Como manda a errônea tradição, há meses os candidatos ao Palácio do Planalto, principalmente Lula e Jair Bolsonaro, ignoram os números das fragilizadas contas públicas e listam, sem apontar fontes de recursos, custosas promessas para o primeiro ano do mandato. Os presidenciáveis alardearam a preservação do Auxílio Brasil a R$ 600, quando só há dinheiro para pagar R$ 405, e o reajuste do salário mínimo acima da inflação. Mas, amarrado por despesas obrigatórias, o Orçamento de 2023, recém-enviado ao Congresso, deu, pela primeira vez, a dimensão do contraste entre discurso e a realidade. A peça mostra que falta dinheiro — e muito — e sinaliza que boa parte das juras eleitorais pode não sair do papel.
O Auxílio Brasil é uma das principais preocupações, uma vez que o valor de R$ 600, em princípio, vigora somente até 31 de dezembro. É que o Orçamento reserva R$ 105,7 bilhões para o programa, recurso suficiente somente para parcelas mensais de R$ 405, valor que representa apenas cinco reais a mais do que o piso original. Para elevar o benefício em mais R$ 200, como prometeram todos os candidatos, o governo precisa de R$ 52 bilhões adicionais. Pressionado por ter a máquina pública na mão e usar o auxílio como sua principal vitrine eleitoral, o presidente cobrou Paulo Guedes pela inclusão do “extra” nas contas, mas o ministro resistiu sob a justificativa de que a medida feriria a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diante do impasse, a equipe econômica decidiu encaminhar a proposta com o valor defasado e buscar uma forma de financiamento até dezembro. Nas campanhas, é consenso que deverá ocorrer um novo drible ao teto de gastos. Relator-geral da proposta, o senador Marcelo Castro, aliado de Lula, usou o episódio para alfinetar o presidente. “Quem não é governo promete; quem é governo não precisa só prometer, mas propor”, cutucou. Apesar da ironia, a dor de cabeça é ainda maior para aqueles candidatos que querem ir além, como o petista, que prometeu às famílias um acréscimo de R$ 150 ao piso de R$ 600 por cada filho de até seis anos.
A falta de espaço no colchão orçamentário para o Auxílio Brasil decorre das escolhas de Bolsonaro. Ao alinhar as prioridades da gestão, ele optou por reservar R$ 80,2 bilhões para incentivos tributários e iniciativas similares, incluindo a continuidade da política de desoneração sobre combustíveis, que custará R$ 52,9 bilhões. De um lado, a oposição lembra que a redução do preço da gasolina e do diesel, resultado não somente da medida, mas também da queda do valor do petróleo no mercado internacional, foi o que garantiu fôlego ao presidente nas pesquisas. Do outro, o governo se justifica com o ciclo da economia: se o combustível aumenta, o transporte fica mais caro e, consequentemente, os produtos nas prateleiras também.
Fato é que o valor seria suficiente, ainda, para viabilizar a correção da tabela do Imposto de Renda cobrado a pessoas físicas, congelada desde 2015. Trata-se de uma antiga promessa de Bolsonaro. O programa de governo do capitão fala em isentar do pagamento quem ganha até cinco salários mínimos, ou seja, pouco mais de R$ 6 mil. Lula tem uma proposta semelhante, que estabelece que sejam poupados aqueles que recebem até R$ 5 mil. Nos cálculos de auditores da Receita, as promessas custariam, respectivamente, R$ 32,6 bilhões e R$ 21,5 bilhões.
Reajuste em xeque
Já o reajuste do funcionalismo está na corda bamba. O governo reservou R$ 11,6 bilhões para aumentar os salários de servidores do Executivo, mas deixou pendências. Um dos pontos principais é que R$ 3,5 bilhões deste total estão atrelados ao orçamento secreto. Ou seja, não existe uma garantia de que o dinheiro será destinado para esse fim. Além disso, não ficou estabelecido o percentual do benefício, tampouco as carreiras que serão agraciadas. Pelos cálculos do Legislativo, a quantia é suficiente para engordar os contracheques dos servidores em menos de 5%.
O xis da questão é que costuma haver uma cobrança por paridade entre os Três Poderes e o Supremo já garantiu um reajuste de 18% aos membros do Judiciário, dividido em dois anos. “Faremos um estudo para que o servidor do Executivo, que normalmente é o que ganha menos, possa ter um aumento próximo ao dos demais”, garantiu Castro. No PT, o plano é implementar uma “recomposição gradual” dos salários atrelada ao crescimento da economia a partir de 2023.
As inconsistências e pendências levam especialistas a atestarem que o orçamento não comporta as promessas dos presidenciáveis. “O orçamento é um rio. Mas esse rio está assoreado. Então, em vez de passar um grande volume de água, há somente um filete. A maior parte do dinheiro dos nossos cofres está comprometida com despesas obrigatórias e dívidas. Para mudar isso, são necessárias reformas”, comenta o professor da Universidade de Brasília.
É, de fato, um orçamento fictício.
Fonte: Isto é