“A primeira pergunta de um investigador diante de qualquer crime é: ‘quem foi o maior beneficiário deste crime?’”, escreveu o filósofo e teólogo estadunidense David Griffin no livro The New Pearl Harbor: Disturbing Questions About the Bush Administration and 9/11 (O novo Pearl Harbor: perguntas perturbadoras sobre o governo Bush e o 11 de Setembro, editora Olive Branch Press, 2004).
“Não foi só o governo Bush que se beneficiou daqueles ataques. Foram também todos os prestadores de serviços do Departamento de Defesa dos EUA. Milhares de pessoas, apenas na área de Washington tornaram-se milionárias por causa do 11 de Setembro, e dos trilhões de dólares gastos em ‘defesa’”, afirma o ex-agente de contraterrorismo da CIA em 11 de Setembro de 2001, John Kiriakou, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Vale recordar este aniversário de 23 anos dos atentados do 11 de setembro para muito além de ter sido os piores ataques em território americano, e as cerca de 3 mil vítimas daquele dia: multiplicaram-se por milhares de vezes o número de vítimas inocentes das Forças de Coalizão lideradas por Washington no Oriente Médio, em uma unilateral “Guerra ao Terror” de 10 anos consequência dos atentados cuja versão oficial, até hoje, traz inúmeras contradições.
Especificando nesta entrevista suas atividades de contraterrorismo naquele dia, “como se o 11 de Setembro tivesse acontecido ontem”, Kiriakou diz que até hoje não foi feita justiça, “nem para as vítimas dos ataques nem aos seus perpetradores”.
A entrevista é de Edu Montesanti, enviada pelo autor ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Eis a entrevista.
Como o 11 de Setembro está vivo para os norte-americanos, e para você pessoalmente, John?
Na minha mente, é como se o 11 de Setembro tivesse acontecido ontem. A maioria dos adultos da minha idade sente o mesmo. Para os americanos mais jovens, é apenas algo dos livros de história. E eles não conhecem nada além de segurança, segurança, segurança em suas vidas.
Onde você estava em 11 de setembro de 2001? Como você reagiu?
Eu estava na sede da CIA na manhã do dia 11 de setembro de 2001. Eu deveria ir à Casa Branca naquela manhã com Cofer Black, diretor do Centro de Contraterrorismo da CIA, a fim de me encontrar com Condoleezza Rice. Fui até o escritório de Cofer para dizer a ele que o motorista estava pronto para nos levar à Casa Branca, quando vi uma TV com a cobertura do primeiro ataque. Perguntei à secretária o que tinha acontecido, e ela me disse que um avião tinha se chocado contra o World Trade Center. Assim que ela disse isso, o segundo avião chocou-se contra a segunda torre e ela se virou para mim, dizendo: “Você viu isso, ou estou imaginando?” Eu disse: “Estamos sob ataque”. Dentro de alguns minutos, todos os funcionários da CIA estavam em frente a uma televisão assistindo ao desenrolar dos acontecimentos.
Como o 11 de Setembro mudou os Estados Unidos e o mundo?
Acredito firmemente que Osama bin Laden falhou no objetivo de destruir a economia americana. Mas essa não é a questão importante aqui. A questão importante é que ele conseguiu mudar os Estados Unidos e a CIA para sempre. A segurança dos aeroportos nunca mais voltará a ser o que era até 10 de setembro de 2001. A CIA tornou-se uma organização paramilitar que sequestra e mata pessoas em todo o mundo. E os EUA fizeram a transição para uma economia de guerra permanente. Literalmente, toda política agora é feita com a “segurança nacional” em mente. Em termos de mudar o mundo, foi para pior. Milhões de muçulmanos morreram direta ou indiretamente, por causa dos ataques daquele dia.
Você acha que depois do 11 de Setembro e da Guerra ao Terror, os terroristas, o sentimento anti-EUA em todo o mundo foram fortalecidos, ou os EUA emergiram mais fortes dos mais graves atentados em sua história?
Acredito que o sentimento anti-EUA disparou desde o 11 de Setembro, por causa das guerras aparentemente intermináveis dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Ambas foram guerras de escolha, e foram escolhas ruins. E como resultado das ações dos EUA, grupos terroristas ao redor do mundo tiveram mais facilidade em recrutar membros. Tudo o que eles tinham que fazer era mostrar às pessoas fotos da tortura em Abu Ghraib, ou fotos de prisioneiros em Guantánamo para motivá-los.
Você era, então, agente antiterrorismo da CIA, correto? Como você ajudou com informações antes dos ataques?
