Artistas e produtores de Hip Hop realizam projetos culturais na Comunidade Favelinha City

cultura

Descobrir novos talentos em locais periféricos, muitas vezes, se dá por meio de programas que incentivam a cultura. O Projeto Núcleo de Formação Cultural Favelinha City surgiu a partir da demanda por ações, atividades e produtos culturais dos moradores e produtores da Favelinha City Joaniza, criada em 1992, por famílias do subdistrito da Cidade Ademar, extremo sul da cidade de São Paulo. As atividades do local são expandidas pela comunidade através da Biblioteca Comunitária Luiza Mahin, localizada lá há seis anos.   Além de gerar produtos e serviços artísticos, a proposta ainda realiza periodicamente oficinas, intervenções e eventos dentro do local. Shows em outros lugares das periferias da cidade, através de manifestações como urbanas de dança de rua, grafite, stencil e lambe-lambe.  Ainda pelo projeto NFCFC – Joaniza, contemplado pelo edital Proac Favela 2021, potencializou financeiramente as ações do coletivo com investimento em compras de materiais de uso contínuo em ações e oficinas, e a contratação de arte educadores da própria favela e da rede parceira do projeto, que diretamente já desenvolviam projetos no local. O núcleo gerou a possibilidade de pintarmos os becos, com a criação de diversos desenhos, e com a participação direta dos moradores. Estes processos de fortalecimentos de saberes culturais contínuos, com atuação direta das crianças e adolescentes, fazem com eles vejam nossas ações como mais uma oportunidade de interação social e de troca de conhecimento em fluxo contínuo, em contraturno escolar.Instagram: www.instagram.com/bcluizamahinfc/

As oficinas de grafite, e desenho livre, aconteceram entres os meses de abril e maio com a grafiteira e designer gráfica Rizka, e com apoio do grafiteiro e muralista Panther o Resistente, que, além das aulas, realiza periodicamente a manutenção e criação da galeria livre de arte urbana da Favelinha City – Joaniza (Cultura 100Cep), em parceria com o gestor cultural Sandro Lobato. Eles buscam o enfrentamento ao racismo estrutural, questionam as recentes intervenções urbanas e sociais que a favela sofreu, ao garantir a inclusão de água encanada, mas não o saneamento básico e tampouco a criação de um CEP (Código postal) válido para os recebimentos de cartas e correspondências de todos os moradores que, mesmo após 30 anos, utilizam-se de única caixa de correio como forma de recebimento. A favela A comunidade nasceu na primavera de 1992, e utilizou o terreno das margens do córrego Zavuvus (aproximadamente 100 metros de margem) para a construção de cerca de 50 barracos. Do outro do lado existia um sacolão, e por muitos anos a identidade coletiva era a favelinha do sacolão. Durante a década de 1990, estes foram extintos e, com isso, tanto o terreno quanto a estrutura ficaram abandonadas e o prédio do antigo local passou para a saúde. Hoje, já há quatro gerações de moradores, casos de crianças que cresceram, casaram, tiveram filhos, e agora, aos 45 anos, já são avós  É composta em maioria por mulheres negras, mães solo, com renda mensal variando de um a três3 salários mínimos, provenientes de várias fontes, seja de trabalho formal e outros subempregos. O nível de alfabetização básica é, em média, até oito anos. Músicos, jogadores de futebol profissional, empreendedores das áreas de estética e beleza feminina em geral. De acordo com as produtoras Bruna Oliveira e Sandra Lobato, houve um preparo antes da realização das atividades. “Conversamos com as crianças e todos interessados no projeto o que pretendíamos realizar. Criamos uma agenda coletiva de ações e descentralizamos as ideias, com isso pudemos nos adequar, trazendo ações de desenhos em papel, construções de fanzines, telas e quadros com pintura em tecidos, sessão de leitura de livros, filmes, documentários, bailes de carnaval com máscaras confeccionadas pelas crianças, bailinho da páscoa e, principalmente, muito diálogo. É enriquecedor ouvir as crianças e suas propostas, a pureza e simplicidade”, relatam. Atualmente, a luta maior é garantir a continuidade para os próximos anos. O apoio por meio do edital do Proac 2021 tem prazo de encerramento em 2022, e faz com que o projeto, e toda favela, crie diariamente estratégias de construção de diálogo.  “Para nós, as ações aqui continuam essenciais, pelo combate ao enfrentamento ao racismo estrutural que nos cerca historicamente. Aos poucos estamos fortalecendo a formação de indivíduos mais preparados para conversar sobre esses temas na nossa sociedade, a fim de construir ações que façam e reproduzam esses conflitos diretamente com mais eficiência“, afirma DJ Llobato, que já fez shows, festivais musicais, oficinas de áudio e direcionamento de carreira artística com os moradores. O projeto é gestado pelos próprios moradores, que criaram um coletivo, com o objetivo de potencializar as ações em parceria com a rede de arte educadores e artistas parceiros, que veem nestes trabalhos, a realidade de suas músicas.   Os desafios que enfrentam não estão somente na Favelinha City, e não é só a necessidade de investimento financeiro. Trafega muito pela ausência de políticas públicas de acordo com cada região.  Faz-se necessário efetivar esses flertes com a cidadania cultural, a fim de garantir o direito a ela, tão igual quanto a educação, e desconstruir a falsa imagem de que é algo distante, elitista e caro. Pois o ser humano é cultura em sua essência. Para quem vive em comunidade, os diálogos e construções coletivas, são culturas de favelas em suas estruturas.

