- Fergus Walsh e Michelle Roberts
Os resultados divulgados nesta segunda-feira (17/7) confirmam que a droga donanemabe, aclamada como um ponto de virada na luta contra a doença de Alzheimer, retarda o declínio cognitivo em cerca de um terço.
Mike Colley, de 80 anos, é um entre as dezenas de voluntários no Reino Unido a participar do estudo global sobre essa droga, que teve os detalhes publicados na revista The Journal of the American Medical Association (Jama).
Todos os meses, ele recebe uma infusão venosa em uma clínica localizada em Londres e se considera “uma pessoa de sorte”.
Pelo que se sabe até o momnto, o tratamento com anticorpos monoclonais pode ajudar nos estágios iniciais da doença.
Esse tipo de terapia é avaliado contra a doença de Alzheimer, mas não serve para combater outros tipos da doença que afeta a memória e o raciocínio, como a demência vascular.
Isso ocorre porque esses remédios são projetados para lidar com uma das principais características da doença de Alzheimer — o acúmulo de uma substância chamada beta-amiloide nos espaços entre as células cerebrais.
Mike e a família dele perceberam alguns problemas na memória e nas tomadas de decisão não muito antes do início dos testes clínicos com o fármaco donanemabe.
O filho de Mike, Mark, disse que foi muito difícil ver a progressão dos sintomas no início.
“Foi complicado vê-lo lutando para processar informações e resolver problemas. Mas acho que o declínio cognitivo está atingindo um platô agora”, conta ele.
Em entrevista à BBC, Mike acrescentou: “Sinto-me mais confiante a cada dia.”
O donanemabe, desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, funciona da mesma forma que o lecanemabe — testado pelos laboratórios Eisai e Biogen — que ganhou manchetes em todo o mundo recentemente, quando saíram os estudos comprovando que essa droga ajuda a retardar a doença.
Embora sejam extremamente promissores, esses medicamentos não representam a cura do Alzheimer. Os tratamentos também não estão isentos de riscos.
O inchaço do cérebro foi um efeito colateral comum em até um terço dos voluntários incluídos no estudo que avaliou donanemabe. Na maioria dos casos, isso foi resolvido sem causar grandes transtornos.
No entanto, dois participantes — e possivelmente um terceiro — morreram devido ao inchaço da massa cinzenta.
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No estudo do donanemabe, os pesquisadores examinaram 1.736 pessoas que tinham entre 60 e 85 anos e foram diagnosticadas com Alzheimer em estágio inicial.
Metade do grupo recebeu uma infusão mensal do novo tratamento, enquanto a outra parcela tomou placebo, uma substância sem efeito terapêutico. O experimento durou 18 meses.
Os principais achados da pesquisa foram:
- O donanemabe parece ter um benefício significativo, pelo menos para alguns pacientes;
- Aqueles que tiveram doença de início precoce e menos acúmulo de amiloide no cérebro obtiveram maior benefício;
- Aqueles que receberam a droga também mantiveram mais atividades cotidianas, como discutir notícias recentes, atender o telefone ou praticar atividades rotineiras;
- A progressão do Alzheimer, medido a partir do que as pessoas ainda podem realizar no dia a dia, foi reduzido em cerca de 20 a 30% no geral — e em 30 a 40% em um conjunto de pacientes que os pesquisadores consideravam mais propensos a obter uma resposta positiva;
- Foram observados efeitos colaterais significativos e os pacientes precisam estar cientes dos riscos do tratamento;
- Metade dos pacientes que usaram o donanemabe conseguiu interromper o tratamento após um ano, porque havia eliminado uma quantidade suficiente de depósitos de beta-amiloide.
A beta-amiloide é apenas uma parte do quadro complexo que compõe a doença de Alzheimer, e não está claro se o tratamento continuará a fazer efeito por um período mais longo, alertam os especialistas.
Os efeitos do donanemabe podem até ser modestos, mas os resultados fornecem mais uma confirmação de que a remoção da beta-amiloide do cérebro pode mudar o curso do Alzheimer e ajudar as pessoas afetadas por esta doença devastadora se forem tratadas no momento certo, dizem eles.
O professor Giles Hardingham, do Instituto de Pesquisa sobre Demência do Reino Unido, declarou: “É fantástico ver esses resultados publicados na íntegra hoje. Aguardamos muito tempo por novos tratamentos contra o Alzheimer, por isso é realmente encorajador ver esse progresso. Estamos à beira de uma mudança animadora e significativa no cenário do tratamento para as pessoas afetadas pela — ou em risco de — demência”.
Já a médica Susan Kohlhaas, da Alzheimer’s Research UK, disse: “O anúncio de hoje representa um marco. Graças a décadas de pesquisa, as perspectivas para tratar a demência e o impacto da doença nas pessoas e na sociedade estão finalmente mudando. Estamos entrando em uma nova era em que o Alzheimer pode se tornar tratável.”
Mike Colley completou 80 anos em abril deste ano. Na festa de aniversário, ele surpreendeu a família ao cantar My Way para cerca de 40 convidados.
Ele disse à BBC News: “Essa é a confiança que tenho agora. Eu nunca teria feito isso há 12 meses.”
O filho Mark acrescentou: “Nunca pensei que veria meu pai tão cheio de vida novamente. Foi um momento incrível.”
O neurorradiologista Emer MacSweeney, diretor médico da clínica Re:Cognition Health, liderou os testes de donanemabe no Reino Unido.
Ela afirmou que os resultados são significativos e sinalizam um avanço.
A Sociedade de Alzheimer do Reino Unido classificou o estudo recém-publicado como um “ponto de virada na luta contra a doença”,
“A ciência está provando que é possível retardar o Alzheimer”, divulgaram os porta-vozes da entidade.
Essas medicações ainda não estão aprovadas no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O lecanemabe custa cerca de US$ 27,5 mil (R$ 132 mil) nos Estados Unidos, onde está liberado pelas agências regulatórias.
Ainda não está claro o preço do donanemabe e quanto tempo pode levar para ele obter a aprovação.
Mas os especialistas em Alzheimer entendem que ter dois medicamentos no mercado ajudaria a promover a concorrência e teria o potencial de diminuir os valores desses tratamentos.
Fonte: BBC Brasil