No fim da quinta campanha arqueológica, são já conhecidas as dimensões da arena em forma de elipse do anfiteatro da cidade romana de Ammaia. Conta com 54 metros, no eixo maior, por 40, no eixo menor. A investigação deste ano revelou também uma segunda porta para o recinto e um segundo compartimento atribuído a funções religiosas. O investigador Carlos Fabião recebeu a RTP e levantou o véu sobre os planos de abrir o espaço arqueológico ao público em 2024.
Está prevista a devolução do espaço arqueológico, dedicado a espetáculos em período romano, à fruição pública já para o próximo ano, ora integrado no ambiente cultural de Marvão ou visita associada à cidade de Ammaia.
E que recinto de espetáculos era este?
A arena corresponde ao terceiro anfiteatro romano a ser descoberto em território português. Desde 2019 os trabalhos de investigação têm vindo a revelar as vivências deste centro lúdico que terá estado em funcionamento, pelo menos durante 400 anos, entre os séc. I d.C. ao séc. V d.C.
Localizado junto à cidade romana de Ammaia, em São Salvador de Aramenha, perto de Marvão, no Alto Alentejo, o anfiteatro serviu a urbe que se estima ter atingido mais de dois mil habitantes, assim como, terá recebido a população das redondezas.
Encaixado parcialmente numa encosta e apoiado na muralha da cidade, o anfiteatro romano de Ammaia usufruiu de um enquadramento natural onde a engenharia romana aproveitou a pendente do terreno para assentar parte das bancadas do anfiteatro. Essa frente de pedreira, por sua vez, foi afeiçoada, sendo daí extraída a pedra para a edificação da estrutura, nomeadamente, para o muro que delimita a arena, conhecido por podium.
O anfiteatro é uma construção de alvenaria, rebocada com argamassa de cal e areia, onde assentaria a cavea, uma bancada feita com materiais perecíveis. Essa estrutura provavelmente feita de madeira, erguida por cima do muro, contornaria em anel a zona superior do anfteatro, tal como os atuais estádios.
Carlos Fabião, investigador da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa/Uniarq e diretor científico dos trabalhos arqueológicos, fez uma visita guiada à RTP.
Entre “camarins” e as portas de acesso ao recinto, o professor descreve as estruturas identificadas, destacando a importância para o muro que delimita a arena.
Durante esta visita o investigador explicou como foi determinada a altura da parede do podium, o muro perimetral em elipse que delimita a arena do edifício lúdico.
Novas descobertas de 2023
No fim da quinta campanha, Carlos Fabião aponta as novidades da investigação. “Presentemente, está já devidamente delimitado todo o circuito do podium – muro – que delimita a arena do edifício lúdico”.
O arqueólogo acrescenta: “Sabemos agora que as dimensões da arena seriam de 54 metros por 40. Por determinar ainda estão os limites exteriores do edifício”.
O professor sublinha que a superficie se coaduna com “um edifício próprio de uma pequena cidade” de província.
Medidas da arena – 54 metros por 40 | Fundação Cidade de Ammaia
A descoberta da segunda porta, do lado norte da arena, traz novas perguntas aos arqueólogos. “Temos que investigar se a porta norte funcionou ao mesmo tempo” das outras áreas, “ou se houve uma remodelação dos espaços e a porta norte foi desativada” em algum momento mais cedo, isto porque, durante os 400 anos de uso, o edificio sofreu remodelações, argumenta.
O investigador realça um segundo espaço de culto, tipo capela, como uma das surpresas desta campanha de escavação.
A chuva que caiu durante a reportagem marcou os trabalhos de escavação com lama. Porém, os arqueólogos não baixaram os braços. Por investigar, havia um segundo espaço de culto acabado de descobrir. O investigador descreve como a nova “capela” tinha sido utilizada e alterada durante a vida útil do anfiteatro.
Como se encontrou o anfiteatro
O anfiteatro romano de Marvão é o quinto a ser descoberto na província da Lusitânia, cuja área geográfica inclui a maioria do território português e parte da Estremadura espanhola. Juntam-se à lista os anfiteatros de Mérida (capital da antiga Lusitânia), Conímbriga (em Coimbra), Bobadela (em Oliveira do Hospital) e Caparra (em Cáceres).
Carlos Fabião explica como a investigação chegou ao anfiteatro associado à cidade de Ammaia.
A importância da cidade de província
Ammaia é uma cidade criada de raíz pelos romanos no séc. I d.C. e estaria, “provavelmente, relacionada com a exploração aurífera do Rio Tejo”.
O professor esclarece que a investigação arqueológica nacional conhecia “uma outra cidade fundada de raiz pelos romanos que é a cidade que está debaixo da aldeia da Idanha à Velha e que está também relacionada com essa exploração aurífera, até porque há epigrafes que o indicam”.
E fundamenta: “Se pensarmos na exploração aurífera do Tejo, essa exploração estende-se pelas duas margens e, portanto, Idanha controlaria a exploração da margem norte e a Ammaia potencialmente controlaria a exploração da margem sul – por exemplo – aqui no Tejo, relativamente perto de Ammaia está o Conhal do Arneiro (Nisa) que é o resultado da exploração dos aluviões auríferos da margem sul”.
Ammaia islâmica de Ibn Maruán
O arqueólogo relembra que a cidade não terá sido apenas romana. A investigação sobre ocupações posteriores está em curso e até já encontrou na literatura do séc. IX notícias sobre Ammaia, em período islâmico.
E o que fazer com a ruína arqueológica
Em curso está já um projeto de valorização e reabilitação do recinto de espetáculo que há quase dois mil anos recebia lutas de gladiadores animando multidões. O professor revelou alguns planos para devolver o espaço arqueológico ao público, mantendo o princípio lúdico.
Os trabalhos arqueológicos no anfiteatro da cidade romana de Ammaia foram possíveis porque “candidatámo-nos a um programa de financiamento de projetos transfronteiriços da Fundação La Caixa” (Programa Provere 2019). Esse projeto foi aprovado e “conseguimos as verbas” para elaborar os trabalhos arqueológicos que envolvem a Fundação Cidade de Ammaia e a Fundación de Estudios Romanos, em colaboração científica com o Museo Nacional de Arte Romano de Mérida e do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa – UNIARQ.
Fonte: RTP notícias