Artistas da comunidade MC DJ LLobato, artista de 40 anos de idade, que há quase 30 anos ajudou a criar a Favelinha CIty Joaniza, viu muitas histórias mudarem, se reinventarem, e seguirem gerando fortalecimento e amparo social a muitas famílias. “Nossa favela cresceu, se reinventou muito. Nossa realidade de hoje é muito diferente, onde nem luz e água tínhamos. Eram muitas crianças longe da escola, sem creche, desemprego. Foi duro, mas mudamos e estamos mudando esse quadro diariamente, há quase seis anos seguimos firmes, trazendo a cultura, e as políticas públicas, e isso também faz parte dessa luta por mais direitos”, esclarece.  O artista lançará seu primeiro projeto musical oficial neste ano. Ele já integrou outros grupos de RAP, entre eles o Ato de Fé, criado no início dos anos 2000, e mais recentemente o AFAVEL (minha luz ilumina meu caminho na FAVELA), criado em 2005, com outros jovens moradores de comunidades próximas da Cidade Ademar. Com eles, Llobato publicou independente Afavel. No formato vinil 12 polegadas o grupo, vendeu cerca de 250 vinis de mão em mão e mais de 2000 CDs, sempre participando ativamente do circuito cultural periférico na última década. Parte dele multiplica-se em grafiteiros, DJs, percussionistas, produtores e arte educadores. Hoje não é só um grupo de RAP, e sim um coletivo que acumula e potencializa diversos saberes, sempre pautados pelas práticas, e estratégias de combate ao racismo estrutural.  Recentemente, o estreou o videoclipe “Até o Fim” em parceria com os produtores DJ Toni Di e Vras 77, que inicia oficialmente sua carreira solo em parceria com a NDOTO Cultural, criada por artistas brasileiros e angolanos, com a missão de promover ainda mais o intercâmbio nestes países.  

 Outra artista que, além de residir na Favelinha City Joaniza, ainda realiza ações continuadas na própria favela, é a atriz e cantora Amanda NegraSim, que diariamente busca o protagonismo da mulher negra periférica, bem como o combate ao machismo e a valorização das culturas de matrizes africanas. Conhecida no cenário musical brasileiro, ela lançou o disco AfroQueen Sounds (2021) com contribuições de DJ LlobatoAmanda, como a comunidade a aceitou em 2017, realiza rodas de conversa, saraus, encontros de acolhimento social, oficinas de tranças e de musicalização infantil, como também coordena ações a partir da Biblioteca Comunitária Luiza Mahin, com sede hoje na sua residência.  Durante a pandemia foi responsável por atos do projeto Trançado Periférico Mulher Negra Cultura Criativa, com a produção de shows em lives stream de diversos artistas e trabalhadores da coletividade e do território. Distribuiu ainda livros, cestas de alimentos, higiene e limpeza básica.  

Em “Lembranças”, produzida com a agente audiovisual Lado Sujo da Frequência, em março de 2022, e produção musical de DJ Tony Di, ela conta as relações e convivências entres os residentes, representada por crianças e moradoras, desde o encontro na rua para brincar, até o churrasco no beco. 

Diversos festivais acontecem com frequência no local, entre eles está o 99 Probl3ms Hip Hop que, desde 2020, realiza eventos presenciais e on-line com artistas da Favelinha City. É ums festa compartilhada por diversas redes, com participações efetivas dos grupos Identidade e Movimento de Danças Urbanas da região da Vila Brasilândia (IDM), Lambidas Periféricas da Cidade Ademar da artista urbana Gisele Pinheiro, 100Crew (coletivo de grafiteiros), da grafiteira, artista urbana e ilustradora Crica Monteiro, dos coletivos de hip hop Sala Secreta, comandados pelo MC Don King e Ricco, e o Projeto Risco Sul DJs, comandado pelos DJ Sandro LobatoDJ Simmone LasdenaDJ Guina, entre outros.  

Em 10 de julho, a Favelinha City – Joaniza, irá novamente sediar e receber atrações do gênero, entre elas: os grupos Negredo, Mag B, Dexter, Amanda NegraSim, Filosofia de Rua, DJ Llobato, DJ Tony Di, DJ Dagoma, DJ Sandro Lobato, Lambidas Periféricas, Panther o Resistente, Rizka, Liberdade Revolução, Identidade e Movimento, Sarau Enfrentamento Preto, DJ Guina, DJ Simmone Lasdenas, Raul do Rap, Pretinho Black e muitos outros.  “Através da cultura que nossos filhos e netos vão criar novas narrativas que vão mudar suas vidas, e as de outras pessoas, pois nossa cultura é cíclica e suas diversas voltas, além de reforçar estratégias e construções, provocam novas construções e novos diálogos“, finaliza o grafiteiro, MC, rapper e atuante da Favelinha City, Panther o Resistente. O projeto Núcleo de Formação Cultural Favelinha City – Joaniza, diferencia-se também por abordagens de continuidade e de progressão de suas ações, são muitos avanços que sempre buscam reforçar estratégias historicamente presentes nos movimentos sociais periféricos, como estratégias de acesso e a garantia de direitos sociais. Transcendendo as muitas teorias de formação cidadã, para a real prática e fortalecimento dessas tecnologias na ponta e nos extremos das vulnerabilidades que podem expor a sociedade que a margeia.

  Fonte: Rollingstone

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *