Amigos e ex-colegas apostam em Galípolo pragmático e negociador no BC: ‘Algodão entre cristais’

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Duas reviravoltas marcaram a trajetória do economista Gabriel Galípolo no caminho até a indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o comando do Banco Central.

A primeira foi o convite de Fernando Haddad para a ocupar a vaga de secretário-executivo do Ministério da Fazenda –uma espécie de vice-ministro–, que não estava nos seus planos.

Cotado para a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social), Galípolo foi preterido em favor de Aloizio Mercadante e tinha dúvidas se deveria ir para Brasília. Por pouco, quase não aceitou o convite de Haddad.

Rapidamente, porém, se adaptou à linguagem política da capital federal, participou da elaboração do arcabouço fiscal e passou a ser uma das vozes mais ouvidas nas negociações com o Congresso.

Cinco meses após o início do governo, a segunda reviravolta. A indicação para ocupar a diretoria do BC em meio à cruzada de Lula contra o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, e à elevada desconfiança do mercado de que seria um “pau mandado” do presidente da República no centro nervoso das decisões sobre juros, o Copom (Comitê de Política Monetária).

A Folha colheu relatos de amigos próximos, pessoas que trabalharam muito tempo ao seu lado e integrantes do governo Lula para mapear qual será a cara do BC sob sua direção a partir de 1º de janeiro.

Capacidade de diálogo, curiosidade intelectual e inteligência emocional são algumas das qualidades de Galípolo descritas por economistas que o conhecem de longa data. Na visão deles, essas características devem moldar o BC sob sua gestão.

“Ele tem uma inteligência emocional grande e transita bem em círculos distintos. Não por menos que ele tinha uma relação muito boa com o Geraldo Alckmin [ex-governador paulista e atual vice-presidente] em São Paulo”, diz Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).

Para Rocha, o primeiro trabalho dele será ancorar as expectativas, “acalmar as coisas e colocar a bola no chão”. “O Gabriel tem uma habilidade fantástica de ser algodão entre os cristais”, avalia.

Rocha, que conheceu Galípolo quando era estudante da PUC-SP, diz que o futuro presidente do BC tem um pensamento econômico pragmático e a favor da sustentabilidade das contas públicas, da revisão de gastos, de políticas públicas bem desenvolvidas e de uma tributação progressiva.

Um auxiliar de Haddad avalia que Galípolo, como um dos formuladores do arcabouço, terá uma papel relevante para mostrar a Lula que a política fiscal está atrás da curva (expressão usada pelo mercado para o BC na política de juros) e que, para afastar a percepção de risco fiscal dos investidores, será preciso adotar medidas estruturantes pelo lado das despesas.

O cenário internacional nebuloso, a incerteza com a política econômica dos Estados Unidos, e os poucos instrumentos à disposição do BC para a condução da política monetária são as dificuldades no caminho do futuro presidente, apontadas por outro integrante da equipe econômica.

“O desafio neste curto prazo é realmente mostrar que ele está comprometido com o que é dever, obrigação, razão de ser do BC, a política monetária”, diz José Francisco Lima Gonçalves, o Kiko, economista-chefe do Banco Fator, onde Galípolo foi CEO.

Kiko diz que é preciso olhar a transição sob a ótica de que este um momento singular. “O atual presidente do BC conta com a simpatia da imensa maioria dos participantes do mercado. Não só de formação, mas de experiência profissional e de matiz ideológica”, diz ele, que já tem uma sugestão a Galípolo: organizar um debate internacional sobre o peso das expectativas no sistema de metas.

Economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto afirma que a capacidade de comunicação e articulação política são características que vão ajudá-lo a fazer uma das melhores gestões do BC.

“O BC é marcado pelo caráter técnico das decisões. As decisões de Galipolo e da diretoria colegiada devem levar em conta isso e a necessidade de se ter um controle permanente da inflação, sem deixar de lado o PIB [Produto Interno Bruto] e o emprego”.

Interlocutor do presidente Lula, Luiz Gonzaga Belluzzo vê o indicado à presidência do BC como uma pessoa que não dispõe de um “arcabouço fechado” e alguém “pouco dogmático”. “É capaz de acatar opiniões divergentes da dele”, afirma. “Sabe que a função pública exige compreensão e aceitação da opinião do outro.”

Eles foram apresentados pelo professor José Marcio Rego na PUC-SP, onde Galípolo se formou em economia, e escreveram anos mais tarde três livros juntos.

Belluzzo ressalta a formação “bem keynesiana” de Galípolo, em referência à teoria econômica consolidada por John Maynard Keynes que preconiza a intervenção do Estado na economia para assegurar a estabilidade.

A dupla integra, ao lado de outros economistas, um grupo de WhatsApp chamado “maynards”, liderado por Frederico Mazzucchelli, que lecionou durante décadas na Unicamp.

O primeiro encontro com o professor ocorreu em Campinas dado o interesse de Galípolo pelas aulas de economia e política internacional. “Ele é um progressista raiz. Não vamos achar que ele vai se travestir de liberal”, diz Mazzucchelli.

Era Mazzuchelli quem corrigia até o português dos primeiros textos e Pérsio Arida quem tinha paciência para receber na casa dele ainda na graduação para debater de economia a filosofia.

Uma conversa sobre astronomia, na qual Galípolo explicava a teoria dos buracos negros, marcou a memória de Paulo Gala, hoje economista-chefe do banco Master.

Na época, Galípolo comandava o banco Fator. Segundo Gala, ele era visto como um chefe acessível e de escuta generosa. “Os funcionários tinham muita confiança nele. Era um cara duro em termos de cobrança de metas e resultados, mas ele fazia uma liderança carismática”, diz.

Adriana Fernandes e Nathalia Garcia/Folhapress / (Imagens: Divulgação/Banco Central do Brasil)


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