Por Maria Luiza Targa – Segunda, 7 de marçao de 2022
O Código Civil de 2002 adota sistema dualista ao admitir tanto a culpa quanto o risco como fundamentos da responsabilidade civil. Depreende-se da leitura conjunta dos artigos 186 e 927 que a regra é a responsabilidade subjetiva do agente causador do dano, já que somente haverá responsabilidade independentemente de culpa nos casos expressos em lei ou quando a atividade desenvolvida pelo agente implicar, por sua natureza, risco a direitos de terceiros.
Ocorre que diversas outras normas regulam a responsabilidade civil em virtude de determinados sujeitos (como o Código de Defesa do Consumidor) ou do meio utilizado (como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados), as quais, em sua maioria, estabelecem o risco como a regra e, portanto, a responsabilidade objetiva do causador do dano. E como elas muitas vezes incidem concomitantemente sobre uma mesma relação jurídica, a análise do fundamento da responsabilidade civil (culpa ou risco) de um agente em uma dada situação pode ser tarefa bastante difícil.
Exemplo disso é a responsabilidade civil dos influenciadores digitais, criadores de conteúdos que não são considerados profissionais liberais. Será que podem ser equiparados a fornecedores de modo que sua responsabilidade é objetiva nos termos do CDC? Ou será que, diante da peculiaridade desta profissão, é imprescindível a perquirição de sua culpa em toda e qualquer situação?
Não restam dúvidas de que os seguidores de um influenciador digital confiam nas suas postagens e que, por essa razão, eles hoje são um importante canal de veiculação de publicidade para fornecedores de produtos e serviços. Por outro lado, suas postagens não se resumem apenas a publicidades: muitas vezes se consubstanciam em opiniões, visões sobre vida saudável, dentre outros.
Quando um influencer deixa de informar, de forma clara, adequada e precisa, que o conteúdo de sua postagem é de cunho publicitário, gera expectativas em seus seguidores que sabem que não serão cumpridas ou ainda de cunho inverídico, cabível a sua responsabilidade solidária ao fornecedor nos termos do CDC, diante do que disciplinam o artigo 7º, parágrafo único, e 25, §1º, desde que comprovado o dano pelo usuário. Ou seja, a responsabilidade será objetiva, equiparando-se, nestes casos, ao fornecedor.
Para além das postagens de cunho publicitário, também podem ser responsabilizados pelo abuso ao direito de livre manifestação de pensamento (artigo 187 do Código Civil), divulgação de fake news, opiniões injuriosas, difamatórias ou caluniosas, ou, ainda, que incitam a violência. Nestes casos, entende-se que a responsabilidade decorrerá do artigo 186 do Código Civil, sendo, pois, de natureza subjetiva.
Porém, a questão não é pacífica: há quem diga que a teoria do risco é aplicável aos meios eletrônicos, de modo que a responsabilidade do criador de conteúdo digital seria objetiva nos termos do artigo 927, parágrafo único, pois decorre do risco a que a sua atividade expõe terceiros.
O tema, tão importante quanto atual, parece demonstrar que novas profissões são um desafio para a responsabilidade civil, pois a responsabilidade de um mesmo agente depende não mais da sua condição, que é a mesma, mas sim dos fatos subjacentes ao dano reclamado (1). Imprescindível, portanto, o seu aprofundamento.
(1) ODY, Lisiane Freitas Wingert; D’Aquino, Lúcia Souza. A responsabilidade dos influencers: uma análise a partir do Fyre Festival, a maior festa que jamais aconteceu. Civilística, a. 10, n. 3, 2021.
Fonte: Conjur