuar sua própria existência.
Ao observar o cenário político brasileiro, é difícil não enxergar a assustadora operação dessa mesma “lógica da ameba” no palácio do poder. A sofisticação do discurso e a gravata não conseguem mais esconder um modus operandi primitivo, focado na pura e simples sobrevivência do político e de seu grupo, mesmo que isso signifique a devoração lenta das instituições e do bem-estar da população.
A Fagocitose do Erário e da Dignidade
A ameba se alimenta envolvendo partículas. Na política brasileira, o “alimento” é o erário público. O movimento é o mesmo: projetos de interesse duvidoso, emendas de relator, contratos superfaturados e desvios de verbas essenciais são a forma como a classe política envolve e digere os recursos que deveriam sustentar a saúde, a educação e a infraestrutura do país. O povo, a célula hospedeira, fica mais fraco, enquanto o organismo político incha e se multiplica.
A falta de respeito citada não é um acidente; é uma consequência direta dessa lógica. Para a ameba, o ambiente externo é apenas uma fonte de recursos ou uma ameaça. Da mesma forma, para muitos políticos, o povo não é o destinatário final de seu trabalho, mas uma abstração, um obstáculo ou um recurso a ser manipulado por meio de promessas vazias e assistencialismo eleitoreiro. As mentiras ditas “na maior cara cínica” são o equivalente político do movimento aleatório da ameba: não há um constrangimento ético, pois o único objetivo é chegar ao próximo ponto de nutrição, ao próximo mandato.
Conchavos: A Divisão Celular do Poder
A reprodução assexuada da ameba, por divisão binária, é a metáfora perfeita para os conchavos políticos. Não há um debate de ideias ou projetos de nação. Há, sim, a fissão de partidos, a formação de novos centrões, a migração partidária sem qualquer cerimônia. Tudo para se manter no fluxo de nutrientes. Um político hoje na situação, amanhã na oposição, desde que o ambiente (o poder) permaneça favorável à sua sobrevivência. A ideologia é um luxo que a ameba não pode ter; o pragmatismo voraz é sua única regra.
Isso coloca o país “a mercê de políticos inescrupulosos”. Um sistema baseado nessa lógica seleciona naturalmente os mais adaptados a ela: os mais flexíveis em suas convicções, os mais audazes em seus esquemas, os mais resilientes a escândalos. Políticos com “um olhar voltado para resolver os problemas internos” são, neste ecossistema, organismos mal-adaptados. Eles gastam energia com algo que não traz benefício imediato para a sua sobrevivência política. O foco está no curto prazo, no prêmio eleitoral, na blindagem judicial, não na construção de um legado para as próximas gerações.
Para Além da Sobrevivência: A Busca por um Organismo Multicelular
A tragédia brasileira é ver um país de complexidade continental, com desafios imensos e um potencial colossal, sendo gerido por uma lógica de organismo unicelular. Enquanto a ameba política se divide e se alimenta, os problemas reais – violência, deficiência educacional, crise na saúde, estagnação econômica – se agravam, tratados como meros pano de fundo.
A saída desse labirinto primitivo exige uma mudança de patamar evolutivo. É preciso transcender a “lógica da ameba” e construir uma política que funcione como um organismo multicelular complexo, onde células especializadas (poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, ministérios) trabalham em harmonia para um objetivo maior: a saúde e o desenvolvimento do corpo nacional como um todo.
Isso só será possível com uma reforma política profunda que desincentive o fisiologismo e premie o mérito e a responsabilidade fiscal; com um sistema de justiça célere e implacável que corte na fonte a nutrição da corrupção; e, sobretudo, com uma sociedade civil vigilante, educada e ativa, que deixe de ser o meio nutritivo passivo e se torne o sistema imunológico capaz de identificar, isolar e expelir as amebas que insistem em devorar o futuro do país.
Enquanto prevalecer a lógica da sobrevivência do mais inescrupuloso, o Brasil continuará se arrastando, preso em um ciclo primitivo, um grande organismo doente, governado por amebas de terno e gravata com raríssimas exceções.