Para especialistas, se o otimismo conquistado pelo novo governo brasileiro for revertido em boas políticas, talvez seja possível que, a partir de 2023, o trânsito de mão de obra qualificada passe a fluir de forma diferente para o País
Domingo, 29 de janeiro de 2023
Texto: Denis Pacheco
Sonho de muitos brasileiros, conquistar um diploma universitário costumava significar a entrada em posições privilegiadas no mercado de trabalho. No entanto, nos últimos anos, a valiosa graduação deixou de ser sinônimo de emprego garantido no País.
Considerando isso, em dezembro de 2022, a Fragomen, uma das maiores empresas de imigração do mundo, divulgou que o total de pedidos de vistos de emprego e residência em outro país superou o registrado em 2020, antes da pandemia do novo coronavírus.
A busca por oportunidades em países da Europa ou nos Estados Unidos levou jovens formados a aderirem ao fenômeno que especialistas classificam como “fuga de cérebros” ou “brain drain”, termo em inglês. Em linhas gerais, o fenômeno é mundial e consiste na saída de profissionais qualificados de países menos desenvolvidos em busca de melhores condições de emprego e renda. Os motivos por trás do movimento de migração variam de tempos em tempos.
No caso do Brasil, a última onda de migrantes “não pode ser dissociada do cenário político e econômico que vivenciamos nos últimos anos”, afirma a professora Graziella Maria Comini, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. Especialista em Gestão de Pessoas do Departamento de Administração, a economista compreende que, em um ambiente “de bastante insegurança e polarização”, o mercado de trabalho brasileiro não foi capaz de reter talentos.
Não bastando a turbulência política, a pandemia também contribuiu para a escassez de novas oportunidades no mercado. “Quando o profissional está nessa situação, nota o pouco estímulo para setores como o da educação, por exemplo, é normal que busque uma vida mais segura, onde é possível se planejar melhor e isso é um dos fatores por trás da fuga de cérebros.”
O caso de Portugal
Para Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, professor no curso de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito (FD) da USP, “a crise política certamente contribuiu” para o aumento do movimento migratório, principalmente para países como Portugal.
Não por acaso, de acordo com a Fragomen, entre janeiro e novembro de 2022, apenas para Portugal, as requisições aumentaram 200% em relação ao mesmo período de 2021.
“Não que seja exclusividade deles, mas Portugal é um bom exemplo, já que passou por várias mudanças em suas legislações migratórias para concessão de cidadania ou visto de permanência, em especial, para aqueles que fazem investimentos significativos no país”, revela Boucinhas Filho.
No que se refere aos profissionais migrando para o país ibérico, em entrevista recente para o jornal O Estado de S. Paulo, Daniel Traça, reitor de uma das melhores escolas de Administração e Finanças do mundo, a Nova School of Business and Economics de Lisboa, afirmou que faltam jovens na Europa, especialmente nas áreas de tecnologia, economia criativa e empreendedorismo. As áreas citadas, de acordo com o Guia Salarial da Robert Half, em 2022, são algumas das profissões que estão em alta entre os brasileiros.
Para o professor e advogado, a questão em torno da predileção desses trabalhadores por empregos no exterior passa naturalmente, por exemplo, por salários mais altos impulsionados pela questão cambial. “Se mensuramos o salário em dólares ou euros, eles são bem mais altos [que os em reais, no Brasil].” E, embora o custo de vida em uma capital estrangeira precise ser levado em consideração, dependendo do país, é possível economizar em outros pontos “como educação e saúde pública de qualidade”, reforça.
Para ambos os especialistas, dinheiro não é o único fator que tem mobilizado a busca por vagas no exterior. Além de menor instabilidade política e econômica, as vagas também oferecem maior possibilidade de crescimento na carreira.