Meu trabalho era bem direto. Por um lado, consistia em recrutar espiões para roubar segredos. Por outro lado, consistia em trabalhar com o Serviço de Inteligência Paquistanês, o ISI, para realizar operações antiterrorismo para capturar membros da Al-Qaeda e grupos associados.
George Bush negligenciou todos os informes diários da CIA sobre um iminente ataque em solo americano: como você avalia este fato?
Acho que Bush simplesmente não acreditava que o ataque ocorreria em solo americano. Ele esperava outro ataque a uma embaixada americana no exterior, a uma base americana ou a um negócio americano. Mas não um ataque aos EUA em si. Bush disse poucos dias antes do 11 de Setembro que a maior ameaça contra os EUA era a China.
John, há uma entrevista de Bin Laden ao jornal paquistanês Ummat logo após os ataques, em que ele nega qualquer envolvimento com o 11 de Setembro. Uma passagem do que ele disse, é esta: “Já disse que não estou envolvido nos ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. Como muçulmano, tento o meu melhor para evitar mentir. Eu não tinha conhecimento desses ataques, nem considero a matança de mulheres, crianças e outros humanos inocentes como um ato apreciável. O islamismo proíbe estritamente causar danos a mulheres, crianças e outras pessoas inocentes. Tal prática é proibida mesmo no curso de uma batalha. São os Estados Unidos que estão perpetrando todos os maus-tratos a mulheres, crianças e pessoas comuns de outras religiões, particularmente os seguidores do islamismo”. É interessante notar, neste contexto, que um terrorista sempre reivindica a autoria do ataque. Como você responde a isso?
Bin Laden era mentiroso. Ele mentiu durante toda a entrevista. Sabíamos, por outras fontes, que ele estava planejando outro ataque que teria ofuscado o 11 de Setembro.
Mas tem havido, ao longo de todos estes anos, evidências incontestáveis de envolvimento dos sauditas nos ataques…
Pelo menos três membros da família real saudita estavam envolvidos. E os sauditas nunca responderam à pergunta de por que a esposa do príncipe Bandar, que era então embaixador saudita nos EUA, transferiu 50 mil dólares aos sequestradores quando eles estavam em Los Angeles.
E você pode nomear esses três sauditas?
Zubaydah havia nomeado três príncipes, mas no fim de julho todos os três morreram — com uma semana de diferença. O primeiro a morrer foi o príncipe Ahmed bin Salman, a figura principal na comunidade internacional de corridas de cavalos que foi mencionado anteriormente, em nosso relato sobre os sauditas se apressando para sair dos Estados Unidos após o 11 de Setembro. Ahmed, sobrinho do rei Fahd e do príncipe Sultan, morreu de ataque cardíaco após cirurgia abdominal aos 43 anos, de acordo com os sauditas. O príncipe Sultan bin Faisal bin Turki bin Abdullah al-Saud, também sobrinho do rei Fahd e do príncipe Sultan, teria morrido em um acidente de carro. Um terceiro príncipe, Fahd bin Turki bin Saud al-Kabir, cujo pai era primo de Fahd e Sultan, teria morrido “de sede no deserto”.
John, você não vê muitas perguntas sem resposta sobre os ataques até hoje por exemplo a falha de segurança aérea dos EUA justamente naquele dia?
Não houve falha de segurança da Força Aérea em 11 de setembro. A Força Aérea americana está quase toda no exterior. E aqueles jatos que temos nos EUA não estão em estado de “alerta”.
O governo Bush foi o que mais se beneficiou dos ataques, não? Mais até do que os supostos terroristas… A economia dos EUA naqueles dias, a crescente falta de popularidade de Bush, a necessidade urgente de petróleo dos EUA, e assim por diante…
Não foi só o governo Bush que se beneficiou daqueles ataques, Edu. Foram também todos os prestadores de serviços ao Departamento de Defesa dos EUA. Milhares de pessoas, só na área de Washington, tornaram-se milionárias por causa do 11 de Setembro, e dos trilhões de dólares gastos em “defesa”.
23 anos depois, você acha que foi feita justiça, dentro e fora dos EUA, pelos ataques de 11 de Setembro?
Não foi feita justiça mesmo nem para as vítimas dos ataques de 11 de Setembro, nem aos seus perpetradores. Os perpetradores nunca foram levados a julgamento porque a CIA os torturou, e as informações que eles forneceram sob tortura não podem ser usadas contra eles.
Fonte: Ihu.unisinos / Foto: Reprodução/Youtube