Na opinião de Boucinhas Filho, para os países receptores de migrantes as vantagens podem ser inúmeras. A população de idosos, tanto em Portugal quanto em diversos países da Europa, tem aumentado exponencialmente, por isso “eles precisam de mão de obra jovem, e rápido”. Apesar disso, a Alemanha, por exemplo, busca incentivar a própria taxa de natalidade como medida para combater o envelhecimento da população e a queda de jovens no mercado, no entanto, a medida não renderá frutos imediatos. “Esse tipo de ação vai gerar resultado em até 20 anos, ou seja, é uma política de retorno demorado. Atrair jovens de outros países é uma solução muito mais imediata e rápida”, explica o professor.
Pesquisadores em trânsito
Além do mercado formal de trabalho, outra área que se viu relativamente afetada pela ida de profissionais altamente qualificados para o exterior é a do Ensino Superior.
Com os cortes de gastos, pandemia e a crise econômica dos últimos anos, muitos pesquisadores saíram do Brasil em busca de oportunidades em instituições de fora. De acordo com um levantamento do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos, em 2022, pelo menos, de 2 a 3 mil pesquisadores brasileiros estavam no exterior.
Para Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, “em um primeiro momento, é evidente que isso tem um impacto negativo”. Entretanto, na opinião da especialista, que discute sobre o assunto há mais de uma década, “com políticas inteligentes, isso pode ser um ganho para o Brasil”.
De acordo com a docente, ao trabalharem em grandes instituições de pesquisa pelo mundo, esses profissionais poderão “se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País”.
Ainda que perdê-los por conta do momento de instabilidade política vivido nos últimos anos seja prejudicial para o Brasil agora, se esses pesquisadores continuarem a produzir ciência de qualidade no exterior, o retorno futuro pode ser positivo, argumenta ela.
Revertendo o fluxo
Nem sempre o Brasil foi foco da fuga. Em meados da primeira década dos anos 2000, com a crise europeia, o País se tornou destino desejável para migrantes qualificados de diversas partes do mundo.
Sobre o assunto, Boucinhas Filho, que coescreveu o livro Migração de trabalhadores para o Brasil, de 2013, revela que, durante aqueles primeiros anos, o Brasil “viveu realmente um momento ímpar. Conseguimos estabilidade política, tínhamos um governo que dialogava com diversos setores, uma economia estável com moeda forte”, relembra ele ao associar o período de bonança brasileira com um momento de crise nos países desenvolvidos da Europa, nos Estados Unidos e até mesmo no Japão.
Dos países que compunham o Brics, Rússia, Índia, China e África do Sul, o Brasil “era o melhor destino na época” e nossa imagem era atraente para os migrantes, que buscavam um governo democrático. Fato é que, o professor reforça, “nosso país nunca deixou de ser foco de imigração para nossos vizinhos sul-americanos”, contudo, na época, o Brasil dava evidências de que deixaria de ser um local de emigração e se tornaria um receptor de imigrantes de todas as partes.
“O que aconteceu é que o Brasil entrou em uma crise econômica, aliada a uma crise política a partir dos anos 2010, e todo esse movimento virou. Não só as pessoas pararam de querer vir para cá, como os brasileiros voltaram a querer sair”, conclui ele.
Para os três especialistas, se o otimismo conquistado pelo novo governo brasileiro, especialmente no exterior, for revertido em boas políticas, talvez seja possível que, a partir de 2023, o trânsito de mão de obra qualificada passe a fluir de forma diferente.
“A China, por exemplo, tem uma política que não força o pesquisador chinês a voltar imediatamente, mas que dá apoio para a formação de parcerias entre grupos de pesquisas internacionais, e utiliza a competência lá fora como estímulo para o desenvolvimento interno”, elabora a professora Elizabeth ao mencionar que, no Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) já possui uma série de “programas extremamente interessantes para aprofundar esse tipo de cooperação”.
“Com o novo governo revertendo alguns tipos de inseguranças que são naturais do mercado, será possível mandarmos uma mensagem interna melhor para os nossos profissionais”, pondera a professora Graziella ao finalizar que, “um país que abre possibilidades para seus talentos estimula que se fique no próprio país”.
Mas, para que isso aconteça, Boucinhas Filho conclui que é preciso, acima de tudo, “contornar a crise política sem fim”.
Fonte: Jornal USP